quarta-feira, 5 de abril de 2023

Thiago Lia Fook

 Thiago Lia Fook Meira Braga nasceu em Campina Grande-Pb e reside em João Pessoa onde é analista judiciário do TRE-Pb. Se considera, antes de tudo, um leitor, pensador e escritor em tempo integral. O poeta publicou "Poesia Natimorta e versos sobreviventes" e a antologia de contos "Antigamente era melhor".






das falsas aparências

a chuva
que ontem
caía

          fininha como ela só

era como Paulo, o Gordo

          quando com seu corpo pesado
          ergue os braços, irado
          e ri, indefinidamente...




*****




esfinge

eu sempre esperei
que as tardes de sábado
rasgassem o véu
do mistério
e os ventos que chegam
de trópicos baixos
soprassem verdades
no ouvido

joelhos curvei
            venerei
os ralos do oeste
e os braços ergui
            estendi
as pontas dos dedos
fingindo tocar
as portas do Éden

um dia escutei
uma voz
           prometia
encher as lacunas
mas quando virei
o meu rosto
           o que vi
foi só do meu corpo uma sombra

então decidi aceitar
que a Terra dá voltas calada
e que só se colhe do ar
coriza ou dor na garganta

porém continuei a adorar
as tardes de sábado
   aqui da varanda
até que um dia
           dormia? pirava?
o vento soprou-me no ouvido
palavras em língua estrangeira
   seguiu o seu curso com pressa
   e dentro da minha cabeça
largou a sentença
                       o enigma
que gira em concêntricos círculos
prometendo
           vou devorar-te
           não me decifras




*****




filosofia

eram três os cachorros vadios
que iam e vinham
                       birutas
latiam sem causa
os rebeldes
    sem casa
metiam o focinho na rua

cadela
           não tinham à vista
ou mesmo por trás de algum muro cruzeta

comida
           catavam no lixo
que as casas cagavam azul nas esquinas

abrigo
           faziam de conta
no seio das sombras de matos baldios

as portas se abriam
cresciam antenas nos bichos

as rodas giravam
vibravam tendões nos cambitos

as solas sumiam
se viam as patas dormindo

feirantes, carteiros, garis, medidores
e intrusos de todos os gêneros
pagavam as taxas em carnes e ossos

ciclistas, turistas, casais, corredores
e desavisados da espécie
botavam as pernas e os bofes na esteira

assim se passaram semanas e meses
e os cães coroados
    dois pares de cetro
    cravados nas bocas
reinavam sem cortes, jornais ou conselhos

primeiro quem fez foi o moço do 30
    sentou-se sem medo no fio da calçada
            serviu a ração de primeira em tigelas
            dispôs em cumbucas de inox tantas águas
            que não demorou a colher três mordidas

depois quem tentou foi a velha do 80
            sortiu uma cesta com as frutas mais finas
            ornou as treliças com os laços mais lindos
            por cima enxaguantes e brancas bolinhas
            mas não conseguiu mais que a raiva gosmenta

então os vizinhos uniram suas forças
e armados de pedras, machados, porretes
partiram pro tudo ou nada com as feras

as feras rosnaram, sacaram os dentes
partiram pro ataque
                       os flancos expostos
levaram furadas no dorso e no ventre
tombaram arfantes
                       e em poucos instantes
ficaram mais duros que as sujas sarjetas

mulheres e homens, crianças e velhos
ufaram, urraram, untaram os peitos
marcharam na rua em triunfo romano
serviram os cães para abutres distantes
dançaram, beberam, fizeram fogueiras

após uma noite de sono pesado
                        despertaram
e como se nada tivesse ocorrido
seguiram o curso das coisas humanas




*****



soneto ébrio

eu trago na caixola um carro velho
que volta e meia pega só no tranco
e roda quando muito trinta metros
só pra tomar tenência no mecânico

não sei se já é tempo de vendê-lo
e ver se dou com um de mais tutano
ou se parece mas não é defeito
a marcha não querer sair do canto

alguém me disse que isso é uma fase
que chega como a lua em pleno dia
e passa igual ao sol às seis da tarde

só sei que o carro bebe muita pinga
e quando bem chutado fala frases
que vão além do timbre da buzina




*****




soneto do amor descoberto

eu sempre soube que seria bom
amar tal como amaram muitos mitos
descer ao quinto dos infernos e os
vencer mais forte pois de lá voltando

tornar melhor o vil caráter ao
somente ouvir da voz sutis suspiros
fazer dos rudes traços troços lindos
com só um casto beijo lhes tocando

o que eu não soube e só vim descobrir
depois que o amor se apresentou a mim
e desgostoso foi-se embora irado

é que eu não sei amar tal como um mito
e sendo em carne e osso feito minto
se faço amor em vez de frango assado

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