Clotilde Tavares nasceu em Campina Grande(Pb) e atualmente vive em Natal(RN). Escritora, dramaturga e pesquisadora, tem mais de trinta títulos publicados, entre livros, peças de teatro e folhetos de cordel. Tem forte presença nas redes sociais, sempre com temas culturais.
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Pouco preciso
para ser feliz:
um batom,
uma blusa negra e alguns colares.
Um livro de poemas
aberto em qualquer página.
Um elepê de Piazzola
na vitrola,
e a máxima distância
do eterno replay
dos bares de fim de semana.
O luxo de algumas atitudes insólitas
e um caderno como este
onde escrevo,
diariamente,
bilhetes de suicida.
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QUARENTA ANOS
para Allen Ginsberg
& eu
que uivei como um cão danado pelas esquinas da
década de 60
& eu
que me encharquei de drogas & sexo & rock
nos inferninhos da década de 70
& eu
que me banho de álcool & solidão nas páginas da
década de 80
continuarei sendo aquela poetisa maldita meio beat
meio louca
meio rock meio boba & tão necessária quanto uma
garrafa vazia
de refrigerante ou um copo de papel usado?
continuarei derramando o meu sexo no asfalto das
avenidas
ensopadas de sangue & vidros partidos?
continuarei dividindo o meu rosto nos retrovisores
dos táxis
& xerocopiando o meu corpo em cada farmácia de
esquina?
& se não tivesse feito tudo isso
& se não fizer tudo isso
vale a pena
ainda
estar viva?
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ZOOM
A bolsa, o traço de lápis,
os óculos e o sapato bicolor,
a aparência dos gestos.
A mão de unhas e dentes
e as frases escritas sem muita fé
na poeira das mesas.
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ITINERÁRIO DA SOLIDÃO
Domestico a angústia,
Corto delicada fatias de solidão para o jantar,
gelo o vinho,
escolho as taças,
acendo as veias.
O meu quarto tem bandeiras.
Caíram todos os vestidos dos cabides.
O gelo derrete.
O telefone tocou: foi engano.
Deixo atrás de mim portas abertas,
tomo táxis,
invado bares,
provo garrafas
e bebo bocas incandescentes
de álcool
e dentes.
Em algum lugar do mundo
espero a madrugada
e meu corpo sangra
duro e tinto
um poema.
De volta à casa
toco de leve os móveis.
Fecho as portas,
leio os classificados,
atraso os relógios.
Alimento a medusa
e para mim frito cebolas.
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PORTRAIT
para Flávio Américo
Quero uma foto minha
como me vejo:
de frente e
absolutamente quieta.
Olhos abertos
e a mão esquerda
tocando de leve a face.
Nos dedos, um cigarro aceso.
E penso.
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WAR GAMES
Antes do combate
a vigília:
fria hora de pensamentos.
Depois
sento no campo de mortos
e me delicio com teu corpo,
teus olhos cegos de peixe.
Para sempre muda a tua boca parva
e teus conceitos filosóficos
profundos como um pires.
Para sempre extinta
tua existência de mosca.
Para sempre calado
teu hálito
gelado
de cigarro
mentolado.
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Eu,
que li páginas em branco
que dormi sem lençóis
que pari filhos mortos
eu
cansei.
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CÁLICE
Beba formicida
ou esqueça.
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QUEM AMA NÃO MATA?
Eu te amo
muito
no escuro
do quarto
e depois
pergunto
se você
gostou?
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DOMINGO À NOITE
Exploro delicadamente
com as pontas dos dedos
tuas costas
nuas.
Impiedosamente
dormes,
enquanto eu,
sozinha e abstêmia
como, com maioneses,
dezessete gols fantásticos.
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GOOD MORNING
Mordo o fruto matinal do dia
e deixo o seu sumo
lentamente constranger minha garganta.
Ao sol me entrego
e em seu hálito
me banho,
enquanto o mel da manhã
me perfuma os seios
como rosas à janela
derramando pólen sobre o mundo.
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PAPO DE BAR
Não me provoque.
Sou doida
e quando bebo
fico um porre.
Cai fora.
Estou com sono.
Se você insistir mais
eu me apaixono.
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MULHER SEM PASSADO
Já pensou?
Sentar
na mesa do bar
e não ter nenhuma história
pra contar?
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QUARTO DE CASAL
Melhor quando se tem dois:
um na minha casa,
outra na sua.
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