terça-feira, 28 de março de 2023

W. J. Solha

 Waldemar José Solha nasceu em Sorocaba-SP, mas reside na Paraíba desde 1962. Possui uma vasta obra em diversas linguagens: literatura, cinema, teatro e artes plásticas, principalmente. Produziu O salário da morte, o primeiro longa-metragem paraibano. Escreveu A Canga, A verdadeira história de Jesus, A história universal da angústia, Trigal com Corvos, entre outros.

 


 

Trecho inicial do poema A engenhosa tragédia de Dulcineia e Trancoso:

 

 

Aí,

do alto da Pedra,

o susto de arribaçãs,

e,

de quebra,

os helicópteros Sabre,

da FAB,

que irrompem com seus soldados,

muitos do lado de fora,

armados,

e assustam a multidão,

que lembra,

pela extensão,

o êxodo bíblico

e o cíclico,

tantas vezes fotografado,

por Sebastião Salgado.

Alta

e ancestral no meio do plaino,

a Pedra do Reino,

rocha dupla na vertical, no sertão pernambucano,

insufla no povo (mesmo quando se camufla em profano)

a estupenda lenda de que tem, dentro, no centro, a catedral

na qual,

el-rey D. Sebastião, de Portugal, o Afoito,

sumido (ou abduzido) na batalha de Alcácer Quibir,

de 1578,

está por vir,

messiânico,

pra levar a fundo a retirada dos males do mundo,

 

cada vez mais

satânico.

 

 

 

*****

 

 

 

EXCERTOS DE "TRIGAL COM CORVOS"


Pra que?

Um poema não arrasta 150 vagões de minérios pela estrada-de-ferro
um poema não ergue 400 passageiros e os leva pr’ outro lado do mundo
- e aqui vou fundo:
não produz – mesmo se prolixo - alimentos suficientes pr’os que fuçam meu lixo.
Serve apenas.... pra dizer que passado e futuro são provisórios como icebergs e dunas
um
quase sempre entre lendas
outro
descrito com runas.
Serve pra dizer que ao ver Terra e Lua fotografadas de Marte
minúsculas na treva intensa
veio-me a idéia de que tudo é nada
e orgulho... imenso
da foto realizada.
Serve pra dizer que as melhores cachoeiras de Foz do Iguaçu ficam no lado argentino
mas que o espetáculo só do lado brasileiro se goza
confirmando – ao que parece - que é mais divertido ser amante do que marido
- seja em verso
ou prosa.
Serve pra dizer que me fascinam as mudanças de canal que me ocorrem na mente quando penso em lua
rua
nua
e
crua.

Pronto:

talvez eu faça versos porque haja algo a dizer... vago... e belo... como as paisagens na névoa
na China.
O que pode ser
não sei.
A erosão
que cavou o Grand Canyon
produzindo aquela Manhattan de pedra no Arizona
ergueu catedrais góticas no Monument Valley com tanta inocência quanto Bosch - o genial debilóide – foi surrealista... séculos antes de Freud.

[...]


Conto
no entanto
com o Tempo
essa poderosa
inflexível
lenta
enigmática e
colossal conseqüência do avanço da máquina do mundo
travada em marcha única ( apesar das urgências e emergências ou ausência de expectativas de todo tipo que nos têm dado a ilusão de que ele às vezes urge
ou muge )
pelo que Van Gogh se matou em 1890 logo depois de pintar o atormentado “Trigal com Corvos”
sem saber que
se tivesse resistido mais três anos
assinaria “O Grito”

de Munch.


 

 

*****





EXCERTO DE "ESSE É O HOMEM"



Um alvíssaro pássaro atordoado de repente salta ao poema,

em estabanado grito e clarão

e a onda se arrebenta na explosão de espuma,

e em seguida se esfuma,
desmaia,
desliza,
lisa, 
na praia,
em que o céu,
que ela espelha,
se espalha,

e um movimento sinfônico de volutas corre por uma saia e uma blusa em várias permutas e se solta dos panos pros braços e mãos e se franze,

em rendilhada água,
no ar,
ao ser lançada da bacia – agora vazia – pro mar,

e a garça,

assustada,
se alça e se esfalfa em vultos alvos de asas, já acima das casas

e ultrapassa um balão que sai,

céu acima,
excesso e exceção da Terra, que em mais-leve-que-o-ar se sublima.




Nuvens passam,

largas,
veículos-e-cargas,

são frotas de caravelas,

leves e belas,
ou galeões com trovões sem canhões fazendo escarcéu,
no oceânico céu



e Veneza é água e pedra,

Iago 
e mágoa,

mas poderia ser ...  Viterbo

e rimaria com Verbo,
que tem tanto do Logos quanto o Iago do evangelho - nesses jogos - tem do Ya´akob hebraico,
vertido como Jacó,
no Testamento Arcaico,

Daí  Sant´Iago,

que na salerosa Cæsaraugusta - que logo será Zaragoza - passará a se chamar
San... Tiago,

igual ao persa biring – cobre – que, após tanta degeneração – dez, onze – no que se dispersa,

acaba gerando – entre nós - bronze,
a mesma história
pobre
de pássaro,
que veio do latino passer,
pardal,
quando pássaro era – na verdade - avis,

chaves que mostram como somos como estradas e rios,

cheios de altos e baixos e jamais em reta - tendo até extravios – mas com meta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fontes: revista Mallarmargens e portal Antônio MIranda

 



 

 

 

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Francc Neto

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