Waldemar José Solha nasceu em Sorocaba-SP, mas reside na Paraíba desde 1962. Possui uma vasta obra em diversas linguagens: literatura, cinema, teatro e artes plásticas, principalmente. Produziu O salário da morte, o primeiro longa-metragem paraibano. Escreveu A Canga, A verdadeira história de Jesus, A história universal da angústia, Trigal com Corvos, entre outros.
Trecho inicial do poema A engenhosa tragédia de Dulcineia e
Trancoso:
Aí,
do alto da Pedra,
o susto de arribaçãs,
e,
de quebra,
os helicópteros Sabre,
da FAB,
que irrompem com seus soldados,
muitos do lado de fora,
armados,
e assustam a multidão,
que lembra,
pela extensão,
o êxodo bíblico
e o cíclico,
tantas vezes fotografado,
por Sebastião Salgado.
Alta
e ancestral no meio do plaino,
a Pedra do Reino,
rocha dupla na vertical, no sertão pernambucano,
insufla no povo (mesmo quando se camufla em
profano)
a estupenda lenda de que tem, dentro, no centro, a
catedral
na qual,
el-rey D. Sebastião, de Portugal, o Afoito,
sumido (ou abduzido) na batalha de Alcácer Quibir,
de 1578,
está por vir,
messiânico,
pra levar a fundo a retirada dos males do mundo,
cada vez mais
satânico.
*****
EXCERTOS DE
"TRIGAL COM CORVOS"
Pra que?
Um poema não arrasta 150 vagões de minérios pela
estrada-de-ferro
um poema não ergue 400 passageiros e os leva pr’
outro lado do mundo
- e aqui vou fundo:
não produz – mesmo se prolixo - alimentos
suficientes pr’os que fuçam meu lixo.
Serve apenas.... pra dizer que passado e futuro
são provisórios como icebergs e dunas
um
quase sempre entre lendas
outro
descrito com runas.
Serve pra dizer que ao ver Terra e Lua
fotografadas de Marte
minúsculas na treva intensa
veio-me a idéia de que tudo é nada
e orgulho... imenso
da foto realizada.
Serve pra dizer que as melhores cachoeiras de
Foz do Iguaçu ficam no lado argentino
mas que o espetáculo só do lado brasileiro se
goza
confirmando – ao que parece - que é mais
divertido ser amante do que marido
- seja em verso
ou prosa.
Serve pra dizer que me fascinam as mudanças de
canal que me ocorrem na mente quando penso em lua
rua
nua
e
crua.
Pronto:
talvez eu faça versos porque haja algo a
dizer... vago... e belo... como as paisagens na névoa
na China.
O que pode ser
não sei.
A erosão
que cavou o Grand Canyon
produzindo aquela Manhattan de pedra no Arizona
ergueu catedrais góticas no Monument Valley com
tanta inocência quanto Bosch - o genial debilóide – foi surrealista... séculos
antes de Freud.
[...]
Conto
no entanto
com o Tempo
essa poderosa
inflexível
lenta
enigmática e
colossal conseqüência do avanço da máquina do
mundo
travada em marcha única ( apesar das urgências e
emergências ou ausência de expectativas de todo tipo que nos têm dado a ilusão
de que ele às vezes urge
ou muge )
pelo que Van Gogh se matou em 1890 logo depois
de pintar o atormentado “Trigal com Corvos”
sem saber que
se tivesse resistido mais três anos
assinaria “O Grito”
de Munch.
*****
EXCERTO DE "ESSE É O HOMEM"
Um alvíssaro pássaro atordoado de repente salta ao poema,
em estabanado grito e clarão
e a onda se arrebenta na explosão de espuma,
e em seguida se esfuma,
desmaia,
desliza,
lisa,
na praia,
em que o céu,
que ela espelha,
se espalha,
e um movimento sinfônico de volutas corre por uma saia e uma blusa em várias
permutas e se solta dos panos pros braços e mãos e se franze,
em rendilhada água,
no ar,
ao ser lançada da bacia – agora vazia – pro mar,
e a garça,
assustada,
se alça e se esfalfa em vultos alvos de asas, já
acima das casas
e ultrapassa um balão que sai,
céu acima,
excesso e exceção da Terra, que em
mais-leve-que-o-ar se sublima.
Nuvens passam,
largas,
veículos-e-cargas,
são frotas de caravelas,
leves e belas,
ou galeões com trovões sem canhões fazendo
escarcéu,
no oceânico céu
e Veneza é água e pedra,
Iago
e mágoa,
mas poderia ser ... Viterbo
e rimaria com Verbo,
que tem tanto do Logos quanto o Iago do
evangelho - nesses jogos - tem do Ya´akob hebraico,
vertido como Jacó,
no Testamento Arcaico,
Daí Sant´Iago,
que na salerosa Cæsaraugusta - que logo será
Zaragoza - passará a se chamar
San... Tiago,
igual ao persa biring – cobre – que, após tanta degeneração – dez, onze – no
que se dispersa,
acaba gerando – entre nós - bronze,
a mesma história
pobre
de pássaro,
que veio do latino passer,
pardal,
quando pássaro era – na verdade - avis,
chaves que mostram como somos como estradas e rios,
cheios de altos e baixos e jamais em reta -
tendo até extravios – mas com meta.
Fontes: revista Mallarmargens e portal
Antônio MIranda
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