Paulo Dantas nasceu em Santa Luzia-Pb e reside em São Bernardo do Campo-SP. É poeta, pesquisador da poesia popular nordestina e professor. É autor de “A butija dos dizer” (Coleção Mimo Alpharrabio 2018), do livro Folheto (Ed. Alpharrabio, 2021) e da proposta poética do espetáculo Mundo di Versos Incarnados.
rastros
1
como
quem
tateia
lugar algum
minhas mãos
sísmicas
te encontraram
detrás de verbos
lapadas
neste
abc
a
esmo
balbuciando
tantas letras
de repente
desembocamos
no teu abraço
amigo
2
(sabe,
tarso
é preciso estrebuchar
enquanto restar-nos
um cotoco de lápis
é preciso estrebuchar
e seja parindo
punhais ou clavinotes
é preciso estrebuchar
porque não tem
prego que aguente
e luzia
- mulher negra -
que nem conhecia
deus
também findou pagand’o
pato)
3
e agora, paulo?
migraste
o metro
as rima
migraste
singrando
alguns
rastros
paulo,
e agora?
***
brasis
meu
avô era cafuzo
fazia experiências com
nevoeiros e formigas
enquanto o feijão esturricava
sob o sol
o
algodão
era um tipo de neve
que cortava nossas mãos
e sempre derretia
na hora da venda
o
eldorado era longe
os caixões de anjo
azuizinhos
e dona escassez
cada vez mais medonha
mas
tinha ano que era bom
partilhávamos
melancias, sorrisos e jerimuns
cantarolando mangas
afetividades e umbuzadas
era fartura muita
de toda largura
desembocando em buchos vazios
e florescendo
os corações ressequidos
sacos
e sacos de ráfia
fitilho, ligas, bagageiros
e o milho
enfim
em busca de casa
aí
eram braços
moinho, tacho, peneira
colher de pau, dedo, lambida
(deixa isso quieto, menino!)
contentamentos
canjicas
bem maquiadas
pamonhas em trajes de palha, café
cuscuz
milho assado e
fogueiras madrugadinhas
quando
foi um dia
deus
descortinando o horizonte
deu fim no marasmo
ancestral
era
mesmo como
se estendessem por sobre nós
a vermelhidão
de seo arrebol
cada vez mais lúgubre
a
partir daí
a chinela mudou de toada
agora eram fogo e fé
e excrementos quaisquer
alienígenas
algoritmos
furadeiras
guarda-chuvas
cacos de vidro
carros de família
dinamites
metralhadoras
formicidas
cachaça
arsênico
torturas
estupros
torturas e estupros
esquartejamentos
genocídio
sonhei
que uma bala de fuzil atravessava
o corpo franzino do meu filho
e acordei desesperado
pode ser que isso aconteça
há
sempre gritos
disparos
e um choro perene
quando coturnos engravatados
transitam por nossas vielas
as
chagas todas
o infausto eterno
encontram sempre
sempre
a nossa pele
a
nossa pele
a mesma
a mesma pele
que dá de ombros
guardando os olhos no bolso
século
xxi
- regado a modernidades -
antropofagia
não será aguar boi e soja
com sangue?
(sangue
de tantas mãos grossas que lutam
como quem guarda
no peito memórias da terra)
*
acalanto
haverá
um dia
um dia qualquer
qualquer um
em que
a minha porta
(insistente
gritando
gritando
gritando)
baterá
a mais bonita
poesia
entre
suas mãos
encontrará abrigo
meu rosto
inquieta
ela fitará
meus olhos
seus polegares
enxugarão
minhas lágrimas
carinhosamente
pousará um beijo
sobre minha testa
nesse
dia
ela não me dirá
nada
nada
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