Sinfonia
dos túneis escuros
O poeta sentou-se à frente do computador
Posicionou os dedos de forma a precipitar chuva
e começou a reger a orquestra
tocando conflitos em engenhos de frases sem conforto
fazendo tremular as zonas erógenas imateriais
Os dedos... ali agora não os tem
é com fome e sede que vem esculpindo em transe sua sinfonia
Pôs nela o vento, o medo,
e um passo galhardo
para dar nuances às notas agudas
O olhar vago para o horizonte está afinado com notas de
violino em piano
A solista estremece as lembranças de todos com voz de futuro
anunciado
O solista excreta os transtornos com timbre preciso e longo
A música inunda o recinto com a sinergia do agora inevitável
As teclas no teclado qual pistões em frêmito
tornando a música quase tangível
QUASE
TANGÍVEL
Entrelaçando-se em espiral
a ruga serena
e a náusea emocional
num turbilhão silencioso de trovão
envolvem a consciência dos ouvintes que escutam com olhos
atentos
a sinfonia
fluindo impassível
e prestidigitando
um clima cinza e terno
como a umidade de inverno
palavras serpenteiam pelos corredores da mente
e adentram os túneis escuros de todos
revolvendo o pó do intemperismo da infância
então
O som cessa afinal:
consciências molhadas
ouvidos nutridos
almas lavadas
e caminhos primevos
retraçados
por sons
magistrais orquestrando
gotas aladas
[escritas
caladas]
que voam em
bando
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Claro, claro, claro
Escuro
Busquei tanto algum
amparo
No improvável desse furo
Claro, claro, claro
Muro
A luz me serve agora
quando o sol já vai
maduro
Claro em todo o músculo
Claro sopro forte
Ainda que a sorte
trace um corte no escuro
Miro nesse corte
Mas o alvo é o futuro
O
verde e o cinza
Quando vou de Boqueirão à
Campina
E a bandeira verde e
cinza da paisagem
Me confunde entre o sol e
a neblina
E germina ficção nessa
mensagem
Penso na permuta natural
das cores
Na divisão injusta dos
matizes
No pouco tempo reservado
às flores
E o longo tempo da sede
das raízes
Cinza, tom que predomina
na janela
Um quadro em movimento
que ressalta
A imagem que veloz se
modela
Na parte do ano que o
verde faz falta
Da janela do carro sempre
olho
Esperando o verde inverno
que demora
Quando chega em pouco
tempo vai embora
E o cinza retoma o
monopólio
É do verde forte e vasto
qu'eu gosto
Miríades de folhas que se
espalham
É nessa imagem bela que
me encosto
E o cinza traz as imagens
que falham
Ver o cinza e lembrar do
verde é loucura ?
Será que tem cura
o verde sobrepor-se ao cinza pela beleza pura
?
Ou
Beleza só é plena quando a imaginação
concatena
os tons de cinza e verde em sons
de inevitável costura
que a natureza ordena com destreza
de holística mistura ?
em estado de sistema
que se auto regula ?
Orquestra sem maestro
conexão que dissimula
a inerente dependência
do verde pelo cinza
do cinza pelo verde
Vós vedes os verdes
campos acinzentados no verão
com espírito de oposição
e vedes no inverno a
distância do inferno
de calor e sequidão
Enquanto a Orquestra
natural dá os tons de relação fraternal
do cinza e do verde
Pois sem motivo moral,
altivo ou docente
quis sem querer
É sem ser
em seu tom silente
Pois todo sistema conjuga
sem problema
em condições vitais
a plenitude da perfeição
com os efeitos colaterais
E a Orquestra natural
segue
Sem parar nem falhar
concatenando os sons
organizando os tons
à revelia do nosso olhar
O Punho e o
Sol
Homem que tira leite de pedra
Trincando os dentes, de mão rachada
Garante que o sol não quebra
Ao som estridente da enxada
A força do punho tenaz
Imponente feitor seca a folha e a face
Queima o solo e a esperança
Ilumina a terra quando nasce
E o olhar que longe lança
Mas não torna o punho incapaz
O brilho do sol no leste
Que cedo desponta da serra
De igual beleza no oeste
Quando à tarde o dia encerra
Não muda o que o punho faz
Desde criança essa luta
Trabalha, casa e tem filho
Untando o sol com a labuta
Plantando feijão e milho
O punho do homem não jaz
Quando o sol, distraído, vacila
E a chuva o trabalho compensa
O solo antes roto cintila
Mas o homem vivido já pensa
Baixar o punho jamais
Sereno e cansado no olhar
Nas mãos vê os calos que fez
Sem saber o que vai encontrar
Vê o sol pela última vez
O punho descansa em paz
As vestes da dama
À morte o guerreiro que sucumbe à espada
e guarda em seu peito a derrota e a honra
Há morte no campo de batalha
onde jaz o homem de guerra que por sua aldeia
lutara
Eu, mórbida dama primitiva visto armadura
com lâmina em punho
À morte aquele cujo amor não lhe foi facultado
Pela amada inatingível
Há morte no olhar voluptuoso do jovem amante
que se joga do abismo em busca de alívio
Eu, mórbida dama visto o manto vermelho
do amor e da paixão
À morte todo aquele ou aquela que espirra,
compra,
anda, dorme e respira
Há morte no pai, no filho e no espírito santo
na escola e no congresso
Eu, mórbida dama visto o colorido abadá
do fato social
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