sexta-feira, 31 de março de 2023

Peryllo Doliveira

  

Severino Peryllo Doliveira (1898-1930) nasceu em Cacimba de Dentro-Pb (na época distrito de Araruna-Pb). Foi poeta, ator e jornalista. Um dos pousos poetas paraibanos da sua geração a ter destaque nacional. Como ator, trabalhou em diversas companhias, viajando o país inteiro. Publicava seus poemas na revista Nova Era. Publicou “Canções que a vida me ensinou”, “Caminho cheio de Sol” e outros livros. Trabalhou na Secretaria Geral do Governo na gestão de João Suassuna. Morreu de tuberculose sem ter concluído o que seria seu próximo livro.



ESCUDO


Perante olhos estranhos não desnudes
a tua alma - se tns uma alma honesta -
nem pagues com submissas atitudes
os loiros que o teu mérito requesta.

Aos que te exalçam gestos e virtudes
louvando a tua vida assaz modesta,
ri, apenas, fazendo que tu te iludes
e ocultando-lhes tudo que te resta.

Se a Glória te coroar a fronte insigne,
deixa que a turba em frêmitos, se digne
de te aclamar porém nunca te esqueças

que, se o Ideal por que triunfas for previsto,
esse enorme dragçao de mil cabeças
Pode fazer de ti um novo Cristo...




*****




QUEIXA


A árvore disse:
- Sofro, sofro até nos meus galhos mais altos.
Atiram-me pedradas, pedradas.
E tiram do meu tronco o sangue verde de minha seiva.
E pensar que soiu boa...

E pensar que dou sombra...
mesmo sentindo a dor dos meus galhos quebrados
sob uma chuva de pedras brutas...

E eu lhe perguntei:
- Árvore, por que tiveste a divina vaidade
de dar sombra de de dar frutos?...




*****




PROGRESSO

Cidade velha do interior.
Somente duas vezes por semana
passa pela rua principal
um automóvel barulhento
arrepiando a quietude habitual
dos dias sertanejos cheios de sol.

E apressadas sorridentes
alisando com as mãos os cabelos despenteados
aparecem nas janelas silenciosas
duas ou três mocinhas curiosas
que querem ver quem vai dentro do Ford.




*****




POLÍTICA


Lá vem o novo sol! Tudo desperta
sob o esplendor republicano,
sob o sorriso democrático do dia.
Que entusiasmo! que alegria!
Em cada fronde há uma banda musical
organizada pelos pássaros em festa.
Um papagaio, da cumieira de um telhado,
com ares de tribuno idealista,
faz um longo discurso decorado.
Cada coqueiro tem no alto
um feixe de bandeiras verdes desfraldadas.
E as árvores perfilam-se
como soldados silenciosos
em longas alas disciplinadas.
E os galos bradam num grande grito aclamatório:
- Viva o dia que nasce! Viva! Vivôooo-ôooo!
Sobre todas as coisas paira
uma imensa esperança comovida...
Um asno tenta em vão por em destaque
os seus beos talentos oratórios...
Em vão, porque todos o aplaudem sem ouvi-lo.
E a grande festa continua.
Entretanto, mais tarde,
quando o sol já cansado
se abismar no ostracismo do poente,
todos os grilos e batráquios,
à luz incerta do crepúsculo,
sairão das bibocas e dos charcos
para vaiá-lo impiedosamente...




*****






DONA TRISTEZA


tristeza, minha amiga, eu não me iludo
sentindo-te de pé, bem junto à mim,
num silêncio de paz e de veludo...

Há muito tempo que eu te vejo assim,
pálida, austera e, com teu lábio mudo,
pondo em meu lábio um ósculo sem fim.

E no teu seio acolho-me, Tristeza,
enquanto o mundo tumultua em festa

porque és na minha vida de incerteza
s única ventura que me resta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Envie poemas, minibio e foto para o e-mail lausiqueira@yahoo.com

Francc Neto

  Minha jornada como poeta começou na adolescência,  publicando poemas em revistas e jornais.  Ao longo dos anos, minha poesia foi reconheci...