terça-feira, 14 de março de 2023

Amneres

  • Amneres é poeta paraibana de João Pessoa e reside em Brasília. Publicou 12 livros, entre poemas e crônicas. O mais recente deles “Marí(n)timo – poesia de bordo’. É graduada em Letras e em Jornalismo pela UnB e Mestra em Turismo. Participou de diversos movimentos literários de Brasília, entre eles o  OiPoema e o VivaArte. "Pedro Penseiro", "Emquatro", "Rubi" , "Eva" e "Marrí(n)timo - poesia de bardo", são alguns dos seus títulos.



Animais Noturnos

 

Acordei com o barulho.
Móveis arrastados pela sala
rasgando o assoalho do escuro.
Vulto no espelho da memória
engolido pelas sombras do medo.
Acordei nesse lugar remoto,
como um deserto dentro do peito.
A solidão e suas garras
abrindo fendas, escaras.
A dor sangrando suas lavas,
encharcando os olhos do soturno.
Poemas são espinhos perfurando
a carne das palavras. Animais noturnos.

***

 

 

Medo



Um grito rouco na tarde,
um uivo dentro da noite,
um frio seco na carne,
o giz de sangue do açoite,
a torpe face da morte
na rigidez do cadáver,
a solidão do covarde
roendo as cordas da sorte
e a dor de que não se escape
e o amor quando parte ou morre.

 

 

***

 

Ciclo

Alguma coisa me invade,
alguma coisa me acorda,
alguma coisa em mim arde,
alguma coisa em mim sopra
e a chama incendeia a carne
e o tempo trota no peito
e a vida faz amizade
com a morte e tudo é perfeito,
pois tudo finda e renasce
e é core e é recomeço.

 

 

***

 

 

 

 

Tanatos

 

Corpo mutilado
carne seca
esqueleto
ossos estéreis
boquiabertos
onde tua alma
árida caveira
onde o recheio
de uma vida inteira?

Resto de homem
destinado ao pó
não te reconheço
embora roas
minhas idéias
reflitas
meu cansaço
espelhes
meu estupor
embora quebres
embora doas
embora estales
quando te envergo
nos rituais do amor.

Ainda menina
vi teus contornos
em úmidos
laboratórios
escolares
na morte anunciada
do meu avô
e no entanto
só te encarei
muito mais tarde
no rosto inerte
de um meu irmão
naquela tarde.

Hoje, assisto-te
como a um filme
de terror
em cenas de guerra
em olhos de fome
na ferocidade
do bicho homem
caveira já te sonho
caveira já te sou
em certas noites
insones.

Espio-te
nas entrelinhas
de minha face
penetro teu vulto
tua intimidade
reconheço-te
no que em mim
é pó
no que em mim
é carne
e até te cuido
e até te agrado
buscando-te o vigor
para que não quebres
antes do tempo
e que me abrigues
quando se achegue
a idade.

Hoje, livro-te do perigo
com o comedimento
da maturidade
até que venha a morte
e minha alma leve
de ti se aparte
e enfim, então,
já nos veremos
face a face
de um lado
meu espírito pleno
de outro
tua débil
durabilidade.

Assistirei às despedidas
dos meus irmãos
e ao teu enterro
ainda grudada
à minha carne
e te direi adeus
e subirei aos céus
pois que te conheço:
corpo mutilado
carne seca
esqueleto.

 

 

***

 

 

Sobre fé

Let it be,



a ferida há de estancar,
o peito há de resistir
e o sol ainda há de brilhar
e então hei de construir
a ponte onde atravessar
ao outro lado e seguir
a sina de mais amar
tanto mais vida existir.

 

***

 

 

 

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