quinta-feira, 30 de março de 2023

Natália Luna

Natália Luna (João Pessoa-PB, 1990). Formada em Filosofia pela Unicamp e autora do livro de poesia Íntimo Exílio pela ed. Urutau (2019). Está na produção de seu segundo livro, Rumina. Já publicou poemas pela Revista Textou, Mapa Brava e participa da Antologia “Um Brasil ainda em chamas”, pela ed. Contracapa, 2022.




AFRODISÍACO

 

Quem dirá, enfim, de nosso elixir, de nosso maracujá,
quando na cama:
a tarja branca, ao lado, para trás, na cabeceira.

Quem dirá de nós, que fomos quando seguimos,
na repartição feito o azedume, aquele, que para mim
foi claro, como um porre, um drink, no sofá:

Quem dirá? De mim, de ti, do enxame?
– Mas logo esses, juntos?
A partição dos nós, ou melhor seria dizer

A nós no vela, ao nos levar, em merecidas amarras
quando descemos à língua por bem amar?

Rosa Púrpura do Cairo, não caia, feito gigante,
nesses novelos, sem essa.
Talvez fosse assim que dirias;
eu, apressando o passo, desarticulada, sem jeito:

Na alvenaria me pretendia, feito sujeito.
– A imagem que você criou de mim não me corteja.




*****


ERA UMA VEZ

Era uma vez um aludir, um iludir e um explanar
Era uma vez um fim de tarde
Era uma vez um ir e vir a qualquer parte

Estar à deriva
Estar de passant
Estar de solilóquio
E partir quando se metia num invólucro
Nada muito concreto palpável sólido

Era uma vez
De muitas vezes e nuncares
A liberdade foi a sobra
E que não nos reste mais que isto
No prato de contar migalhas
Para o desejo que era só amplidão

Era uma vez
Menino na ponta dos dedos, faceiro menino na beira do âmago
Era uma vez
Menina no rodopio da saia até sangrar
o joelho mal se apercebendo do véu da manhã

Cheios de pérolas e anos
Cerca de sobra
Sentido por um fio
E silêncio por contar,
depois de encerrar um ciclo.




*****



LIGAÇÃO A COBRAR


Nós não precisamos nos esquecer

De que a comunicação é falha

De que a voz gagueja sem ar

De que o sopro é um assovio

De que o titubear é um sentimento

De que já temos lombar para reclamar

De que o cavalo impulsiona a montaria

De que o amor é um bolero sem gaivotas num filme pertinente

De que os vizinhos observam tudo onde não cabe ciência,

inclusive se o bar estiver fechado

De que o engasgar é a interrupção de uma mulher que foi silenciada,

antes que nos déssemos por conta

De que a sala é maior só quando cabem dois

De que o sofá pode ser no chão e não vir à prestação,

assim como o colchão e os papéis pardos

De que o mar é revolto quando ancora na orla

De que a infância nos percorre os dedos em lágrimas

e forma poças d’água na palma da mão quando não deságuam,

conduzindo o movimento lento

De que a beleza do bê-a-bá não se encerra em sua caligrafia.


 

 

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