segunda-feira, 16 de maio de 2022

MARGARIDA LUCENA DA HORA

Margarida Lucena da Hora nasceu em Guarabira.



Margarida Lucena da Hora é paraibana de Guarabira e nasceu em 16 de abril de 1924. Morreu em 2010, em Recife-PE, onde residia desde 1944. Na época, mudou-se para Pernambuco com o objetivo de prestar vestibular para a Faculdade de Direito. Foi sócia fundadora da ABDE, hoje UBE-PE – União Brasileira dos Escritores. Seu trabalho como escritora aparece em diversos jornais, domo Jornal do Commercio (PE), Diário da Noite (PE), Jornal da OAB-PE e Jornal Pequeno (PE). Também em revista como Continente, Horizonte, revista Branca (RJ) e foi traduzida para o Espanhol na revista Francachela, de Buenos Aires. Casou em 1948 com o escultor Abelardo da Hora, com quem teve sete filhos.

Para o jornalista e escritor Willian Costa, “A poesia de Margarida é de qualidade, de um lirismo que não se deixa contaminar pela pieguice e é de belas e fortes imagens, onde a autora, por meio do eu poético, revela suas emoções, sua leitura acerca da vida, da natureza, do amor e da arte. O leitor ficará, com certeza, satisfeito em perceber que a poesia de Margarida não está afastada da qualidade estética da obra do marido. O que as diferencia é apenas a linguagem: um faz poesia com bronze e a outra, com palavras”. O livro Poemas Reunidos foi publicado em 2008, em Recife e republicado pela Editora A União, em 2022.

 

MEU OFÍCIO

 

Não sei se a mágoa me procura
Ou, inquieta, eu a busco em punição.
Prisioneira do imperfeito, sinto erros
No perfeito, teço abismos do meu chão.

Circunstância no malogro eterno,
Passo a passo caminho no imprevisto.
Recolho e retorno do passado
No ontem, o fenecer do amanhã.

Floresta sem força, sem espinhos,
Na sombra, amadureço sem memória
Buscando no espaço das palavras

A voz e a canção do ressurgir.

 

 

REFLEXO

 

Esta face que se evade escura,
Este corpo que se verga na noite,
E, áspero, queda ferido
Entre palavras e lâminas,

Do chão ressurge,
Para o espaço das estrelas.

E na mais alta montanha
                              se desdobra,
                                        ilimitado,
Na madrugada fugaz.

 

 

PRELÚDIO

Passeia e passa
Sem olhar para trás.

Uma estátua de pedra
Tornará
Teu sangue, tua carne,
Mineral.

Ressurgirás
Com os deuses
No deserto.

 

 

CANÇÃO PARA AS DEUSAS DE PEDRA DE ABELARDO

 

As estátuas choram
Sobre elas me debruço,
Abro as portas na escuridão
E troco angústias e sinais.

No cenário,
Os olhos da lua
Espelham,
Suas pálpebras de pedra,
Seus corpos de deserto.
Eterno,
O Deus dos labirintos,
Vigília e punhal,
Costura em sudário,
Sufoca o lamento,
Apelo de vida,
Que num brado,
Estátuas desatam.

 

 

POEMA AO VENDEDOR DE PIRULITO
(Escultura de Abelardo da Hora)

 

Uma mancha de sombra no chão secular,
Um traço de poeira no céu todo azul,
Acordes tirados de lábios famintos,
Distante harmonia ferindo o silêncio.

O sol na calçada enxuga teu pranto
Que cala e se perde no chão e na pedra.
Teu passo é caminho de tempo e de luta,
Teu canto pregão enfeita a miséria.

Os homens não sentem a muda censura
Que cobre teu rosto de adulta tristeza
E fere teus membros, menino sem lar.

Os homens não veem a trágica beleza
Que mora em teu corpo pesado de andrajos,
Vestido de sons que chora teu peito.





Fonte: Jornal A União.

 


 


segunda-feira, 11 de abril de 2022

Alex Polari

Alex Polari é paraibano de João Pessoa.



