terça-feira, 7 de março de 2023

Jennifer Trajano nasceu em João Pessoa(Pb) e é formada em Letras (UFPB). Publicou Latíbulos e Diga aos brancos que não vou. Participou das antologias Um girassol nos teus cabelos: poemas para Marielle Franco e Cult Antologia Poética 3: poemas para fazer o luto desse tempo.

 


 

paixão


a asa se viu
pousada no costume
de ser mirada pelo caçador

quando a ameaça
se aproximava
penava, mas não voava mais

 

 

 

 

sereno envelhece


no branco que fazia
genocídio de xamã
com finos versículos
gerando ira em tupã

girando a mira
na fé de si
tira a tirania
que atira sangue

e vermelha o
verde da bandeira
esse símbolo
que nem é daqui

 

 

 

pátria

 

pela manhã vovó
mandava mainha
cozinhar congeladas
estrelas celestes
e as constelações
faziam brilhar
o fervor nas panelas

um dia nero visitou nosso céu
em tempo de cana com mel
e não havia ave
dormindo na
cadeira de balanço
ou vela de sétimo dia
para o gato da parede

então a comida queimou
os corpos ficaram
por dobrar os panos
e enterrado no quintal
o ventre da casa
que nunca foi nossa
perdeu o bebê

 

consciência 

acordei olhando
os olhos de vovó 
e debulhei as marcas
da escavada velhice 
cravada na pele 

vi ali os restos 
das vendas 
nas fendas 
das pretas 
maltratadas 

acordei com as vozes
negras espancadas, veio
na veia a velha vontade 
de remar, queimar 
os barcos no mar 

acordei olhando 
os raios solares 
baterem à porta 
da catarata de vovó
inundei de coragem

ela na cicatriz faz nó
em ancoragem
tira o véu
olha pro céu
dentro do sol

e me acorda dizendo
nalgum lugar, lá onde 
sempre estive, a carne  
mais barata do mercado 
não é a carne negra

 

nebulosa 
A Sérgio de Castro Pinto 

do olhar de baixo:
voa o papagaio
com o olho
cabisbaixo  
ao voo, em dis-
tante raio, feito 
flecha ao vento

sem tempo
, demora 
contando 
as brechas 
do céu, a cor 
da hora
e ao lado 

de fora 
faz eco como 
quem ecoa 
estrelas
pedindo 
falas, indo
nebulá-las

quereria não
partir as asas
não compensa 
repetir palavras 
sem entendê-las 
só por assim
dizerem sê-las

do olhar de cima: 
lá do azul 
que não sai
águia o vê e voa
guiada. já sem rima
a guia vê-se
no olhar torto 

enfim vai-se um bi-
cho dentro do outro 
regresso ao ventre e 
ao osso, donde restos 
de estrelas lembram 
ao fim que nada, nada 
é tão livre assim

 

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