sábado, 28 de janeiro de 2023

Aurélio Aquino

Aurélio Aquino nasceu e vive em João Pessoa, na Paraíba. Publicou Versos de dizer nem sempre e Da vida em desalinho, entre outros.

 


 

 

Das ruas de mim


único
tudo me define
outro

sou assim
alheio

tudo de mim mesmo
e pouco

é que me sobra
a compreensão
de parecer-me vão
quando não pulsa
no cérebro
o coração

 

 

 

 

 

Dos ganhos e das perdas em singelo enredo

 

ganho
o que perco

o que resta em mim
é apenas o que meço

tudo que não seja tanto
por ser de menos
o que prezo

a vida enfim
é exatamente
tudo que o peito
grava na gente

não há avesso
naquilo que se sente

 

 

Pequena digressão com laivos de poema

 

sósia de mim
me desconheço
nos outros tantos eus
em que me teço

é que viver
é só um jeito
de trazer multidões
dentro do peito

 

 

Pequena alusão aos tempos do espaço e a perene desavença humana

O infinito

 

não é só espaço
há um tempo embutido
em seu descampado
depois de si
traz outros infinitos
que desabotoam a razão
e todos os sentidos
é como parecer um mutirão
de todos os destinos
por decretar-se avulso
apesar de ser contínuo.

 

 

Etária constatação em vagas

 

assim em riste
como cicatriz do tempo
a vida sempre gira
como um cata-vento
as voltas que dá em si
nas curvas do pensamento
a vontade da razão
espalhada nos atos
inventa os ventos que pode
esparramada nos braços
o tempo é só um distrato
da eternidade do espaço

 

 

 

Elza em jornada

  

Elza tinha na voz
como uma revoada
vinte mil pássaros
navegando suas asas
Elza tinha na boca
um comício itinerante
no derramar-se humana
em palavras e canto
Elza dormia sua negritude
em futuros acalantos

 

 

Da coletiva razão do povo

 

a construção da vida
e dessa condição humana
são atos sempre de todos
são fatos de grave chama
nada das gentes
dá-se como exclusivo
tudo é pleno do povo
nas ondas de seus gritos
os que acordem o mundo
os que chamem o infinito
tudo de dizê-lo tanto
é tê-lo sempre coletivo

 

 

Sapateiro em militância

 

 o sapateiro
engraxando a vida
dava-se ao tempo
como comunista
e nesse ímpeto
ao ter-se liberto
construía sapatos
e alguns panfletos
Chico do Baita
inventava em tudo
as andaduras fartas
dos calçados do futuro

 

 

Siá Luzia em revista

 

 

Siá Luzia
quando tricotava
tangia todos sonhos
nas agulhas que usava
seus olhos eram as vias
dessa onírica viagem
trançada na solidão
que invadia suas faces
Siá Luzia era um grito mudo
com todos seus disfarces

 

 

 

 

 

 


quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Marcantonio Costa

 

Marcantonio Costa nasceu no Rio de Janeiro e vive em João Pessoa, na Paraíba. É artista plástico e escreve poemas. Ainda inédito em livro.




 

 

 (***)

No momento em que todo objeto
é qual pássaro morto,
e de extrema concentração em
ser
porto,
ao qual tudo o que se atraca
não está de retorno,
e no permanecer consiste,
aceno um lenço ao zarpar
da pergunta
se o sempre-distante
realmente existe.
No momento em que todo objeto
é qual pássaro morto,
e de extrema concentração em
ser
porto,
ao qual tudo o que se atraca
não está de retorno,
e no permanecer consiste,
aceno um lenço ao zarpar
da pergunta
se o sempre-distante
realmente existe.

  

(***)

 

 

Um anjo sombrio
acompanha os teus dias,
como um planeta em órbita
ao redor do sol que tu és.
Anjo que não guarda a ti,
mas o teu inexorável futuro.
Foi destacado de uma legião
- alma racional do mundo -
e lotado numa repartição
do teu cérebro.
Não saberias dizer
se ele veio do longínquo,
um asteroide que se avizinhou,
ou foi aglomerado de partículas
que de ti se desprenderam.
Certamente esqueceste
que ele nem sempre esteve
ao teu lado,
e apenas se prontificou
quando ganhaste consciência
da tua própria existência.
E desde então sonhas em vigília
castrar aquelas sinistras asas.

 

 

(***)




Qual o teu espaço, poeta?
Que dimensões ocupas?
Talvez a dum dedo vazio
entre os cinco de uma luva,
ou então inflado, perpendicular
aos outros esvaziados,
dirigindo ao mundo um aceno
de dedo revoltado ou obsceno.

 

 

(***)

 

INSUFICIENTE

 

 

Todo o léxico é pouco:
não é bastante a oceânica
língua
para inundar o silêncio da
planície.
Pouco.

 

 

(***)

 

 

FÍSICA

 

 

Gostava de aplicar
a expressão vasos comunicantes
aos nossos olhos,
nossos ouvidos,
nossos sorrisos miscíveis
e ao nível comum de nós
à altura das nossas bocas.