Alex Polari Alverga é paraibano de João Pessoa e nasceu em 1951. Seu primeiro livro, Inventário de Cicatrizes, foi publicado em 1978 quando ele ainda estava preso por sua militância política contra o regime militar. Permaneceu preso até 1980 e ao sair da prisão ingressou na comunidade esotérica Santo Daime, no estado de Amazonas.

 

Para o crítico Carlos Henrique de Escobar, “Alex político e Alex poeta, como alguns dos seus muitos companheiros em diferentes prisões do país, alguns já libertados, outros exilados, poderão significar toda uma postura e uma produção artística (na poesia, na pintura e no romance) que rompe com os padrões estéreis e reacionários de até então."

 

Fonte: www.itaucultural.org.br/



 

 

 

AMAR EM APARELHOS

 

Era uma coisa louca

trepar naquele quarto

com a cama. suspensa

por quatro latas

com o fino lençol

todo ele impresso

pelo valor de teu corpo

e a tinta do mimeógrafo.

 

Era uma loucura

se- despedir da coberta

ainda escuro

fazer o café

e a descoberta

de te amar

apesar dos pernilongos

e a consciência

de que a mentira

tem pernas curtas.

 

Não era fácil

fazer o amor

entre tantas metralhadoras

panfletos, bombas

apreensões fatais

e os cinzeiros abarrotados

eternamente com o teu Continental,

preferência nacional.

 

Era tão irracional

gemer de prazer

nas vésperas de nossos crimes

contra a segurança nacional

era duro rimar orgasmo

com guerrilha

e esperar um tiro

na próxima esquina.

 

Era difícil

jurar amor eterno

estando com a cabeça

à prêmio

pois a vida podia terminar

antes do amor.

 

 

NOITES NO PP (Presidio H. Gomes)

 

Estou aqui, pessoal, na C-8

nossa cela de passagem

nesse famigerado

Presídio Hélio Gomes

ex-Pp,

Presídio Policial,

rodeado de faqueiros

bichas, fanchones

guardas e faxinas.

No alto de minha beliche de pedra

leio o semanário Opinião,

autores latino-americanos

e vez ou outra espio a TV.

Porto apenas uma cueca Zorba

fumo incontáveis cigarros

Hollywood

bebo infindáveis canecas

de café Pelé

e em vez de grilhetas,

calço as legítimas sandálias

Havaianas.

Discuto a formação do Partido

os males da monogamia

relembro tiroteios e trepadas

e breve, após o confere,

ainda com as feridas da última visita

na capela,

sonharei com os anjos

pendurados em paus-de-arara

celestes.

 

 

FOICES

 

E fosse o vento

como rajada

fio de foice

rente ao horizonte

cortando espigas e auroras.

E fosse fosco

o vidro que nos separasse

da paisagem

assim semeador

vulto impreciso pelas grades

colher o que?

que fímbria de esperança

que migalhas de posteridade

disputar com os ratos?

 

 

TRILOGIA MACABRA (111 - A Parafernália da Tortura)

 

Nos instrumentos de tortura ainda subsistem, é verdade,

alguns resquícios medievais

 

como cavaletes, palmatórias, chicotes que o moderno design

não conseguiu ainda amenizar

assim como a prepotência, chacotas

cacoetes e sorrisos

que também não mudaram muito.

Mas o restante é funcional

polido metálico

quase austero

algo moderno

com linhas arrojadas

digno de figurar

em um museu do futuro.

 

Portanto,

para o pesar dos velhos carrascos nostálgicos,

não é necessário mais rodas, trações,

fogo lento, azeite fervendo

e outras coisas

mais nojentas e chocantes.

 

Hoje faz-se sofrer a velha dor de sempre

hoje faz-se morrer a velha morte de sempre

com muito maior urbanidade,

sem precisar corar as pessoas bem educadas,

sem proporcionar crises histéricas

nas damas da alta sociedade

sem arrefecer os instintos

desta baixa saciedade.

 

 

ZOOLÓGICO HUMANO

 

o que somos

é algo distante

do que fomos

 

ou pensamos ser.

