quinta-feira, 24 de março de 2022

Milfa Valério

Milfa Valério é paraibana de João Pessoa.



Milfa Araújo Sebadelhe Valério nasceu em João Pessoa (PB), mas está radicada em Alagoinhas, na Bahia, desde 1968. É professora de Língua e Literatura Francesa da Universidade do Estado da Bahia – UEBA, poeta e contista. Publicou os livros Passagem (poemas, 1968) e Como água na pedra (contos, 2004).

Nesses tempos de comunicação implacável é estranho que existam poucas referências ao fazer poético de uma autora como Milfa Valério, mesmo na internet. A temática dos seus poemas aborda mergulhos intimistas, revestidos por um acentuado lirismo. Esperamos recuperação dos seus escritos pela revista ALCR, pelo site de Antônio Miranda e pelo blog Beraderos consiga levar outras luzes para sua poesia.


Fontes: Antônio Miranda e Ambiente de Leitura Carlos Romero

 

ÍCARO

Não contavas com o céu de fogo
E vulcões invisíveis
Querias inventar.

Nem tinhas medo de tua força
Minimizada pelo grande deus
O ar.

Que te parecia na imensidão
Colchão macio de nuvens
Querias só voar.

E foi tanto o querer que te lançaste
Do alto dos teus sonos
E te dilaceraste.


(...)

Profundamente lírica, não sei
A paixão do mergulho
A febre da canção sombria
Talvez por ter pouca densidade
Natureza de chuva, sem magia
Remanso de tristeza lago de saudade.

         Profundamente vaga pobre a definir
A duração exata da inconstância
O salto e volta o nó a esclarecer
Talvez por ver tão seca a realidade
Natureza de nuvem inócua substância
Desfazer-se do eterno vir-a-ser.

         Profundamente tudo no desejo
No casulo do sonho entrincheirada
No raso fundo da razão tardia
Talvez por ser moldada em maresia
Natureza de alga mole, morna
Letárgica aos raios da manhã
Profundamente nada.

 

 

ENIGMA

Enquanto penso, teço enredos, crio imagens
Debruço-me sobre algo que não sei
Para engendrar-lhe um rosto.
Nenhuma ideia! Falsa fluidez, teia oblíqua.
Loucura, ânsia de flagrar no outro
O que tanto busco em mim.

No limite do medo e da coragem, exponho-me.
Abro gavetas travadas, reviro a alma
Desfiro golpes na percepção

Lanterna em punho, pelos becos interiores
Que velam e desvelam minha sombra
O outro. Num garimpo inútil.

Sem jamais encontrar o que faz dele enigma
Que se oferta e que escapa, se concentra
E se dissolve nele mesmo e em mim.

FORA DE ÓRBITA

 

Em que duras aflições me prende
Aquele que não mais vejo
Habitante da ilha dos mistérios

Que me adornava e me adorava como deusa
Derramando em meus ouvidos poemas indecifráveis
Prendendo-me com encantamentos

Aquele cuja ausência me entorpece de saudades
Até do que não vivi
Entranhando em mim para além da carne

Pintura, sulco, marca de fogo
Nesse crisol resisto impertinente
Por uma causa para sempre perdida

Por um nome que não posso mais chamar
Em minhas noites brancas
Em que afetos e afagos vagam sem destino

Astros-veleiros tangidos no cosmos
Fora de órbita
Inevitavelmente a anos-luz da minha galáxia

 

DELÍRIO


Ficou no olhar
Siderado o flagrante
Do alvo impossível
A um passo da mão.

Bailou na festa
Que a alma inventou
Num ínfimo instante
E a vida não.

Marcou lá dentro
E escapou dançante
O sonho suspenso
Abismo e canção.



terça-feira, 15 de março de 2022

Lenilde Freitas

Lenilde Freitas nasceu em em Campina Grande e mais tarde radicou-se em Recife. Sua obra reúne, entre outros, os seguintes títulos: Desvios (1987); Esboço de Eva (1987); Cercanias (1989) a  Corça e o campo (antologia publicada em 2010). A poeta recebeu diversos prêmios, entre eles destacamos “All Nation Poetry Contesf (USA); Prêmio Emílio Moura de Poesia (MG); Prêmio Pasárgada (SP), etc.

Lenilde Freitas é natural de Campina Grande.



 



REVESES DA SORTE

Vida! Não te peço nada
que não me possas dar.

O que eu mais amei
logo tirou-me a sorte.

No dia em que levou
- em vez de me levar -

O que eu chamei: Vida
e o mundo chamou: Morte.




*****



SAUDADE

Saudade é lembrar seja o que for
de belo, na escassez em que se esteja
no pouco acrescentar e até repor
se a alma permitir que assim seja.

Saudade é voar, mesmo em declive
ir longe com o olhar, igual condor
viver do que em nós ainda vive
sem nunca revestir-se do incolor.

E por fim quando tudo for distância
— varandas, redes, luas e telhados —
no pátio iluminado de infância

Se a sombra chegar sem que a ouçamos
com seus passos macios, aveludados
a vida há de ficar no que cantamos.




*****

 

 NO CORAÇÃO DO INVERNO

Um pouco de sol
no coração do inverno
tentei ser aos teus olhos glaciais.
E na magnitude do meu próprio engano
quis a mim mesma responder
a pergunta que jamais.

Ciclones passaram ao largo

— ao largo os temporais.
Mas alguém chegou a tempo 
de ver o inverno passando
de ver minha vida escoando
de ver de ver nada mais.




*****




RIO VERDE



Para melhor compor as madrugadas

também os galos acordavam cedo.
O vento ao passar pela varanda
contava à folhagem um segredo.
A hora era imensa e tão pouca
ó rastro da manhã que já desanda
no tempo, despetalando sim
cada palavra frágil flor de nossa boca.
Os colibris voavam, bailarinos
sobre as sépalas verdes do futuro.
A brisa prenuncia assim os finos
dedos da chuva fria sobre o muro.
Então o relógio para, a vida zera
— desfaz-se a neblina de quimera. 




*****




O MASCATE 


Pelos bairros, pelas ruas

pelos becos do Recife
o homem passava sempre
vendendo quinquilharias.
Fitas, linhas e colchetes
agulhas, elásticos, botões
caixa de grampos, alfinetes.
Brandindo sua matraca
passava dia após dia
gritando alto bem alto
pelas ruas da cidade.
Lá vem o homem passando
pela Rua da Saudade.

Envie poemas, minibio e foto para o e-mail lausiqueira@yahoo.com

Adriano Cabral

 Adriano Cabral de Sousa nasceu em Santo André-SP e reside em João Pessoa-Pb. Cursou Letras na UFPB e integra o Coletivo de Teatro Alfenim d...