segunda-feira, 13 de março de 2023

Ronaldo Monte

 Ronaldo Monte, nasceu em Maceió e residiu em João Pessoa. Foi poeta, contista, professor do curso de Psicilogia da UFPB, psicanalista. Publicou diversos livros de poesia e conto. Foi um dos mentores e fundadores do Clobe do Conto da Paraíba, uma oficina permanente de escrita criativa que ainda hoje existe e reúne nomes importantes com Mariília Arnaud e Maria Valéria Rezende. Infelizmente Rona já não está entre nós.



 

MANUAL PRÁTICO DE DESAPARECIMENTO

    Aprende a cruzar las manos,
    y gusta los aires fríos

      - Lorca

Visita cidades distantes
onde ninguém te conheça
nem entenda tua língua

Passeia pelos desertos
ao sol do meio-dia
onde não deixes sombra
nem rastro

Aguarda o cair da tarde
na solidão do teu quarto
até que te diluas em sombras

Anoitece
aprende a desamanhecer

 

***

 

NUDEZ

Um dia cairá de teus ombros
o manto da memória.

Despida de ti,
entrará tua alma na mansão dos mortos
ao derradeiro som do remo de Caronte
que volta para apagar
os teus vestígios pelo mundo.

 

***

 

MÃOS DADAS
Para Glória

Deram-se as mãos.
E achando pouco, os dois deram-se as bocas.

Queriam mais.
Então, deram-se os corpos.

E muito mais tiveram para dar
assim presenteados um ao outro.

 

***

 

FONTE

    Para Glória

Teus sonhos não são enigmas.
Olha-os com calma:
eles são a fonte dos enigmas.
Tua fonte.

Não busques, portanto,
o sentido dos teus sonhos.

Dorme, apenas.

E deixa que desfilem
teu mistério
no chão do sono.

 

 

SEGUNDA CHANCE

Se for achado em Gaza
um menino em uma manjedoura,
rodeado pelos pais,
três magos
e alguns bichos,
por favor, protejam-no.
Pois a matança dos inocentes
já começou
e a rota de fuga para o Egito
está interditada.

 

 

HERANÇA

Cuido com carinho
das palavras que herdei.
Das antigas e das novas.

As antigas,
gordas de sentido,
deixo-as descansar em minhas mãos
antes de lançá-las
de volta ao carrossel dos signos.
Relíquias
impregnadas de hálitos ancestrais.

As novas,
verdes de memória,
guardo no berço das mãos
até que estejam prontas
para a ciranda dos verbos.
Pontos luminosos
no discurso opaco do cotidiano.

Novas antigas palavras.
Herança e testamento
de minha breve passagem pelo mundo.

 

***

 

Ad Eternum

Sexta-feira de noite não te amava,
pois consumiu-te rápido entre as pernas
o salário suada da semana.

Bêbado no bar deixou-te o sábado
Com as esperanças perdidas e a conta a pagar
(a realidade usa gravata borboleta).

Esquece-te domingo na porta da igreja
e vai segunda-feira teu cansaço
arrastar nos escritório e oficinas.

Organdi e tafetás
são hoje lycra, índigo blue-jeans.
É o mesmo, porém, teu velho sonho.
E com ele mijas os eternos meio-fios
Das ruas sonolentas do subúrbio.



***



Carta de Pedra

Sono de pedra
no leito do rio.
Sonho de pedra:
Enigma ingá.

Como quero te arrancar
das entranhas desta rocha.
Quanto desejo o recado
marcando lugar e hora
do encontro com teu sentido.

Antes da história
alguém me ama
e escreveu esta carta para mim.

Afago a letra da pedra
e encontro o calor antigo
das mãos do antigo poeta.

Enigma ingá.
Carta de amor
aberta.
Impenetrável.


***

 

Teclagem Noturna

De tua vida por um fio
A morte tece seus panos.

Dia-a-dia, zig-zag,
cresce no chão o novelo
que a sinistra tecelã
virá de noite roubar.

Pé-ante-pé, plec-plec
(a morte usa chinelos),
leva teus fios vividos
prá de noite, tlec-tlec,
alimentar seu tear.

mesclando teu tempo inútil
com o enfado do teu trabalho
num só tecido inconsútil
do teu último agasalho.




***



Lições da tarde

Com a tarde nova
aprendo que tenho sombra

Com tarde alta
aprendo a cair em silêncio

Com o fim da tarde
aprendo a ir embora

Com a tarde morta
aprendo a lição do nada.

 

 

 

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