Veja o mundo:

ele se move

sem nossa interferência

veja a vida:

ela prossegue

sem nossa licença

veja sua amiga:

ela se comove

por outros corpos

que não o seu.

 

Somos simplesmente

o que é mais fácil ser:

lembrança

sentimento fóssil

referência ética

apenas um belo ornamento

para a consciência dos outros.

 

A quem interessar possa:

Estamos abertos à visitação pública

sábados e domingos

das 8 às 17 horas.

 

Favor não jogar amendoim.

 

 

Extraídos de INVENTÁRIO DE CICATRIZES. 3 ed.  São Paulo: Teatro Ruth Escobar; Comitê Brasileiro pela Anistia, 1978.  58 p.

 

quinta-feira, 24 de março de 2022

Milfa Valério

Milfa Valério é paraibana de João Pessoa.



Milfa Araújo Sebadelhe Valério nasceu em João Pessoa (PB), mas está radicada em Alagoinhas, na Bahia, desde 1968. É professora de Língua e Literatura Francesa da Universidade do Estado da Bahia – UEBA, poeta e contista. Publicou os livros Passagem (poemas, 1968) e Como água na pedra (contos, 2004).

Nesses tempos de comunicação implacável é estranho que existam poucas referências ao fazer poético de uma autora como Milfa Valério, mesmo na internet. A temática dos seus poemas aborda mergulhos intimistas, revestidos por um acentuado lirismo. Esperamos recuperação dos seus escritos pela revista ALCR, pelo site de Antônio Miranda e pelo blog Beraderos consiga levar outras luzes para sua poesia.


Fontes: Antônio Miranda e Ambiente de Leitura Carlos Romero

 

ÍCARO

Não contavas com o céu de fogo
E vulcões invisíveis
Querias inventar.

Nem tinhas medo de tua força
Minimizada pelo grande deus
O ar.

Que te parecia na imensidão
Colchão macio de nuvens
Querias só voar.

E foi tanto o querer que te lançaste
Do alto dos teus sonos
E te dilaceraste.


(...)

Profundamente lírica, não sei
A paixão do mergulho
A febre da canção sombria
Talvez por ter pouca densidade
Natureza de chuva, sem magia
Remanso de tristeza lago de saudade.

         Profundamente vaga pobre a definir
A duração exata da inconstância
O salto e volta o nó a esclarecer
Talvez por ver tão seca a realidade
Natureza de nuvem inócua substância
Desfazer-se do eterno vir-a-ser.

         Profundamente tudo no desejo
No casulo do sonho entrincheirada
No raso fundo da razão tardia
Talvez por ser moldada em maresia
Natureza de alga mole, morna
Letárgica aos raios da manhã
Profundamente nada.

 

 

ENIGMA

Enquanto penso, teço enredos, crio imagens
Debruço-me sobre algo que não sei
Para engendrar-lhe um rosto.
Nenhuma ideia! Falsa fluidez, teia oblíqua.
Loucura, ânsia de flagrar no outro
O que tanto busco em mim.

No limite do medo e da coragem, exponho-me.
Abro gavetas travadas, reviro a alma
Desfiro golpes na percepção

Lanterna em punho, pelos becos interiores
Que velam e desvelam minha sombra
O outro. Num garimpo inútil.

Sem jamais encontrar o que faz dele enigma
Que se oferta e que escapa, se concentra
E se dissolve nele mesmo e em mim.

FORA DE ÓRBITA

 

Em que duras aflições me prende
Aquele que não mais vejo
Habitante da ilha dos mistérios

Que me adornava e me adorava como deusa
Derramando em meus ouvidos poemas indecifráveis
Prendendo-me com encantamentos

Aquele cuja ausência me entorpece de saudades
Até do que não vivi
Entranhando em mim para além da carne

Pintura, sulco, marca de fogo
Nesse crisol resisto impertinente
Por uma causa para sempre perdida

Por um nome que não posso mais chamar
Em minhas noites brancas
Em que afetos e afagos vagam sem destino

Astros-veleiros tangidos no cosmos
Fora de órbita
Inevitavelmente a anos-luz da minha galáxia

 

DELÍRIO


Ficou no olhar
Siderado o flagrante
Do alvo impossível
A um passo da mão.

