Águeda Magalhães nasceu em Arco Verde-PE e reside em João Pessoa - PB. Graduada
em Letras pela UFPB, é professora de Literatura brasileira e Língua portuguesa.
É autora dos livros a Alquimia do voo e A impermanência do ser. Tem poemas
publicados em diversas revistas eletrônicas. Na Academia Literária
Internacional de Poetas – ALIPE, ocupa a cadeira 209, cujo patrono é Milton
Hatoum
Ensaio passos
medrosos
da frágil equilibrista
tento não resvalar
na noite espessa
que agora deu para esquecer de
acender as estrelas.
***
Luz a meio-tom
a Cecília Meireles
Impossível
Ver o vinho evaporando
na fina taça
e não sentir a saudade latente
de todos os goles que deixei escapar
acreditando que o manancial era eterno.
engano pueril
o líquido escoa...
a marca
teimosamente
vai declinando.
mais da metade
já se foi.
À semelhança dos
poentes,
sou luz a meio-tom.
recolho-me
como o sol
que se entrega
exaurido
à noite irremissível
Fica o gosto amargo das renúncias...
A nostalgia das estrelas
que entoam despedidas.
Impossível retomar
o ontem que não vicejou
e hoje habita o abismo intransponível
do “ tarde demais.”
Choro pelo que deixei escorrer a céu aberto.
pela manhã
que deixei escapar
sem sorver a beleza de seus cânticos molhados de sol.
Hoje
tardia
quero beber,
lentamente,
cada fio ralo que escorre pelas bordas do cálice.
são lágrimas esparsas
:choram pelos meus desencontros,
pelos meus desencantos.
no percurso do agora
escoltam-me lembranças gastas
pistas de saudades que ressoam
vozes e infinitude.
frente à voracidade do tempo,
a Poesia
um dia se perguntou
: “ em que espelho deixei perdida
a minha face”?
ousaria responder:
o tempo, poeta, nada sabe de concessões
: fustiga o corpo
entorpece a alma.
talvez
vestígios de nossas faces
ficaram empoeirados
nos vitrais baços
dos dias perdidos
das feridas impostas e expostas...
talvez
sejamos rostos que se renderam aos ardis da tarde
desdenhando de todas as solicitudes da manhã.
As queixas mudas
Os risos sufocados
vão sulcando a pele
que antes era viço
brilho
formosura.
de repente
no espelho
o susto
: surgem esmaecidos
contornas nebulosos
do que um dia foi Beleza
e hoje é, apenas, Saudade.
***
Clausura
Através
das vidraças
contemplo um pequeno recorte
da vida lá fora:
Velhos coqueiros
agitados pelo vento
balançam suas palmas
fazendo surgir
vez por outra
nuances de fúcsia
em nuvenzinhas frágeis
que se esgarçam
em mil fragmentos cor de rosa.
O céu e as muitas águas parecem que se tocam
na palidez do horizonte
de todas as angústias.
O silêncio branco
deita sobre o mar sem ondas,
triste espelho opaco,
a abrigar distantes uivos
fundos e sentidos
das águas profundas
que choram sombrios presságios.
O ar seco e cortante
desfolha os sorrisos das rosas de abril
embaça o viço
ceifa a beleza
preserva só os espinhos
a lacerar o mundo
que sangra
perplexo.
Frágil
e impotente
recolho-me.
Enclausuro todas as minhas faces.
Mais que o cárcere de concreto,
as teias do medo infiltram-se
no vazio dos dias opacos
feitos de aflições e muita neblina.
portas cerradas
coração oprimido
braços que não abraçam
risos recolhidos
ausências...
Debruço-me em lembranças difusas
e tão recentes!
Divago...
Pesadelo ou realidade?
Que dia é hoje?
não importa
é dia de abismo.
Atravesso
a noite
atenta às estrelas
que latejam nostalgia
estranhamento...
Escuto as lágrimas do mundo
silenciosas e sentidas
eco pungente
de dores inexpugnáveis.
