José
Ramalho Neto (Zé Ramalho) nasceu em Brejo do Cruz-Pb e reside no Rio de Janeiro. Publicou os livros Apocalypse, A peleja de Zé
do Caixão com o cantor Zé Ramalho e Carne de Pescoço. Compositor, cantor
popular e estudioso do romanceiro nordestino. Gravou diversos álbuns e o mais
conhecido é Avohay (1977).
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se fosse fácil, lodo mundo era.
se fosse muito, lodo mundo tinha.
se fosse raso, ninguém se afogava.
se fosse perto, lodo mundo vinha.
se fosse graça, todo mundo ria.
se fosse frio, ninguém se queimava
se fosse claro, todo mundo via.
se fosse limpo, ninguém se sujava.
se fosse farto, todos satisfeitos.
se fosse largo, tudo acomodava.
se fosse hoje, lodo mundo ontem.
se fosse tudo, nada aqui restava.
se fosse homem, junto com mulher
se cada bicho, fosse como vou.
se fosse tudo claro pensamento
nesse momento, nada se criou.
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BOMBA DE ESTRELAS
Dedicado a
Jorge Mautner
nem toda nota é o tom,
nem toda luz é acesa,
nem todo belo é beleza,
nem toda pele é vison.
nem toda bala é bombom,
nem todo gato é do mato,
nem todo quieto é pacato,
nem todo mal é varrido.
nem todo preso é punido,
nem todo queijo é do rato.
nem toda estrada é caminho,
nem todo trilho é do trem,
nem todo longe é além,
nem toda ponta é espinho.
nem todo beijo é carinho,
nem todo talho é um corte,
nem toda estrela é do norte,
nem todo ruim é do mal.
nem todo ponto é o final,
nem todo fim é a morte.
nem todo rei é bondoso,
nem todo rico é feliz,
nem todo chão é pais,
nem todo sangue é honroso.
nem todo grande ê famoso,
nem todo sonho é visão,
nem todo pique é ação,
nem todo mundo é planeta.
nem toda pena é caneta,
nem todo certo é razão.
nem todo claro é clareza,
nem todo brilho é da luz,
nem todo cristo é o da cruz,
nem todo crime é defesa.
nem todo truque é proeza,
nem todo alto é altura,
nem todo quente é quentura,
nem todo prato é bandeja.
nem toda luta é peleja,
nem toda noite é escura.
nem todo coxo é perneta,
nem todo doido é demente,
nem todo grão é semente,
nem toda cara é careta.
nem toda mala é maleta,
nem todo verme é minhoca,
nem todo milho ê pipoca,
nem todo santo é catimba.
nem todo poço é cacimba,
nem toda fala é fofoca.
nem todo tiro é de bala,
nem toda cobra é serpente,
nem todo sol é poente,
nem toda boca é a que fala.
nem todo quarto é senzala,
nem toda conta é exata.
nem todo couro é chibata,
nem todo peso é medido.
nem todo grito é sentido,
nem todo verde é o da mata.
nem toda faca é punhal,
nem todo corte é ferida,
nem toda guerra é vencida,
nem todo vago é banal.
nem todo gênio é o tal,
nem todo velho é idoso,
nem todo dengo é manhoso,
nem toda conta é correia.
nem toda linha é uma reta,
nem todo fraco é medroso.
nem todo fogo é fumaça,
nem todo fumo é tabaco,
nem todo furo é buraco,
nem todo pátio é praça.
nem todo dia é de graça,
nem todo peixe é do rio,
nem todo são é sadio,
nem toda cabeça pensa.
nem todo crime compensa,
nem todo gelo é do frio.
nem toda horta é canteiro,
nem todo monte é colina,
nem toda viola afina,
nem todo galho é poleiro.
nem todo rock é santeiro,
nem todo homem é tanto,
nem todo véu é um manto,
nem todo olho é vazado.
nem todo terço é rezado,
nem todo choro é um pranto.
nem toda goma é chiclete,
nem todo baço é bacana,
nem toda gente se engana,
nem toda vamp é vedete.
nem toda mão se intromete,
nem todo caso é paixão,
nem todo leque é pavão,
nem toda cerca separa.
nem todo peso é a tara,
nem toda vara é condão.
nem todo pó é poeira,
nem todo ventoé soprado,
nem todo leite é coalhado,
nem todo filtro é peneira.
nem toda folha é parreira,
nem todo bicho é papão,
nem todo aperto é de mão,
nem toda raça é humana.
nem toda mente é insana,
nem todo ente é irmão.
nem todo grão é semente,
nem todo barco é vapor,
nem todo grito é pavor,
nem todo sol é nascente.
nem todo elo é corrente,
nem todo filho tem pai,
nem tudo que sobe cai,
nem todo verso tem rima.
nem toda matéria é prima,
nem tudo que entra sai.
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( fragmento )
(...)
Minha lira se chama Amaltéía
Meu cavalo se chama Mato-Grosso
Minha cama de vidro é um colosso
Meu planeta foi berço de Medeia
Minha asa foi feita na Coreia
Me trouxeram no bico de um condor
Carro forte, blindado e sem valor
Atrevido poeta e penitente
Olho fundo queimado de sol quente
E contraído de ferro e de calor
Não pretendo deixar dedos falarem
Nem fazer de você perda inútil
Nem vesti-la de sedas de um tom fútil
Nem querê-la dormente de bobagem
Meu tecido forjado de coragem
Nos teares ferventes de Satã
Destronado do trono desse cia
Meu juízo atirou-se na procura
Desviou-se dos beijos da loucura
Aquecendo o bocejo do acua
A visão do meu olho cristalino
Captando cometas estrelados
Nebulosas e astros anelados
Através do cabelo de um menino
Seu sorriso tem ares de divino
Porque males nenhum pode sofrer
São crianças que vão sobreviver
Ao poder que reinou embrutecido
Pelo mundo ficou só o rugido
Dos motores que o homem quis fazer
Fonte: antoniomiranda.com.br
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