Bailou na festa
Que a alma inventou
Num ínfimo instante
E a vida não.

Marcou lá dentro
E escapou dançante
O sonho suspenso
Abismo e canção.



terça-feira, 15 de março de 2022

Lenilde Freitas

Lenilde Freitas nasceu em em Campina Grande e mais tarde radicou-se em Recife. Sua obra reúne, entre outros, os seguintes títulos: Desvios (1987); Esboço de Eva (1987); Cercanias (1989) a  Corça e o campo (antologia publicada em 2010). A poeta recebeu diversos prêmios, entre eles destacamos “All Nation Poetry Contesf (USA); Prêmio Emílio Moura de Poesia (MG); Prêmio Pasárgada (SP), etc.

Lenilde Freitas é natural de Campina Grande.



 



REVESES DA SORTE

Vida! Não te peço nada
que não me possas dar.

O que eu mais amei
logo tirou-me a sorte.

No dia em que levou
- em vez de me levar -

O que eu chamei: Vida
e o mundo chamou: Morte.




*****



SAUDADE

Saudade é lembrar seja o que for
de belo, na escassez em que se esteja
no pouco acrescentar e até repor
se a alma permitir que assim seja.

Saudade é voar, mesmo em declive
ir longe com o olhar, igual condor
viver do que em nós ainda vive
sem nunca revestir-se do incolor.

E por fim quando tudo for distância
— varandas, redes, luas e telhados —
no pátio iluminado de infância

Se a sombra chegar sem que a ouçamos
com seus passos macios, aveludados
a vida há de ficar no que cantamos.




*****

 

 NO CORAÇÃO DO INVERNO

Um pouco de sol
no coração do inverno
tentei ser aos teus olhos glaciais.
E na magnitude do meu próprio engano
quis a mim mesma responder
a pergunta que jamais.

Ciclones passaram ao largo

— ao largo os temporais.
Mas alguém chegou a tempo 
de ver o inverno passando
de ver minha vida escoando
de ver de ver nada mais.




*****




RIO VERDE



Para melhor compor as madrugadas

também os galos acordavam cedo.
O vento ao passar pela varanda
contava à folhagem um segredo.
A hora era imensa e tão pouca
ó rastro da manhã que já desanda
no tempo, despetalando sim
cada palavra frágil flor de nossa boca.
Os colibris voavam, bailarinos
sobre as sépalas verdes do futuro.
A brisa prenuncia assim os finos
dedos da chuva fria sobre o muro.
Então o relógio para, a vida zera
— desfaz-se a neblina de quimera. 




*****




O MASCATE 


Pelos bairros, pelas ruas

pelos becos do Recife
o homem passava sempre
vendendo quinquilharias.
Fitas, linhas e colchetes
agulhas, elásticos, botões
caixa de grampos, alfinetes.
Brandindo sua matraca
passava dia após dia
gritando alto bem alto
pelas ruas da cidade.
Lá vem o homem passando
pela Rua da Saudade.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Arnaldo Xavier

 

Arnaldo Xavier nasceu em Campina 
Grande-Pb, em 1948. Faleceu em
São Paulo, em 2004.


Arnaldo Xavier é paraibano de Campina Grande. Nascido em 1948 e faleceu prematuramente em 2004. É uma das vozes mais fortes da sua geração e um forte representante da Poesia Negra brasileira. Estreou em poesia através de um projeto do Centro Popular de Cultura – os lendários CPCs. Incursionou pela Poesia Concreta e pelas vanguardas. Mudou-se para São Paulo ainda muito jovem.

O Negro não é feio nem Bonito. O Negro contraria pelo Seu Não-Alinhamento. Pela sua Não-Permissão. O Negro contraria e esta contrariedade é a expressão de incorrespondência às significações adversas manifestadas pelo mundo branco.”

(...)

