Ronaldo Monte, nasceu em Maceió e residiu em João Pessoa. Foi poeta, contista, professor do curso de Psicilogia da UFPB, psicanalista. Publicou diversos livros de poesia e conto. Foi um dos mentores e fundadores do Clobe do Conto da Paraíba, uma oficina permanente de escrita criativa que ainda hoje existe e reúne nomes importantes com Mariília Arnaud e Maria Valéria Rezende. Infelizmente Rona já não está entre nós.
MANUAL PRÁTICO DE DESAPARECIMENTO
Aprende a cruzar
las manos,
y gusta los aires fríos
- Lorca
Visita cidades distantes
onde ninguém te conheça
nem entenda tua língua
Passeia pelos desertos
ao sol do meio-dia
onde não deixes sombra
nem rastro
Aguarda o cair da tarde
na solidão do teu quarto
até que te diluas em sombras
Anoitece
aprende a desamanhecer
***
NUDEZ
Um dia cairá de teus ombros
o manto da memória.
Despida de ti,
entrará tua alma na mansão dos mortos
ao derradeiro som do remo de Caronte
que volta para apagar
os teus vestígios pelo mundo.
***
MÃOS DADAS
Para Glória
Deram-se as mãos.
E achando pouco, os dois deram-se as bocas.
Queriam mais.
Então, deram-se os corpos.
E muito mais tiveram para dar
assim presenteados um ao outro.
***
FONTE
Para Glória
Teus sonhos não são enigmas.
Olha-os com calma:
eles são a fonte dos enigmas.
Tua fonte.
Não busques, portanto,
o sentido dos teus sonhos.
Dorme, apenas.
E deixa que desfilem
teu mistério
no chão do sono.
SEGUNDA CHANCE
Se for achado em Gaza
um menino em uma manjedoura,
rodeado pelos pais,
três magos
e alguns bichos,
por favor, protejam-no.
Pois a matança dos inocentes
já começou
e a rota de fuga para o Egito
está interditada.
HERANÇA
Cuido com carinho
das palavras que herdei.
Das antigas e das novas.
As antigas,
gordas de sentido,
deixo-as descansar em minhas mãos
antes de lançá-las
de volta ao carrossel dos signos.
Relíquias
impregnadas de hálitos ancestrais.
As novas,
verdes de memória,
guardo no berço das mãos
até que estejam prontas
para a ciranda dos verbos.
Pontos luminosos
no discurso opaco do cotidiano.
Novas antigas palavras.
Herança e testamento
de minha breve passagem pelo mundo.
***
Ad Eternum
Sexta-feira de noite não te amava,
pois consumiu-te rápido entre as pernas
o salário suada da semana.
Bêbado no bar deixou-te o sábado
Com as esperanças perdidas e a conta a pagar
(a realidade usa gravata borboleta).
Esquece-te domingo na porta da igreja
e vai segunda-feira teu cansaço
arrastar nos escritório e oficinas.
Organdi e tafetás
são hoje lycra, índigo blue-jeans.
É o mesmo, porém, teu velho sonho.
E com ele mijas os eternos meio-fios
Das ruas sonolentas do subúrbio.
***
Carta de Pedra
Sono de pedra
no leito do rio.
Sonho de pedra:
Enigma ingá.
Como quero te arrancar
das entranhas desta rocha.
Quanto desejo o recado
marcando lugar e hora
do encontro com teu sentido.
Antes da história
alguém me ama
e escreveu esta carta para mim.
Afago a letra da pedra
e encontro o calor antigo
das mãos do antigo poeta.
Enigma ingá.
Carta de amor
aberta.
Impenetrável.
***
Teclagem
Noturna
De tua vida por um fio
A morte tece seus panos.
Dia-a-dia, zig-zag,
cresce no chão o novelo
que a sinistra tecelã
virá de noite roubar.
Pé-ante-pé, plec-plec
(a morte usa chinelos),
leva teus fios vividos
prá de noite, tlec-tlec,
alimentar seu tear.
mesclando teu tempo inútil
com o enfado do teu trabalho
num só tecido inconsútil
do teu último agasalho.
***
Lições da tarde
Com a tarde nova
aprendo que tenho sombra
Com tarde alta
aprendo a cair em silêncio
Com o fim da tarde
aprendo a ir embora
Com a tarde morta
aprendo a lição do nada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário