quinta-feira, 22 de junho de 2023

Beth Olegário

Filha de mãe paraibana e com a ancestralidade dos povos Tabajara, Elizabeth Olegário nasceu em Natal. Mantém relação direta com a Paraíba há mais de dez anos, tendo residido por quatro anos em João Pessoa onde cursou o mestrado. Atualmente reside em Lisboa onde é doutoranda em Estudos Portugueses. Área de Especialização: História do Livro e Crítica Textual, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (NOVA FCSH). É bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia de Portugal – FCT/PT (SFRH/BD/145768/2019). É investigadora integrado no CHAM (Centro de Humanidades), é membro do Grupo de Investigação em Leitura e Formas de Escrita do Centro de Humanidades da Universidade Nova de Lisboa (CHAM NOVA FCSH). É membro da Ação COST 18126 – “  Escrever Lugares Urbanos – Novas Narrativas da Cidade Europeia” e membro do grupo: Ensino, Diferença e Produçºao de Subjetividade, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Rio Grande do Sul, Brasil

É mestra em Comunicação e Culturas Mediáticas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e licenciada em Língua e Literatura Portuguesa pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). É escritora, poeta e crítica literária. Possui recensões críticas e ensaios publicados no jornal Le Monde Diplomatique – Edição Portuguesa (Portugal), jornal da Feira de Quelimane (Zambézia/Moçambique),  Revista O Galo, ( Fundação José Augusto/ Secretária de Cultura do Rio Grande do Norte). Entrevistas no jornal A União, da Paraíba (Paraíba/Brasil), Jornal Potiguar Notícias (Natal/Brasil), Jornal Saiba Mais (Natal/Brasil), suplemento literário Correio das Artes (Paraíba/Brasil), poemas  na revista  cultural portuguesa Gerador (Portugal) e na  revista InComunidade (Portugal) entre outros. Participou na Feira do Livro de Maputo (2022), 1ª e 2ª Feira do Livro de Quelimane – Zambézia/Moçambique (2021 e 2022).



 




 LESBOS 

  

Enquanto alguns 

aproveitam as férias 

no mar azul da Itália: 

Camogli , Baia del Silenzio, Monterosso 

Ilha de Elba, Chiaia di Luna, 

Costa Amalfitana e Spiaggia dei Frati. 

Mulheres e crianças em longa espera se desesperam 

ao ver os corpos de outras tantas crianças 

serem levados pelas correntes do Mar Adriático. 

 

Se isto fosse um poema 

os leitores se lembrariam que Safo 

também teve seu corpo levado 

por estas mesmas correntes, 

mas isto não é um poema  

e os corpos negros, migrantes e pobres 

jamais serão lembrados. 

 

Ser um refugiado é estar desapossado de si. 

É ser um corpo esperançoso equilibrando-se sobre a morte. 

Ser uma mulher refugiada em um campo de refugiados 

é estar em delito. 

É preferir dormir com fraldas 

A ter de ir, à noite, à casa de banho. 

 

De servem os valores humanitários? 

De que serve a poesia em Camp Moria? 

 

A poesia de nada serve. 

Nunca houve humanidade, 

foi por estar certa disto 

que há 2.600 anos Safo 

lançou-se do penhasco de Lêucade. 

Os fragmentos de seus poemas sobreviveram à ruína. 

Os imigrantes que vagam em botes 

no mar Egeu desaparecerão, 

pois não nos interessa as suas vidas, 

 nem as suas histórias. 

 

Cinco mil e quinhentas pessoas  

foram jogadas em Moria. 

No campo, concentração de corpos. 

sírios, iraquianos e paquistaneses. 

Desconcertados.  

Empilhados. 

Lesbos tornara-se a ilha do desespero. 

Coletes já não salvam. 

A poesia de nada serve. 

 

Recita Ro-La, uma jovem síria: 

"A vida é um inferno em Camp Moria". 

 

Enquanto corpos são levados pelas correntes do Mar Adriático 

Enquanto Ro-La recita o verso da morte. 

 

Enquanto Safo lança-se todos os dias do penhasco de Lêucade. 

Um turista de férias repete todas as manhãs: Che bello l'azzurro del mare italiano. 




*****

 

 

 


AUTOIMOLAÇÃO

 

Friccionando o palito 

de fósforo contra a caixa  

Na cidade de Herat[1] 

as mulheres durante horas,  

como quem ora 

passam as horas

olhando o lume.

 

Lá, onde fala é interdita 

o corpo grita. 

Os olhos reconstroem a trama. 

Fogo. Fagulha. Flama. 

 

“A língua é a espera de um possível” 

 

Seus olhos vazios 

vagueiam pelo fogão à lenha 

vacilantes tropeçam na chama,  

que voltei como vespas 

carcomendo a pele.  

Todo gesto é risco. 

 

As mulheres em Herat 

Deslizam palitos  

Leves e lépidos

que anseiam saltitar,  

Para fora da caixa,

porém elas 

com as mãos seguras 

os seguram e silentes,

escutam-se. 

 

Ainda que interdita a fala, 

no Oriente o corpo fala. 

os jogos de olhares, 

o fósforo, 

a chama,

atmosfera silenciosa  

que irrompe lógicas, 

desmantela estruturas 

por vez não assimiláveis 

em um mundo tomado por constantes ruídos. 

 

Na cidade de Herat 

A fome é certa e o futuro é sombra. 

Ir à escola é não saber se voltará viva  

 

A gasolina, 

O fósforo em chama, 

A carne humana assada: 

Imagem desesperada do mundo. 

Destruindo o lirismo da linguagem.  

O fogo procura forma. 

O poema é a carne das coisas.

Vórtice. 

 

Entre a dor e o desespero,

com o corpo em chama,

resistem.

Se escrevessem versos.

Eles seriam lâminas.

 

-  A revolta é um pirilampo que nos acende por dentro.





*****

  

 

 A DESCOBERTA

 

Chegaram com suas naus e mastros.

Invadiram territórios,

mataram povos e

estupraram mulheres.

 

Disseram que nossos povos

eram infantis e incivilizados.

Com os Napë[2] descobrimos

que o mito é a civilização.




*****

 

 

Touro

(Para Júlio Pomar in Memorian)

Na sala, o touro[3]

bailava comigo

na noite de inverno.

 

Lá fora,

toras de madeiras,

decomposição de corpos e

cores mortas.

Folhas suicidas.

Caducas.

Lições do tempo.

Tintas lusitanas.

Malhoa[4] impressionado com  Gustav Klimt

 

Tinto o vinho

Turva a  imagem~

 

Na arena, o touro

Balé andaluz – a incerteza da volta

Manolete no chão.

 

O limite  da dança: o passo.

O limite da  vida: a morte.

 

No copo a borra.

Na  sala o touro.

Na boca o travo.

 

Vinho tinto

Turva a imagem.

 

Encharcada de vinho,

Toureando a solidão

A menina  e o touro

Bailavam na sala

nas noites de outono.




*****

 

 

Pão de Queijo

 

Nunca andamos de mão dadas,

nas noites de lua, nas margens do Tejo.

 

No entanto construímos esferas,

e nos oferecemos com a mesma ternura dos apaixonadas

que caminham pela Ribeira.

 

O amor percorre rotas invisíveis

 

Nunca andamos de mão dadas,

nas noites de lua, nas margens do Tejo.

 

Porém dentro da tigela,

enquanto sovamos a massa

nossos dedos tocam-se,

constroem luas,

silentes, falam de amor.

 

 

 


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