Hum tempo novo exige uma nova linguagem. E que esta Linguagem seja exatamente o sentido )quizilista(, o gesto (xangótico), a sugestão )ebólica(, a careta (quilombística), a escrita )exusíaca( que o corpo do negro aponta de forma própria irreversível.” (XAVIER, 1986, p. 96)


 

 SENTINELAVANÇADA

           as piranhas corroem
unha por unha
as noites

           as piranhas corroem
ossos por osso
as camas

           as piranhas corroem
olho por olho
as esquinas

         até o último gomo da noite

 

         RITMICASTRAÇÃO OU JURUNANDO
AS ESQÉRCIAS DE UM PUEBLO

             os gestos últimos fluem
em veias negras azuis e mamelucas
pelas fuligens das chaminés
pelas mastigações dos arados
e chocalhos pelos olhares em negros
quadros negros
de um povo julgado a imagem e semelhança
de ovelhas e archanjos bêbados
(num bolero aflito)

         os corpos noturnos e copos taciturnos
em barcas e bocas
de um milharal teso onde as espigas
tentam furar todas as estradas possíveis
e impossíveis
(numa rumba sinistra)

         os sabugos esqueléticos os lápis atônicos
e as nervosas sedes das mãos
veiculam num filete de navalha
(numa guarânia macabra)

               o horizonte como sabre afiado
nas vigas das ovelhas se dos archanjos sadios
fecha o seu abraço ríspido
em plantações de camicases
(num alorcado flamenco)

         a camponesa tristeza choca o grão e o esperma
afoito que floresce o açoite
um filho goro e abafado
pelos afagos de sanguessugas
(numa baladagônica)

         a necessidade de comer gerando a necessidade
de mudanças na memória acéfala
de alguns perplexos homens
(na gralha de uma toada)

         as escondidas danças em gemidos molhados
por trás de pilhas de sal e de fogo
e os panos de uma aurora onde a fome parece
um metalgalho rígido é a única
branca arma branca de faminto
a única tática é a última estratégia
de um passo de tango)

 

         PORTA DEMERGÊNCIA

                            armei ilhável antro
(acessos
circos e cercos)

                   armei policiável pedra (atiçados
campos patas e arames)

                      armei caçável ave
(abertgas
grades e estradas)

                                armei plantável vida
(debaixo
de roxos lençóis
boinas e
capacetes)

                            armei insufocável brado
(nunca
eternos campeões de todos os gemidos)

                                      armei aurorável horizonte
(onde
o sol arriará as calças
e se acocorará para cagar por trás
da moite)

                             armei populações civis
(de
olhos bem abertos sobre
a carne dos juízes
momentâneos)

                       armei (em plenas aflições) funerável motivo
de sombra
(em ideias perplexas e sóis calados
enquanto vive a marsada
em agonias últimas)



Fonte: Antônio Miranda.

 

 

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Zila Mamede

Zila Mamede nasceu em 1928, em Nova Palmeira-Pb.




Zila Mamede nasceu em Nova Palmeira, na Paraíba, em 1928. Estudou em Currais Novos-RN, mas foi em Natal onde viveu a maior parte da sua vida e onde foi reconhecida enquanto bibliotecária, técnica em contabilidade, professora e escritora.

Morreu em 1985. Publicou livros como Herança e Navegos - este último uma coletânea dos livros Rosa de Pedra, Salinas, O  Arado, Exercício da Palavra e um inédito chamado  Corpo a Corpo.

Escreveu estudos bibliográficos sobre Câmara Cascudo e João Cabral de Melo Neto que a considerava uma das maiores poetas brasileiras.

Sobre Zila Mamede escreve Nei Leandro de Castro: "O Arado é um momento alto não só na poesia de Zila Mamede. É um dos momentos mais altos da poesia brasileira. A poeta toma a lavra da palavra, faz do verso o instrumento com que molda - artista, artesã, moendeira, oleira - os objetos da poesia."

 POEMAS 

 

 

A PONTE

 

Salto esculpido
sobre o vão
do espaço
em chão
de pedra e de aço

onde não
permaneço

                 - passo.       

 

 

 

 

ARADO


Arado cultivadeira
rompe veios, morde chão
Ai uns olhos afiados
rasgando meu coração.

