Linaldo Guedes nasceu em Cajazeiras(Pb), onde reside atualmente. É formado em Jornalismo e mestre em Ciências da Religião, pela UFPB. É poeta e editor, idealizador da Editora Arribaçã. Ex-editor do Correio das Artes. Publicou Intervalo Lírico, Metáfora para um duelo no sertão, entre outros.
carrossel de silêncio
meu filho fala sozinho
no meio das crianças
brinca com ninguém
finge-se de gato
imita o cachorro
au
au
au
autista
(e o mundo finge que ele não existe).
4
estações
as estações mudam:
o que era primavera de chuva
torna-se inverno quente
ou vício sem verso
sem poesia
na hora em que as coisas se benzem na ausência de orações
as estações mudam:
o que era outono florido
torna-se verão frio
ou verso sem o vício
da poesia
debulhando rituais adormecidos na hora do ângelus.
girassóis
do mangue
foi quando passei da ponte do Sanhauá
que vi restos da orelha de Van Gogh
(sangrando o rio)
mangues de diálogos com zola
girassóis de caranguejos
meninos e as mãos. E a lama!
ladainha
um oásis se constrói com desertos
perto
(ou)
longe
um oásis se constrói em desertos
perto
(e)
longe
um oásis se constrói
(e os desertos?).
libação
difícil para um mortal entender uma deusa
decifrar seu olhar lento, em direção ao mistério
e o mortal ali: calado, inquieto, agoniado
como se fosse uma onda querendo rebentar o mar
mas sem uma quilha, é quase impossível
navegar
ainda mais quando suas mãos agem
(e elas agem)
num estranho ritual de libação
enquanto o mortal zera a bússola
e descansa na terra firme daquele pulsar.
A fala da
fala do mar
ouça,
o mar fala conosco
sussurra
lições do eclesiastes
brada
aos ventos
(nada)
em
moinhos quixotescos
o
mar canta aritmética
implora
a pitágoras
a
perfeição, a perfeição de deus
o
mar
fala
a nós de camões
e
do fraco rei que torna fraca a forte gente
o
mar
estupida
o irreal
o
mar, sabemos,
sim
é real
som
sem melodia
ah,
é música!
(vamos
dançar, agora?).
A noite demora a cair em Buenos Aires
a noite demora a cair em Buenos Aires
como
um tango de Gardel que quando se vê já dançou
e
você ficou ali, na esquina do obelisco
falseando
o castelhano
para
entender o cigarro nervoso do hermano
que
passeia as ruas centrais com seu vício
enquanto
nosotros traduzimos livrarias
a
noite demora a cair em Buenos Aires
porque
o diálogo com cortázar
não é mais difícil do que torcer por maradona
jogos
de amarelinha no Caminito
jogos
e paixão na bombonera
na
ateneo, a sentença de borges
incapaz
de imaginar um mundo sem livros
a
noite demora a cair em Buenos Aires
(mas
cai)
e
traz casais dançando numa praça qualquer da cidade
e
o passeio por cafés, cafés e cafés
até
ver o silêncio esnobar a madrugada
e
você tirar o sol da algibeira
para
que a noite possa subir em Buenos Aires.
Bica
para Vinícius Guedes
jacarés
em silêncio
ruminando o bote na natureza humana
leões na jaula
- presas da civilização
araras
em voo para o nada
: gaiolas de ilusão
macacos
em saltos graciosos
(bananas ao homem)
(no passeio, palmas para os acuados animais
que não assustam nem as criancinhas).
Cabo Branco e outros mares
trago
medos da barreira de cabo branco
saudades
de barracas e agueiros
meu
pai beliscando uma agulha
o
menino que corria nas areias do sol
trago
memórias do sal de tambaú
e
do imponente hotel, cartão postal da maresia
lembranças
do mercado, dos bares, da lua
o
menino lambendo os dedos afrodisíacos
trago
a solidão escura de manaíra
e
o descampado vazio de seu calçadão
cantigas
de nada para os pescadores da vida
cantigas
de espumas nos pescados dos pratos
trago
outros mares que jogam suas ondas em minha lida
bessa,
e seus bares da moda
a
penha, com seus hábitos populares
o
seixas, onde o sol nasce primeiro
jacarapé,
onde os corpos morrem primeiro
trago
alegrias do cabo branco da infância
e
medos, do cabo branco amanhã
trago
dores e os banhos de sargaços na alma
trago
suas tatuagens, marcando minha pele no azul do mar.
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