terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Zé Limeira

 Zé Limeira (1886/1954) nasceu no sítio Tauá, em Teixeira-Pb, considerado o principal reduto de repentistas no século XIX. Os temas que abordava em suas poesias e repentes eram variados e chegavam, muitas vezes, ao delírio. Zé Limeira ficou conhecido por suas distorções históricas, poesias recheadas de surrealismo e nonsense, e pelos neologismos esdrúxulos que criava.

 

 


 

 

 

O meu nome é Zé Limeira

De Lima, Limão , Limansa

As estradas de São Bento

Bezerro de Vaca Mansa

Valha-me, Nossa Senhora

Ai que eu me lembrei agora:

Tão bombardeando a França

 

Ninguém faça pontaria

Onde o chumbo não alcança

E vou comprá quatro livro

Prá estudá leiturança

Bem que meu pai me dizia:

Jesus , José e Maria,

São João das Orelha mansa

 

Ainda não tinha visto

Beleza que nem a sua,

De cipó se faz balaio

A beleza continua

Sete-Estrelo, três Maria

Mãe do mato pai da lua

 

A beleza continua

De cipó se faz balaio

Padre-Nosso, Ave-Maria,

Me pegue senão eu caio

Tá desgraçado o vivente

Que não reza o mês de maio

 

Sei quando Jesus nasceu,

Num dia de quinta-feira,

Eu fui uma testemunha

Sentado na cabeceira

São José chegou com um facho

De miolo de aroeira

 

Um dia o Reis Salamão

Dormiu de noite e de dia,

Convidou Napoleão

Pra cantá pilogamia

Viva a Princesa Isabé

Que já morô em Sumé

No tempo da monarquia

 

Zé Limeira quando canta

Estremece o Cariri

As estrêla trinca os dente

Leão chupa abacaxi

Com trinta dias depois

Estoura a guerra civí

 

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

 

O Marechal Floriano

Antes de entrar pra Marinha

Perdeu tudo quanto tinha

Numa aposta com um cigano

Foi vaqueiro vinte ano

Fora os dez que foi sargento

Nunca saiu do convento

Nem pra lavar a corveta

Pimenta só malagueta

Diz o Novo Testamento!

 

Pedro Álvares Cabral

Inventor do telefone

Começou tocar trombone

Na volta de Zé Leal

Mas como tocava mal

Arranjou dois instrumento

Daí chegou um sargento

Querendo enrabar os três

Quem tem razão é o freguês

Diz o Novo Testamento!

(...)

 

Quando Dom Pedro Segundo

Governava a Palestina

E Dona Leopoldina

Devia a Deus e o mundo

O poeta Zé Raimundo

Começou castrar jumento

Teve um dia um pensamento:

“Tudo aquilo era boato”

Oito noves fora quatro

Diz o Novo Testamento!

 

 

Bartolomeu P Lucena

Bartolomeu Pereira Lucena nasceu em Malta (PB) e reside em Lagoa Nova (RN). É graduado em Filosofia pela UEPB e mestre em Filosofia pela UFRN. Publicou os livros Ruas de Sal e outros poemas e Cadernos de planos e voos.

 


 

Epitáfio n° 1

 

Aqui jaz um homem
Que gostava de descer a rua
Se equilibrando no meio fio.
Nunca entendeu de Wall Street,
Mas no seu peito tocava uma orquestra de jazz.

 

 

A gente acha que põe fim
Nas coisas
E elas continuam por aí
Zanzando
Até se transformarem em obeliscos,
Pedras de sal.
No fim tudo vira um conto
Dos irmãos Grimm.

 

 

 

Logo cedo um passarinho bicudo
Virá cantar,
Anunciando como uma sirene de usina
Que a vida daqui
Traz o compasso acelerado de esteira enfurecida.
Que custa caro ser homem.
Os meus cobertores,
Um pra cada noite,
Prepararão minhas manhãs.

 

 

 

Colisão

 

Joaquim pôs os olhos em Rita
E todas as coisas então dilaceradas recuaram mortas.

