segunda-feira, 11 de abril de 2022

Alex Polari

Alex Polari é paraibano de João Pessoa.



Alex Polari Alverga é paraibano de João Pessoa e nasceu em 1951. Seu primeiro livro, Inventário de Cicatrizes, foi publicado em 1978 quando ele ainda estava preso por sua militância política contra o regime militar. Permaneceu preso até 1980 e ao sair da prisão ingressou na comunidade esotérica Santo Daime, no estado de Amazonas.

 

Para o crítico Carlos Henrique de Escobar, “Alex político e Alex poeta, como alguns dos seus muitos companheiros em diferentes prisões do país, alguns já libertados, outros exilados, poderão significar toda uma postura e uma produção artística (na poesia, na pintura e no romance) que rompe com os padrões estéreis e reacionários de até então."

 

Fonte: www.itaucultural.org.br/



 

 

 

AMAR EM APARELHOS

 

Era uma coisa louca

trepar naquele quarto

com a cama. suspensa

por quatro latas

com o fino lençol

todo ele impresso

pelo valor de teu corpo

e a tinta do mimeógrafo.

 

Era uma loucura

se- despedir da coberta

ainda escuro

fazer o café

e a descoberta

de te amar

apesar dos pernilongos

e a consciência

de que a mentira

tem pernas curtas.

 

Não era fácil

fazer o amor

entre tantas metralhadoras

panfletos, bombas

apreensões fatais

e os cinzeiros abarrotados

eternamente com o teu Continental,

preferência nacional.

 

Era tão irracional

gemer de prazer

nas vésperas de nossos crimes

contra a segurança nacional

era duro rimar orgasmo

com guerrilha

e esperar um tiro

na próxima esquina.

 

Era difícil

jurar amor eterno

estando com a cabeça

à prêmio

pois a vida podia terminar

antes do amor.

 

 

NOITES NO PP (Presidio H. Gomes)

 

Estou aqui, pessoal, na C-8

nossa cela de passagem

nesse famigerado

Presídio Hélio Gomes

ex-Pp,

Presídio Policial,

rodeado de faqueiros

bichas, fanchones

guardas e faxinas.

No alto de minha beliche de pedra

leio o semanário Opinião,

autores latino-americanos

e vez ou outra espio a TV.

Porto apenas uma cueca Zorba

fumo incontáveis cigarros

Hollywood

bebo infindáveis canecas

de café Pelé

e em vez de grilhetas,

calço as legítimas sandálias

Havaianas.

Discuto a formação do Partido

os males da monogamia

relembro tiroteios e trepadas

e breve, após o confere,

ainda com as feridas da última visita

na capela,

sonharei com os anjos

pendurados em paus-de-arara

celestes.

 

 

FOICES

 

E fosse o vento

como rajada

fio de foice

rente ao horizonte

cortando espigas e auroras.

E fosse fosco

o vidro que nos separasse

da paisagem

assim semeador

vulto impreciso pelas grades

colher o que?

que fímbria de esperança

que migalhas de posteridade

disputar com os ratos?

 

 

TRILOGIA MACABRA (111 - A Parafernália da Tortura)

 

Nos instrumentos de tortura ainda subsistem, é verdade,

alguns resquícios medievais

 

como cavaletes, palmatórias, chicotes que o moderno design

não conseguiu ainda amenizar

assim como a prepotência, chacotas

cacoetes e sorrisos

que também não mudaram muito.

Mas o restante é funcional

polido metálico

quase austero

algo moderno

com linhas arrojadas

digno de figurar

em um museu do futuro.

 

Portanto,

para o pesar dos velhos carrascos nostálgicos,

não é necessário mais rodas, trações,

fogo lento, azeite fervendo

e outras coisas

mais nojentas e chocantes.

 

Hoje faz-se sofrer a velha dor de sempre

hoje faz-se morrer a velha morte de sempre

com muito maior urbanidade,

sem precisar corar as pessoas bem educadas,

sem proporcionar crises histéricas

nas damas da alta sociedade

sem arrefecer os instintos

desta baixa saciedade.

 

 

ZOOLÓGICO HUMANO

 

o que somos

é algo distante

do que fomos

 

ou pensamos ser.

Veja o mundo:

ele se move

sem nossa interferência

veja a vida:

ela prossegue

sem nossa licença

veja sua amiga:

ela se comove

por outros corpos

que não o seu.

 

Somos simplesmente

o que é mais fácil ser:

lembrança

sentimento fóssil

referência ética

apenas um belo ornamento

para a consciência dos outros.

 

A quem interessar possa:

Estamos abertos à visitação pública

sábados e domingos

das 8 às 17 horas.

 

Favor não jogar amendoim.

 

 

Extraídos de INVENTÁRIO DE CICATRIZES. 3 ed.  São Paulo: Teatro Ruth Escobar; Comitê Brasileiro pela Anistia, 1978.  58 p.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Envie poemas, minibio e foto para o e-mail lausiqueira@yahoo.com

Francc Neto

  Minha jornada como poeta começou na adolescência,  publicando poemas em revistas e jornais.  Ao longo dos anos, minha poesia foi reconheci...