quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

ALINE MONTEIRO

 Aline Monteiro nasceu no Rio de Janeiro e já morou em João Pessoa. É o que se pode chamar de brasileira da gema. Ao todo morou  em doze cidades de oito estados diferentes distribuídos em quatro regiões. Atualmente reside em Princesa Isabel-Pb, onde é professora do IFPB.

É graduada em Letras- Inglês e Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal de Rondônia. É uma artista do corpo e da palavra. Tem poemas publicados em antologias organizadas pela editora do Clube de Escritoras de Rondônia.





Aline se considera norte-nordestina, mas questiona a invenção das fronteiras. Seu pai era pernambucano, a mãe é paraibana. Para ela, as quatro regiões do país onde viveu convivem dissolvidas umas nas outras, dentro de si.
 

Foto: 88mm - Cleber Cardoso



Anseia por confluências  entre diversas linguagens artísticas como poesia, performance, dança, fotografia e o  que mais surgir no caminho. Busca descolonizar seu corpo-território para encontrar  outras formas de existir e resistir no mundo.

 

todo corpo que
circula pela cidade
sabe o preço da rua


***

gargalhada de Exu
é te avisar dos riscos
e te ver fazer
o contrário dos ensinamentos

Exu olha a mentira
na cara e debocha


***


a rua 
não engana
eu que me engano
por mim mesma
e gracejo
na boca do perigo


***


meu peito
não cabem metades

não me queira
em partes

aqui até o
vazio é completo

 

***

 

 

 

I.

sempre peço ao universo

que me mande qualquer recado

por escrito

mas quando vem assim,

em sorriso,

não entendo, mas deixo anotado

 

***

 

II.

os fios da rua

encarceram a lua num retrato

e então ela sobe para a

sua liberdade celeste

 

eu nunca tinha visto uma

churrasqueira na calçada

e queria te mostrar a

vista da minha sacada

sem lentes ou telas

apesar do verde renovado

pela chuva

das minhas plantas novas

a esperança esmaece

 

tenho vontade de te escrever

um texto e enviar

sem editar

sem pensar no que ele

deveria ser

 

como a lua que não edita seu

trajeto por causa

das nuvens

queria mandar a

palavra crua

 

observando o satélite que percorre

seu caminho arredondado

sobre as órbitas

dos meus olhos

percebo também que

são cíclicas as

palavras amedrontadas que

se movem sob eles

 

enfim, não era nada

disso que eu pretendia

dizer, mas que

controle tenho eu

sobre os im

pulsos agridoces do

eu texto

 

***

III.

sei que pareço ca

ótica e desconectada

mas sou boa em pro

porcionar carinho sei

fazer cha

mego e me dedico  com a

finco à

arte da

presença

 

*

 

IV.

a coragem de sentar

sob a mangueira no

verão não tenho

 

circulo a praça e

acho meu canto

 

(queria estar

abraçada

no banco da praça)

 

não espanta a

ausência da algazarra

das crianças

 

-anda tudo tão

perigoso

 

ouço motores

mas não aqueles

incansáveis

geradores de

energia infantis

 

brinquedos aguardam

mãozinhas e roupinhas

para espaná-los

 

queria que

ninguém morasse

no banco da praça

 

o palco

iluminado –

rodeado com

seus pilares

estéticos que

não têm muito

o que segurar –

poderia encenar dias

sem medo

 

e já que não

tá chovendo

a gente admiraria

a copa das árvores

e a lua que brilha


talvez esse dia

fosse uma centelha

 

*

 

V.

 

cre

scer

com(o)

a lua

 

encher de

luz

***

 

VI.

gestando a mim

mesma

fecundei

me úmida

embebida em

desejo

desde então alimento

meu sonho-ser

 

no parto

não me deixo.

molho cada

passo-Oxum

deslizo em

minhas carnes

acolho o

vermelho do

caminho como se nele nadasse

 

desmancho-me

em som

pulso nas ondas

que cismam

repetir ci

clicamente


morro para nascer

minguo para encher

vibro para ser

sim

sinto

soul

sonho


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