 

 

 

Queria ler Ledo Ivo com a mesma paixão que você
Criar minha própria língua
Só pra não ser entendido
Queria escrever um poema de trincar os ossos
De abalar a o mofo dessas manhãs
Mover uma palha
Mas nem sei sequer quando não é domingo
Se afinal me escutam
Se adianta correr
Só que quando você lê Ledo Ivo pra mim
Sei que posso um tanto mais
E no verso acariciado
Encaro a nudez dos dias mais duros.

 

Astier Basílio

Astier Basílio nasceu em Vitória de Santo Antão(PE), cresceu em Campina Grande, morou em João Pessoa e atualmente reside na Russia, onde faz doutoramento em Literatura Russa. É Jornalista, poeta, dramaturgo, ensaísta e violeiro. Publicou diversos livros de poesia e ficção.




 

 

Esquecer

 

Esquecer é
retirar as facas
e colocá-las no lugar
correto.

 

 

 

Maçã do amor


Viver em província
é circular
na quadrilha

nada além
do cio de cães
da mesma
matilha

farejando os cus
uns dos
outros

 

 

anos 00

 

Arquivo a ser salvo

o futuro.

 

vazio em zoom

tabuleiro arcaico à mostra

caixa de ecos nada por baixo

 

solo de cristal em vácuo

entre o asfalto e o escuro

sempre salto:

concerto para o erro

 

'stamos

um pouco acima do zero

 

 

 

Soneto da fraude do tempo que tecias

 

Como os fios da falta... o mar é tanto
Quando rasgo o azul envolto em dias
Diluídos nas vagas mais vadias
Quando o sal do silêncio ensaia o pranto

 

Na memória do cais... No amianto
Das manhãs os meus raios tu cosias
E um sarau de sereias tão baldias
Recuava-me o mar num quase canto

 

incrustado no círculo onde me deixas
feito à raiva das rugas fugidias
Na miopia das águas... o teu rosto

 

Condenava o meu sul às mãos de seixas
Sob a fraude dos tempos que tecias
Para a composição de um sol deposto

 

 

 

 

O piano

 

notas

que só pertences

de teu corpo

em círculos, em mergulhos,

num azul de que nenhum mar

ultrapassa tuas nunca

palavras.

Tocas de libido,

manuscritos de uma

música

quando

a falta em riste,

como um fuga de Bach

ou como um címbalo

que retine.

 Aline Cardoso é natural de João Pessoa onde reside. Graduada em Letras e Mestre em Linguística na área de Análise do Discurso, pela UFPB. É poeta e fundou a editora Triluna, visando a publicação de mulheres, principalmente negras. Tem dois livros publicados, A proporção áurea do caos  e Hárpia.

 

 


 

 

VOZ

 

Telúrica-antropofágica
Acherontia atropos
Em voo psíquico-onírico
Mariposa posta
Em teus lábios.

  

 

MOIRAS

 

As moiras vêm à noite,
Montando frísios
Carregam víboras,
Anéis de prata,
Um olho e três destinos.
Coloquem as chaves
Nas fechaduras.

 

 

 

EURÍALE

 

Caí em águas negras
Ontem à noite,
Átrio aço maciço
Penetrando o breu.

Bestas bioluminescentes
Precipitavam-se ronceiras
Farejando os nós
Entre meus seios.

Miose,Petrifiquei papilas e ardis
Avioletando a carne
Densa de cada lábio.

Euríale, transmutei a morte
Em meu chocalho dourado,
Circunscrevi muitos nomes
Em minhas escamas.

 

 

 

 

HERA

 

Vim de outras eras
Erva-daninha-brava,
Urtiga-vermelha,
Saliva sumo de
Comigo-ninguém-pode.

 

 

 

 

PARAPEITO

 

Há um gato
(li)malhado
Ao parapeito
Contemplando
O breu,
Eriça-me
A nuca.

