Wilma César é natural de Patos, sertão da Paraíba, residente em João Pessoa. É psicóloga, professora e poeta. Tem poemas selecionados para publicação em várias antologias, e textos nas coletâneas do Prêmio Off Flip de Literatura (2022/2023). Casada, mãe de três e militante feminista nos Coletivos Apoena, Papel Mulher, Escreviventes e do Mulherio das Letras Zila Mamede (RN) e de João Pessoa (PB). Sonha, sem pressa de realizar, publicar seu livro solo.
Milagre
O
vazio
O
frio
O
oco
Um
buraco
Lânguido
pescoço
Vento
do arrepio
Glândulas
expostas
Gânglios
infartados
Dentes
trincados aos montes
Sanguessugas
de mil olhos
Olhos
opacos, vidrados
Bocas
abertas, sedentas, obscenas,
Fome
que não aplaca
Nenhum
belo horizonte
Estômago
que não enfarta
Corpos
zumbis pedintes
Estética
excludente
*****
1. Negação
A
face endurecida
A
coluna alquebrada
Cicatriz
do tempo de um sorriso amarelo
O
esgar do tormento
Vida
parada no suspiro, fixada no intervalo
Voltas
e voltas de lamentos
Voos
interrompidos
Asas
de vassalo
Sonhos
suspensos
Relógio
corrompido
Odor
que exalo
Flagelo!
*****
2. Terceira
Intenção
As
horas voam
O
silêncio persiste
As
mãos inquietas
O
coração aos saltos
Resiste
O
amor que lateja
Explode
em faíscas
Purulenta
ferida
Brilhantes
abcessos
Sangue
extravasado
Alívio
secreto
Corpo
vitalizado
Esfuziante
tensão
Nasce
o poema
Dorme
a poeta
Contínua
cicatrização
*****
3. Renascimento
Entre
a taça e o copo
A
indecisão persiste
Você
insiste
na
desordem se torna ordem
Diariamente
você impele:
-
Escolha,
entre
a taça e o copo
Eu
respondo:
-
quebro a taça
-
lavo o copo
Bebo
a vida
Eis
a saída!
*****
4. Enredo
pano
de prato branco, bordado, bico e fita
no
ato desbotado
rasga,
água sanitária
louça
molhada/comida fria
o
pano desfia
o
amor naufraga em banho-maria
a
televisão de plasma desligada
torce
e retorce, o braço não alcança
controle
remoto perdido
sala
escura, cara fechada
a
novela que acaba sem ter sido acompanhada
o
aparelho celular vibra
o
silêncio glacial quebrado
não
toca, estremece e vibra
aparelhos
desligados/desconexão real
fones
de ouvido
não
trazem queixas
não
proporcionam deixas
possibilitam
suspeitas
a
caneta ressecou a tinta
papeis
empilhados
assinaturas
adiadas
meses
que anseiam/anos que lamentam
suspiram
finalmente
registram, assinam
poderão
vibrar, iluminar,
remendar,
guiar
enfim,
s e p a r a d o s
poderão
amar
amar-se,
amarem-se
Poema
selecionado para compor a coletânea Prêmio off-flip 2022
*****
5. Todo
sábado
a
tesoura cega
coberta
por pontos de ferrugem
guardada
como relíquia da infância feliz
veio
da caixa de couro
esmaltes
invariavelmente vermelhos
a
tia usava
pintava
as unhas
todo
sábado
todo
sábado na faxina
faxina
ao som de long plays
Chico
Buarque, Clara Nunes, Luiz Gonzaga
a
radiola tocava
o
copo cheio de cerveja gelada
esfriava
encorajava
tarefa cansativa
acompanhava
tudo
olhos
atentos
ansiava
pelo cheiro
o
chão gelado encerado
leitura
ensaiada
arriscava
mexer nas estantes
deleite
no olhar
volumes
tão bem catalogados
todo
sábado era assim
e
todo sábado era a primeira vez
a
caixa de couro cobiçada
os
esmaltes
o
cheiro de pinho sol
os
livros permitidos
os
proibidos
o
mar que ela não conhecia “serenava”
seu
chão
todo
sábado era feliz
somente
invariavelmente,
feliz!
6. Mãe
mãe,
vem
minha
testa quente
espera
tua mão
fria
e curadora
mãe,
vem
meu
ventre proeminente
espera
tua mão
quente
e protetora
mãe,
vem
meu
coração
aos
saltos
espera
tua mão
clama
e acolhedora
mãe,
vem
minha
cabeça oca
espera
tua palavra
sedutora
mãe,
vem
fica
perto
sempre
presente, sempre!
Quanta lindeza, força e potência! Viva!
ResponderExcluirObrigada, Nad. Sua força é muito importante pra mim
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