 

 

(***)



Uns versos curtos,
para um fácil decolar da página,
menor superfície de contato
e aderência.
E nem assim eles flutuam.

 

 

(***)

 

EXTRAVIO

 

 

Do grande rebanho
dum dia triste,
se desgarraram
muitos minutos de alegria,
mas o pastor carrancudo
e desleixado
nem os percebeu fugir.

 

 

(***)

 

 

Eu me retiro do poema,
saio pelos fundos,
dou a volta
e fico de fora,
olhando da vidraça
embaçada pela minha
respiração.
Não há de ser indiscrição.

 

 

(***)

 

 

Sábado
ainda pede sapatos,
algum desfilar.

Domingo,
pés descalços
para o ar.
Mas, ainda que
desocupados,
não há quem os faça
levitar.

 

 

 

(***)

 

 

NOTIFICAÇÕES

 

As minhas unhas
Estão retroagindo,
Os meus cabelos
Tornam à origem.
Os amigos o notificam
Entre si.

O espelho me retém
Num amanhecer.
Sinto o ar puro
Espalhando o sal
Recolhido às horas,
A minha nuca recebe
O sol futuro.

Meus pensamentos beijam
As duas faces do dia.
Os lírios me doam
Todo o seu vestuário.
A corte de Salomão
O notifica.

Meus pés alvejantes
Purificam os esgotos.
No coração engendro
Rotor de helicóptero.
Constato que as nuvens
Têm piso dourado.

Meus olhos superam
A miopia e abrem
As conchas distantes,
Aferem os perímetros
Propícios às miragens,
Os viajantes urbanos
O notificam.

Minhas palavras agora
Calçam patins.
Os dias do calendário
Disparam feitos gametas.
As linhas das minhas
Palmas hoje são espirais,
E as quiromantes tontas
O notificam.

 

 

(***)

 

 

APORTE

 

Forneço subsídios ao silêncio,
Não o medo, mas a perplexidade,
Essa cama que flutua entre as auroras.

Mas não entendo teu mutismo,
O crepúsculo no teu palato
Quando fechas a boca, o vácuo,
Ausência parcial de sensibilidade da língua:
Perdeu-se o gosto das palavras,
O salino, o adocicado, o cítrico, o amargo.

No entanto, comunicamos,
A pele é que é impelida
A trair a ruptura do verbo (nervo crítico),
E o corpo captura o desejo omitido:
Mal o teu púbis se insinua, aflito
Algo em mim se levanta, grua,
Então se enraíza um diálogo acima do silêncio
E, no mais, temos dito.



(***)

 

 

LUMINOSA

 

Anoitece,
e tal como suponho aconteça
na vida pessoal,
os planos distantes
são os primeiros a desaparecer
até a resistente nitidez
do foco central
onde se finca a aguda pata
do compasso existencial,


e a circunferência das sombras
se retrai,
até o ponto onde se grita:
luz! Mais luz!
A sobrecarga impossível,
antes da queima do circuito 

e da escuridão total.


(***)

 

 

SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO

 

Ao ouvir o som do meu coração
Sinto-me especialista em criptografia,
Intruso, espião em território estrangeiro,
País governado ditatorialmente
Pela vida.


(***)

 

 

 CRÔNICA

 

Um velhinho passa
sob a minha janela,
camisa surrada,
calça jeans, sandálias
e boné.


Claudica.


E me enterneço,
como preconceito
de que está cansado
de levar sua história

anônima, banal
e pesada,
a pé.

 

 

(***)

 

 

OBJETOS SUJEITOS AO AFETO

 

1-

 

Os óculos
ao lado
da caixa de fósforos,
casual epigrama:

ver sempre depende
de algum tipo de chama.

 

2-

 

Livro de poesia
e garrafa de vinho:
arranjo dionisíaco,
ethos etílico.

 

3-

 

Folhas brancas
para desenho
sob o bloco de notas:
onde larguei a chave
da porta?

 

4-

 

Café e açúcar
aguardam
o encontro amoroso.

 

Xícara emborcada,
a alcoviteira.

 

4-

 

Um livro fechado: Platão.
Por enquanto, apenas
um sólido geométrico
no mundo das aparências.
Ou potência que aguarda
um ato.

 

6

 

O relógio digital de mesa,
objeto mutante:
a cada segundo
novo semblante.

 

7-

 

Laranjas,
bananas,
mangas:

 

o sabor inocente
ainda
detento
sob as cascas.

 

8-

 

O cinzeiro: túmulo.
Nenhuma fênix
borralheira.

 

9-

 

As roupas
no varal –
olhar é despir
previsões.

 

10-

 

Sapatos empoeirados
e hirtos,
exaustos de andar
em círculos.

 

11-

 

Caixas velhas,
velhas caixas:
o que fazer com isso?

 

Jogar o seu oco
(nicho)
no lixo.

 

12-

 

Falta fotografia,
no porta-retratos:
esclerótica retangular
sem a íris. E
a menina dos olhos.