 

 

 

 

FÊNIX

 

A urgência corrói 
Minhas asas,
Pássaro em cinzas,
Reviverei
Em voo limpo

Peito de céu aberto,
Tenho feridas
Ressequidas
Pela fúria com que

Enfrento os dias

 

 

 

 

*****

Procuro teu contato
no sinal vermelho:
vias abertas,
trânsito lento,
pessoas atravancam
automóveis
as células
das palavras
se desintegram
na fumaça,
na saliva,
na liberdade
dos discursos
dissecados.

 

*****

Um dia há de vir
minha hora,
incorpórea,
suplico à lápide:
demore-se
copiosamente

 

*****

Expansiva pantera,
trucido lábios ao som
dos tambores de Hécate.
Harpia, visto a rapina,
bebo o gozo da musa,
êxtase selvagem.
Desejo o orvalho
sangrento
das línguas
incendiárias.

 

*****

Implacável: explodo.
Incorpórea: implodo.
Acolho irrupções cíclicas
ao ventre,
a cada novo evento:
subverto
centros gravitacionais,
saliva volátil
pólvora negra
molotov lírico
língua estopim.

 

*****

Panteriça,
invisto contra
as borboletas de aço
do teu estômago.
Entre um ataque
e outro, dilacero-as
devoro-as, mastigo
com voracidade.
Engulo o sabor metálico
das asas reluzentes,
teus demônios
coagulam-se aos meus.

 

*****

Moira necromante
ante a putrefação –
aparente caos
insignificante
A pupila opaca
incide à luz
que não refrata
A língua
arredia
laça palavras
ao fio umbilical
Pulsante
intermitente
atenta
ao último instante.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Anna Apolinário

Anna Apolinário nasceu em João Pessoa. É poeta e professora, licenciada em Pedagogia pela UFPB. Entre seus livros publicados, destacamos Zarabatana, Solfejo de Eros e Mistrais. Sua poesia pode ser encontrada em diversas publicações, revistas, sites e blogs de poesia e crítica literária.

 

 


 

 

 

TALHO

 

 

Salamandras no cio

Arranham as ancas de minha esquizoidia

 

Línguas negras de argila

Os hematomas são drusas

Ultrametistas

Verso violáceo metamorfoseado

Na carne de Carmen de Godard

 

Sal, suor, sangue, gritos

Agora eu cheiro a feromônio de raflésia

 

Eis o início de um grande amor:

Carniça

 

 

 

 

 

 

Selvática

 

Morder a polpa da palavra
Violentar o verbo

Açoite
Até que o rubro escoe

Atingir o cerne
Com sabre, punhal

Lacerar o arco e a lira
Alvo metafísico

Colisão cáustica
Matilha sádica

Eu quero o aborto
Da aurora boreal

 

 

BREVIÁRIO

 

 

A nebulosa do poeta passa no precipício do amor

 

Um átomo metamórfico

lacera a íris do universo

Eriça

o espinhaço do abismo

 

Búfalo rutilante

estilhaçando a nuvem arterial

 

 

A Pianista

 

A tua voz de incendiar pássaros
Traça surtos escarlates
Na minha sanidade

Ruflam solos ensolarados
O céu erupciona
Um pecado ruivo
O mar sangra seus diamantes

Felina ametista

Um rugido índigo retine
Nas esporas da angústia

 

Magmáticas Medusas

 

Nas madrugadas frias de julho
os pés nus tateiam a casa em ruínas
a pancada do sangue nas artérias
é quase audível
a loucura é uma pedra espessa
um diamante movediço
rebrilhando
coração eriçado
dentro da escuridão

Um verso de Herberto
vórtice, açoite
no leito ladeado de
abismos
os rostos, espectros
de singular agudeza
a música sobe
estrangula estrelas

Às três da manhã
meu olho esquerdo trepida
em contínuas ondas
de cortisol e adrenalina
as pálpebras cerradas
os pulmões em brasa
o corpo saindo
do centro gravitacional
pernas e quadris tecendo
o terremoto áureo
o desenho dos lábios dela
serpentiforme
língua vândala na vulva
vertendo magma
veias abertas
e os cornos em riste

