Natália Luna (João Pessoa-PB, 1990). Formada em Filosofia pela Unicamp e autora do livro de poesia Íntimo Exílio pela ed. Urutau (2019). Está na produção de seu segundo livro, Rumina. Já publicou poemas pela Revista Textou, Mapa Brava e participa da Antologia “Um Brasil ainda em chamas”, pela ed. Contracapa, 2022.
AFRODISÍACO
Quem dirá, enfim, de nosso elixir, de nosso
maracujá,
quando na cama:
a tarja branca, ao lado, para trás, na cabeceira.
Quem dirá de nós, que fomos quando seguimos,
na repartição feito o azedume, aquele, que para mim
foi claro, como um porre, um drink, no sofá:
Quem dirá? De mim, de ti, do enxame?
– Mas logo esses, juntos?
A partição dos nós, ou melhor seria dizer
A nós no vela, ao nos levar, em merecidas amarras
quando descemos à língua por bem amar?
Rosa Púrpura do Cairo, não caia, feito gigante,
nesses novelos, sem essa.
Talvez fosse assim que dirias;
eu, apressando o passo, desarticulada, sem jeito:
Na alvenaria me pretendia, feito sujeito.
– A imagem que você criou de mim não me corteja.
*****
ERA UMA VEZ
Era uma vez um aludir, um iludir e um explanar
Era uma vez um fim de tarde
Era uma vez um ir e vir a qualquer parte
Estar à deriva
Estar de passant
Estar de solilóquio
E partir quando se metia num invólucro
Nada muito concreto palpável sólido
Era uma vez
De muitas vezes e nuncares
A liberdade foi a sobra
E que não nos reste mais que isto
No prato de contar migalhas
Para o desejo que era só amplidão
Era uma vez
Menino na ponta dos dedos, faceiro menino na beira do âmago
Era uma vez
Menina no rodopio da saia até sangrar
o joelho mal se apercebendo do véu da manhã
Cheios de pérolas e anos
Cerca de sobra
Sentido por um fio
E silêncio por contar,
depois de encerrar um ciclo.
*****
LIGAÇÃO A COBRAR
Nós não precisamos nos esquecer
De que a comunicação é falha
De que a voz gagueja sem ar
De que o sopro é um assovio
De que o titubear é um sentimento
De que já temos lombar para reclamar
De que o cavalo impulsiona a montaria
De que o amor é um bolero sem gaivotas num filme pertinente
De que os vizinhos observam tudo onde não cabe ciência,
inclusive se o bar estiver fechado
De que o engasgar é a interrupção de uma mulher que foi
silenciada,
antes que nos déssemos por conta
De que a sala é maior só quando cabem dois
De que o sofá pode ser no chão e não vir à prestação,
assim como o colchão e os papéis pardos
De que o mar é revolto quando ancora na orla
De que a infância nos percorre os dedos em lágrimas
e forma poças d’água na palma da mão quando não deságuam,
conduzindo o movimento lento
De que a beleza do bê-a-bá não se encerra em sua caligrafia.
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