Expedito Ferraz Jr nasceu em Maceió, mas vive em João Pessoa desde os primeiros meses de vida. É professor de Teoria Literária na UFPB. Publicou dois livros de poesia: Poheresia e o visgo das coisas. Sua poesia circula nas redes sociais e em revistas e portais de literatura e crítica.
Eternidade
De repente
nada
acontece.
E depois
é como se nada
tivesse acontecido.
Céu de Tomie Ohtake
Que azul são azuis e não são
algo azul como um lago
como um vago,
ou vertigem,
na fuligem do céu.
Que azuis serão istos, então:
como um mata-borrão
sobre um mar congelado,
como blue note em blues
como o rastro dos astros
matizes do breu.
Que azuis serão estes, em vãos,
como lapsos da mão
sobre o negro,
como um antes azul
sob um toldo ex-
azul que des-
ceu.
Alameda
de bambus
O som da sombra
de um milhão de flautas.
A datilografia
das falanges rápidas.
A pescaria
como o peixe a vê.
Os óculos
Os óculos míopes,
em breve descanso,
pousam sobre a mesa
seu abraço androide,
suas duas janelas
entre mim e o mundo.
Sem eles, tateio
a mancha nublada
das coisas que há pouco
existiam sem susto;
sem eles, falseio,
piso em corda bamba
— desequilibrista —
como se anda em dunas,
ou se pisa o lodo
das pedras que dormem
no leito dos rios;
como quem contrário
à escada rolante;
como marionete
de trançados fios.
Sem eles me movo
sonâmbulo insone,
o passo hesitante
de infante, astronauta,
lento como lento
se conquista a lua.
Sem eles, passeio,
flâneur de miragens,
submerso, à cata
de corais incertos.
Sem eles, habito
um imenso Monet
sem aura ou moldura.
Pelas lentes, sei
(não sei, desconfio):
a mancha do mundo,
a duna e as pedras,
a escada e os corais,
o Monet e a lua
se disfarçam em coisas
que há pouco existiam,
riem do meu sonho
trôpego e se assustam
com a súbita nitidez
de que me visto.
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