Marcantonio Costa
nasceu no Rio de Janeiro e vive em João Pessoa, na Paraíba. É artista plástico
e escreve poemas. Ainda inédito em livro.
No momento em que
todo objeto
é qual pássaro
morto,
e de extrema
concentração em
ser
porto,
ao qual tudo o que
se atraca
não está de
retorno,
e no permanecer
consiste,
aceno um lenço ao
zarpar
da pergunta
se o
sempre-distante
realmente existe.
No momento em que
todo objeto
é qual pássaro
morto,
e de extrema
concentração em
ser
porto,
ao qual tudo o que
se atraca
não está de
retorno,
e no permanecer
consiste,
aceno um lenço ao
zarpar
da pergunta
se o
sempre-distante
realmente existe.
(***)
Um anjo sombrio
acompanha os teus dias,
como um planeta em órbita
ao redor do sol que tu és.
Anjo que não guarda a ti,
mas o teu inexorável futuro.
Foi destacado de uma legião
- alma racional do mundo -
e lotado numa repartição
do teu cérebro.
Não saberias dizer
se ele veio do longínquo,
um asteroide que se avizinhou,
ou foi aglomerado de partículas
que de ti se desprenderam.
Certamente esqueceste
que ele nem sempre esteve
ao teu lado,
e apenas se prontificou
quando ganhaste consciência
da tua própria existência.
E desde então sonhas em vigília
castrar aquelas sinistras asas.
(***)
Qual o teu espaço, poeta?
Que dimensões ocupas?
Talvez a dum dedo vazio
entre os cinco de uma luva,
ou então inflado, perpendicular
aos outros esvaziados,
dirigindo ao mundo um aceno
de dedo revoltado ou obsceno.
(***)
INSUFICIENTE
Todo o léxico é pouco:
não é bastante a oceânica
língua
para inundar o silêncio da
planície.
Pouco.
(***)
FÍSICA
Gostava de aplicar
a expressão vasos comunicantes
aos nossos olhos,
nossos ouvidos,
nossos sorrisos miscíveis
e ao nível comum de nós
à altura das nossas bocas.
(***)
Uns versos curtos,
para um fácil decolar da página,
menor superfície de contato
e aderência.
E nem assim eles flutuam.
(***)
EXTRAVIO
Do grande rebanho
dum dia triste,
se desgarraram
muitos minutos de alegria,
mas o pastor carrancudo
e desleixado
nem os percebeu fugir.
(***)
Eu me retiro do poema,
saio pelos fundos,
dou a volta
e fico de fora,
olhando da vidraça
embaçada pela minha
respiração.
Não há de ser indiscrição.
(***)
Sábado
ainda pede sapatos,
algum desfilar.
Domingo,
pés descalços
para o ar.
Mas, ainda que
desocupados,
não há quem os faça
levitar.
(***)
NOTIFICAÇÕES
As minhas unhas
Estão retroagindo,
Os meus cabelos
Tornam à origem.
Os amigos o notificam
Entre si.
O espelho me retém
Num amanhecer.
Sinto o ar puro
Espalhando o sal
Recolhido às horas,
A minha nuca recebe
O sol futuro.
Meus pensamentos beijam
As duas faces do dia.
Os lírios me doam
Todo o seu vestuário.
A corte de Salomão
O notifica.
Meus pés alvejantes
Purificam os esgotos.
No coração engendro
Rotor de helicóptero.
Constato que as nuvens
Têm piso dourado.
Meus olhos superam
A miopia e abrem
As conchas distantes,
Aferem os perímetros
Propícios às miragens,
Os viajantes urbanos
O notificam.
Minhas palavras agora
Calçam patins.
Os dias do calendário
Disparam feitos gametas.
As linhas das minhas
Palmas hoje são espirais,
E as quiromantes tontas
O notificam.
(***)
APORTE
Forneço subsídios ao silêncio,
Não o medo, mas a perplexidade,
Essa cama que flutua entre as auroras.
Mas não entendo teu mutismo,
O crepúsculo no teu palato
Quando fechas a boca, o vácuo,
Ausência parcial de sensibilidade da língua:
Perdeu-se o gosto das palavras,
O salino, o adocicado, o cítrico, o amargo.
No entanto, comunicamos,
A pele é que é impelida
A trair a ruptura do verbo (nervo crítico),
E o corpo captura o desejo omitido:
Mal o teu púbis se insinua, aflito
Algo em mim se levanta, grua,
Então se enraíza um diálogo acima do silêncio
E, no mais, temos dito.
(***)
LUMINOSA
Anoitece,
e tal como suponho aconteça
na vida pessoal,
os planos distantes
são os primeiros a desaparecer
até a resistente nitidez
do foco central
onde se finca a aguda pata
do compasso existencial,
e a circunferência das sombras
se retrai,
até o ponto onde se grita:
luz! Mais luz!
A sobrecarga impossível,
antes da queima do circuito
e da escuridão total.
(***)
SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO
Ao ouvir o som do meu coração
Sinto-me especialista em criptografia,
Intruso, espião em território estrangeiro,
País governado ditatorialmente
Pela vida.
(***)
CRÔNICA
Um velhinho passa
sob a minha janela,
camisa surrada,
calça jeans, sandálias
e boné.
Claudica.
E me enterneço,
como preconceito
de que está cansado
de levar sua história
anônima, banal
e pesada,
a pé.
(***)
OBJETOS SUJEITOS AO AFETO
1-
Os óculos
ao lado
da caixa de fósforos,
casual epigrama:
ver sempre depende
de algum tipo de chama.
2-
Livro de poesia
e garrafa de vinho:
arranjo dionisíaco,
ethos etílico.
3-
Folhas brancas
para desenho
sob o bloco de notas:
onde larguei a chave
da porta?
4-
Café e
aguardam
o encontro amoroso.
Xícara emborcada,
a alcoviteira.
4-
Um livro fechado: Platão.
Por enquanto, apenas
um sólido geométrico
no mundo das aparências.
Ou potência que aguarda
um ato.
6
O relógio digital de mesa,
objeto mutante:
a cada segundo
novo semblante.
7-
Laranjas,
bananas,
mangas:
o sabor inocente
ainda
detento
sob as cascas.
8-
O cinzeiro: túmulo.
Nenhuma fênix
borralheira.
9-
As roupas
no varal –
olhar é despir
previsões.
10-
Sapatos empoeirados
e hirtos,
exaustos de andar
em círculos.
11-
Caixas velhas,
velhas caixas:
o que fazer com isso?
Jogar o seu oco
(nicho)
no lixo.
12-
Falta fotografia,
no porta-retratos:
esclerótica retangular
sem a íris. E
a menina dos olhos.
COR MENTAL
Uma cor se expande sobre outra
Na permeabilidade da fala,
Mas não tão velozmente como
Quando são apenas pensadas
Na ausência de superfícies:
Auréolas impermanentes, ralas.
(***)
O CONHECIDO
Chega o momento,
Não sei se natural
Ou propiciado pelo teu arbítrio,
Em que nada é surpreendente.
E mesmo que vejas coisa inusitada,
Ela logo terá formal identidade
Por efeito de alguma remota analogia.
Pois tu já terás preenchido
Teu conceitual álbum de figurinhas,
Somente revisões
E a sobra das trocas
Preencherão as importunas entrelinhas.
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