“Eu prefiro você assim,
Vulcão”

 

Garimpo

 

Que teus lábios busquem sem cessar
em minhas densas e voluptuosas cavernas
o doce luminescente minério
o precioso mel de Vênus nascendo
de um ventre cravejado de beijos

 

Estudo para um Delírio (Mozarteando)

 

Ás cinco horas de uma tarde nua e aprazível
Nas veredas do Ponto de Cem Réis
Cá estou a bebericar de meu café cortês
A garçonete me aparece em andrajos de sereia
Sibila-me o verso, ó peixe onírico!
Nobre gota de céu marejou meu olho infante

É Mozart no passeio público
Interrompe seu tropel místico
E vem ter comigo
Ai de mim que não sou poeta!
Acendeu minha cigarrilha
E me trouxe um Blues muito lascivo.

 

 

 


André Ricardo Aguiar

 André Ricardo Aguiar nasceu em Itabaiana (Pb) e reside em João Pessoa. É autor de A idade das chuvas e Fábulas portáteis, entre outros. Na literatura infantil publicou O rato que roeu o rei e Chá de sumiço e outros poemas assombrados. Foi membro fundador do Clube do Conto da Paraíba.

 

 


 

 

ALUGUEL



Vivo numa casa chamada
corpo, que não quitei

e que perambula, serpente
de atalhos, daí meu endereço

quase em bote, nunca é o
mesmo: a casa em que

habito embora durmo ao
relento, pois quanto mais

me fecho, mais fora fico
de mim, a casa que a duras

penas sou eu, a casa de berço
e de cova, futura ruína

em que pergunto de mim,
à porta.

  

EXPERIÊNCIA

 

Tão minério o amor
tão funda a mina
que o funda.

Tão mineiro o amor
quieto, granada mansa
ao adormecer.

E saímos com os bolsos cheios
de perdas
preciosas.

 

 

 

 

 

A Idade das Chuvas

 

Quando era infância
tive o meu caderno de chuvas:
algumas rasuradas, outras
fiéis cópias dos deveres do céu.

Quando era infância,
minhas chuvas eram as águas
do que poderiam ter sido:
fruto de rios bem cursados.

Mas herdei a chuva ancestral
que põe umidade na alma
e passa o ano a acarinhar
a palidez das poças de lama.

E é a mesma água que ainda sonha
os grandes oceanos.

 

 

 

Construção da Chuva

 

Não me desfiz
nem dos pergaminhos
nem dos fantasmas.

A assombrada leveza
dos morcegos e a noite
roendo minhas insônias,

os parágrafos noturnos
da chuva a escrever o telhado
(finíssimo casulo),

enquanto o mundo lá fora
sempre às vésperas
de ser novamente lido

era a cópia eterna
dos dias já findos.

 

 

Colheita

 

A casa
amadurecida
sem frutos

o sumo dos quartos
e corredores
na mornidão dos dias

(casa espremida
entre parênteses
e parentes)

rentes
na fila ferida
do tempo

repetida
enriquecida
no eco dos vizinhos

a casa parida
e seus soalhos de lua
malcriados

refletidos
no lustro da sala
dos anos

que a casa consome
como que ressentida
de fome

e seus habitantes
mobiliados
em velho exílio

tolhidos de usufruto:
pomar de rotas.

 

 

Ode ao café

 

A xícara sobre
vive no por

do sol negro
e fumegante.
Lentamente

de um lago
germina
flor metálica
que colho
do pólen
dos dedos,

(às voltas
com as margens
de porcelana
chinesa)

que a gira
faz um tempo

coando em mim

uma espera
de gole

profundo
do café.

 

Envie poemas, minibio e foto para o e-mail lausiqueira@yahoo.com

Adriano Cabral

 Adriano Cabral de Sousa nasceu em Santo André-SP e reside em João Pessoa-Pb. Cursou Letras na UFPB e integra o Coletivo de Teatro Alfenim d...