sábado, 4 de março de 2023

Expedito Ferraz Jr

 Expedito Ferraz Jr nasceu em Maceió, mas vive em João Pessoa desde os primeiros meses de vida. É professor de Teoria Literária na UFPB. Publicou dois livros de poesia: Poheresia e o visgo das coisas. Sua poesia circula nas redes sociais e em revistas e portais de literatura e crítica.




Eternidade


De repente
nada
acontece.

E depois
é como se nada
tivesse acontecido.



Céu de Tomie Ohtake


Que azul são azuis e não são

algo azul como um lago
como um vago,
ou vertigem,
na fuligem do céu.

Que azuis serão istos, então:

como um mata-borrão
sobre um mar congelado,
como blue note em blues
como o rastro dos astros
matizes do breu.

Que azuis serão estes, em vãos,

como lapsos da mão
sobre o negro,
como um antes azul
sob um toldo ex-
azul que des-
ceu.



 

 

Alameda de bambus

 

 

O som da sombra

de um milhão de flautas.

 

A datilografia

das falanges rápidas.

 

A pescaria

como o peixe a vê.

 

 



Os óculos



Os óculos míopes,

em breve descanso, 
pousam sobre a mesa
seu abraço androide,
suas duas janelas
entre mim e o mundo.

Sem eles, tateio

a mancha nublada
das coisas que há pouco
existiam sem susto;
sem eles, falseio,
piso em corda bamba
— desequilibrista —

como se anda em dunas,

ou se pisa o lodo
das pedras que dormem
no leito dos rios;
como quem contrário
à escada rolante;
como marionete
de trançados fios.

Sem eles me movo

sonâmbulo insone,
o passo hesitante
de infante, astronauta,
lento como lento
se conquista a lua.

Sem eles, passeio,

flâneur de miragens,
submerso, à cata
de corais incertos.
Sem eles, habito
um imenso Monet
sem aura ou moldura.

Pelas lentes, sei

(não sei, desconfio):
a mancha do mundo,
a duna e as pedras,
a escada e os corais,
o Monet e a lua

se disfarçam em coisas

que há pouco existiam,
riem do meu sonho
trôpego e se assustam
com a súbita nitidez
de que me visto.


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