Insone
espero que a chegada da Aurora
reacenda
majestosamente
as luzes de um novo dia
e possa ressuscitar
todos os ontens
quando “ éramos felizes e não sabíamos”.
***
Tarde
fria
Dias
de lentidão
noites de abismo
chove, suave e incessantemente
horas de chuva fina impregnadas de nostalgia.
abro a janela
um pedacinho do” lado de fora”me seduz.
os olhos abatidos anseiam
alcançar a outra margem.
a neblina do improvável
impede-me.
o nevoeiro denso e leitoso
embaça qualquer devaneio.
algumas gaivotas perdidas buscam,
confusas,vestígios do regresso esquecido.
no horizonte
entrelaçados
difícil saber onde termina o céu nublado e começa o
mar plúmbeo.
fico imaginando,
na imensidão dessas águas frias,
a solidão dos barcos encalhados em praias
distantes.
fugindo da cerração
o sol não ousa aparecer.
anuncia que hoje não tem espetáculo
: as cores violáceas do por do sol não aquecerão a
palidez do firmamento.
Tarde
fria.
recolho-me
o interior não é muito diferente da desolação externa.
exala silêncio
coração inquieto
salas surdas
móveis silenciosos
livros taciturnos.
não me animam as proezas de Aléxis Zorbás, ou os olhos dissimulados de Capitu...
Tarde
fria.
queria fugir do casulo
sentir o vento desalojando as dores dos dias de luto
enrodilhando-se na alegria dos reencontros...
mas o medo me detém
:a travessia é difícil
o terreno minado...
aonde colocar os meus passos?
pés descalços
nada sei de cacos de vidro
ou dos minúsculos inimigos que devastam a epiderme de um mundo estarrecido,
impotente.
Tarde
fria
arremeto-me
vagueio pelo meu avesso.
em meio à fumaça volátil,
entre sombras retorcidas,
encontro roto e amarrotado
o vulto da esperança a entoar abraços.
um grito nu e silencioso atravessa-me:
a breve centelha será reacesa.
o mundo enfim retirará do seu rosto
a máscara que apagou todos os sorrisos
e os olhos
exauridos de tantas lágrimas
contemplarão aliviados
o reinício da saga
:mãos enlaçadas
abraços apertados
risos em uníssono...
mais uma vez ,
A Vida.
***
Redenção
Recostei-me
preguiçosamente
na luz da manhã.
Filetes de sol
aqueciam o não
que se antecipou
-vida inteira-
ao riso contido do sim.
Desvesti-me do medo
vesti-me ousadia:
Vendaval
varri fantasmas,
Voragem
desfolhei anseios.
No ar
pintei
a dança das folhas
exímias acrobatas
a exibirem
em frenéticos volteios
o último balé do outono
revoada de cores
que se dispersa
no abismo de todos os ventos.
Alimentei flores famintas
aves desgarradas.
Em catres empoeirados
encontrei
gritos silentes:
dormiam
entediados
dos dias sem cânticos;
queriam entoar tempestades.
Acordei-os
um a um.
Ouvi os ecos
de um imenso riso triste
a reverberar desencantos.
Desenfileirei
exércitos de palavras reprimidas
paralisadas
em filas indianas.
Quebrei a vitrine
libertei a pálida manequim
há tanto tempo
imóvel...
Enxuguei sua face branca
sulcada
por lágrimas de cera.
Acendi seus olhos vítreos,
com lâmpadas de anil
pintei sua boca de vermelho-carmim.
E ela sorriu!
Fiz- me nuvem.
Derramei-me chuva.
Torrencialmente
chovi:
molhei a terra árida
que esperava
apenas
o beijo molhado
das águas de Maio.
Eclodi verde
embrião da vida
a brotar
timidamente
dos entulhos do ontem.
Nada mais importa
senão o meu próprio encontro...
Em longa e dolorosa procura
fiz-me resgate:
perdoei-me!
hoje
sou
Redenção.
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