 Arado dentes enxadas
Lavancando capoeiras
Mil prometimentos, juras
Faladas, reverdadeiras?

 Arado ara picoteira
sega relha amanhamento,
me desata desse amor
ternura torturamento.

 

 

 BANHO (rural)

 

 

De cabaça na mão, céu nos cabelos
à tarde era que a moça desertava
dos arenzés de alcova. Caminhando

um passo brando pelas roças ia
nas vingas nem tocando; reesmagava
na areia os próprios passos, tinha o rio

com margens engolidas por tabocas,
feito mais de abandono que de estrada
e muito mais de estrada que de rio

onde em cacimba e lodo se assentava
água salobre rasa. Salitroso
era o também caminho da cacimba

e mais: o salitroso era deserto.
A moça ali perdia-se, afundava-se
enchendo o vasilhame, aventurava

por longo capinzal, cantarolando:
desfibrava os cabelos, a rodilha
e seus vestidos, presos nos tapumes

velando vales, curvas e ravinas
(a rosa de seu ventre, sóis no busto)
libertas nesse banho vesperal.

Moldava-se em sabão, estremecida,
cada vez que dos ombros escorrendo
o frio dágua era carícia antiga.

Secava-se no vento, recolhia
só noite e essências, mansa carregando-as
na morna geografia de seu corpo.

Depois, voltava lentamente os rastos
em deriva à cacimba, se encontrava
nas águas: infinita, liquefeita.

Então era a moça regressava
tendo nos olhos cânticos e aromas
apreendidos no entardecer rural.

 

 

ELEGIA

 

Não retornei aos caminhos
que me trouxeram do mar.
Sinto-me brancos desertos
onde as dunas me abrasando
tarjam meus olhos de sal
dum pranto nunca chorado,
dum terror que nunca vi.

 Vivo hoje areias ardentes
sonhando praias perdidas
com levianos marujos
brincando de se afogar,
com rochedos e enseadas
sentindo afagos do mar.

 Tudo perdi no retorno,
tudo ficou lá no mar:
arrancaram-me das ondas
onde nasci a vagar,
desmancharam meus caminhos
– os inventados no mar:
depois, secaram meus braços
para eu não mais velejar.

 Meus pensamentos de espumas,
meus peixes e meu luar,
de tudo fui despojada
(até das fúrias do mar),
porque já não sou areias,
areias soltas de mar.
Transformaram-me em desertos,
ouço meus dedos gritando
vejo-me rouca de sede
das leves águas do mar.

 Nem descubro mais caminhos,
já nem sei também remar:
morreram meus marinheiros,
minha alma, deixei no mar.

Pudessem meus olhos vagos
ser ostras, rochas, luar,
ficariam como as algas
morando sempre no mar.

 Que amargura em ser desertos!
Meu rosto a queimar, queimar,
meus olhos se desmanchando
– roubados foram do mar.
No infinito me consumo:
acaba-se o pensamento.
No navegante que fui
sinto a vida se calar.

 Meus antigos horizontes,
navios meus destroçados,
meus mares de navegar,
levai-me desses desertos,
deitai-me nas ondas mansas,
plantai meu corpo no mar.
Lá, viverei como as brisas.
Lá, serei pura como o ar.
Nunca serei nessas terras,
que só existo no mar.

 

RETRATO

 

Me lembrava da menina
escavacando o chão agreste,
me lembrava do menino
carregando melancias.

Em que terras desembocam
esses talos de crianças
mais finos que as maravalhas,
mais fortes que a ventania?

Dois pés descobriram casa,
multiplicaram-se em hastes
– são cabeleiras de trigo
dos moinhos de Van-Gogh.

 A sombra dos dois irmãos
repartiu-se entre os veleiros:
seu tronco desarvorado
virou estrelas no mar.

 

Envie poemas, minibio e foto para o e-mail lausiqueira@yahoo.com

Adriano Cabral

 Adriano Cabral de Sousa nasceu em Santo André-SP e reside em João Pessoa-Pb. Cursou Letras na UFPB e integra o Coletivo de Teatro Alfenim d...