 

COR MENTAL

 

Uma cor se expande sobre outra
Na permeabilidade da fala,


Mas não tão velozmente como
Quando são apenas pensadas
Na ausência de superfícies:
Auréolas impermanentes, ralas.



(***)

 

 

O CONHECIDO

 

Chega o momento,
Não sei se natural
Ou propiciado pelo teu arbítrio,
Em que nada é surpreendente.


E mesmo que vejas coisa inusitada,
Ela logo terá formal identidade
Por efeito de alguma remota analogia.

Pois tu já terás preenchido
Teu conceitual álbum de figurinhas,

Somente revisões

E a sobra das trocas
Preencherão as importunas entrelinhas.

 

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

ALINE MONTEIRO

 Aline Monteiro nasceu no Rio de Janeiro e já morou em João Pessoa. É o que se pode chamar de brasileira da gema. Ao todo morou  em doze cidades de oito estados diferentes distribuídos em quatro regiões. Atualmente reside em Princesa Isabel-Pb, onde é professora do IFPB.

É graduada em Letras- Inglês e Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal de Rondônia. É uma artista do corpo e da palavra. Tem poemas publicados em antologias organizadas pela editora do Clube de Escritoras de Rondônia.





Aline se considera norte-nordestina, mas questiona a invenção das fronteiras. Seu pai era pernambucano, a mãe é paraibana. Para ela, as quatro regiões do país onde viveu convivem dissolvidas umas nas outras, dentro de si.
 

Foto: 88mm - Cleber Cardoso



Anseia por confluências  entre diversas linguagens artísticas como poesia, performance, dança, fotografia e o  que mais surgir no caminho. Busca descolonizar seu corpo-território para encontrar  outras formas de existir e resistir no mundo.

 

todo corpo que
circula pela cidade
sabe o preço da rua


***

gargalhada de Exu
é te avisar dos riscos
e te ver fazer
o contrário dos ensinamentos

Exu olha a mentira
na cara e debocha


***


a rua 
não engana
eu que me engano
por mim mesma
e gracejo
na boca do perigo


***


meu peito
não cabem metades

não me queira
em partes

aqui até o
vazio é completo

 

***

 

 

 

I.

sempre peço ao universo

que me mande qualquer recado

por escrito

mas quando vem assim,

em sorriso,

não entendo, mas deixo anotado

 

***

 

II.

os fios da rua

encarceram a lua num retrato

e então ela sobe para a

sua liberdade celeste

 

eu nunca tinha visto uma

churrasqueira na calçada

e queria te mostrar a

vista da minha sacada

sem lentes ou telas

apesar do verde renovado

pela chuva

das minhas plantas novas

a esperança esmaece

 

tenho vontade de te escrever

um texto e enviar

sem editar

sem pensar no que ele

deveria ser

 

como a lua que não edita seu

trajeto por causa

das nuvens

queria mandar a

palavra crua

 

observando o satélite que percorre

seu caminho arredondado

sobre as órbitas

dos meus olhos

percebo também que

são cíclicas as

palavras amedrontadas que

se movem sob eles

 

enfim, não era nada

disso que eu pretendia

dizer, mas que

controle tenho eu

sobre os im

pulsos agridoces do

eu texto

 

***

III.

sei que pareço ca

ótica e desconectada

mas sou boa em pro

porcionar carinho sei

fazer cha

mego e me dedico  com a

finco à

arte da

presença

 

*

 

IV.

a coragem de sentar

sob a mangueira no

verão não tenho

 

circulo a praça e

acho meu canto

 

(queria estar

abraçada

no banco da praça)

 

não espanta a

ausência da algazarra

das crianças

 

-anda tudo tão

perigoso

 

ouço motores

mas não aqueles

incansáveis

geradores de

energia infantis

 

brinquedos aguardam

mãozinhas e roupinhas

para espaná-los

 

queria que

ninguém morasse

no banco da praça

 

o palco

iluminado –

rodeado com

seus pilares

estéticos que

não têm muito

o que segurar –

poderia encenar dias

sem medo

 

e já que não

tá chovendo

a gente admiraria

a copa das árvores

e a lua que brilha


talvez esse dia

fosse uma centelha

 

*

 

V.

 

cre

scer

com(o)

a lua

 

encher de

luz

***

 

VI.

gestando a mim

mesma

fecundei

me úmida

embebida em

desejo

desde então alimento

meu sonho-ser

 

no parto

não me deixo.

molho cada

passo-Oxum

deslizo em

minhas carnes

acolho o

vermelho do

caminho como se nele nadasse

 

desmancho-me

em som

pulso nas ondas

que cismam

repetir ci

clicamente


morro para nascer

minguo para encher

vibro para ser

sim

sinto

soul

sonho


Envie poemas, minibio e foto para o e-mail lausiqueira@yahoo.com

Adriano Cabral

 Adriano Cabral de Sousa nasceu em Santo André-SP e reside em João Pessoa-Pb. Cursou Letras na UFPB e integra o Coletivo de Teatro Alfenim d...