Alex Polari é paraibano de João Pessoa. |
Alex Polari Alverga é paraibano de João Pessoa e nasceu em 1951. Seu primeiro livro, Inventário de Cicatrizes, foi publicado em 1978 quando ele ainda estava preso por sua militância política contra o regime militar. Permaneceu preso até 1980 e ao sair da prisão ingressou na comunidade esotérica Santo Daime, no estado de Amazonas.
Para o crítico Carlos Henrique de Escobar, “Alex
político e Alex poeta, como alguns dos seus muitos companheiros em diferentes
prisões do país, alguns já libertados, outros exilados, poderão significar toda
uma postura e uma produção artística (na poesia, na pintura e no romance) que
rompe com os padrões estéreis e reacionários de até então."
Fonte: www.itaucultural.org.br/
AMAR EM APARELHOS
Era uma coisa louca
trepar naquele quarto
com a cama. suspensa
por quatro latas
com o fino lençol
todo ele impresso
pelo valor de teu corpo
e a tinta do mimeógrafo.
Era uma loucura
se- despedir da coberta
ainda escuro
fazer o café
e a descoberta
de te amar
apesar dos pernilongos
e a consciência
de que a mentira
tem pernas curtas.
Não era fácil
fazer o amor
entre tantas metralhadoras
panfletos, bombas
apreensões fatais
e os cinzeiros abarrotados
eternamente com o teu
Continental,
preferência nacional.
Era tão irracional
gemer de prazer
nas vésperas de nossos crimes
contra a segurança nacional
era duro rimar orgasmo
com guerrilha
e esperar um tiro
na próxima esquina.
Era difícil
jurar amor eterno
estando com a cabeça
à prêmio
pois a vida podia terminar
antes do amor.
NOITES NO PP (Presidio H. Gomes)
Estou aqui, pessoal, na C-8
nossa cela de passagem
nesse famigerado
Presídio Hélio Gomes
ex-Pp,
Presídio Policial,
rodeado de faqueiros
bichas, fanchones
guardas e faxinas.
No alto de minha beliche de pedra
leio o semanário Opinião,
autores latino-americanos
e vez ou outra espio a TV.
Porto apenas uma cueca Zorba
fumo incontáveis cigarros
Hollywood
bebo infindáveis canecas
de café Pelé
e em vez de grilhetas,
calço as legítimas sandálias
Havaianas.
Discuto a formação do Partido
os males da monogamia
relembro tiroteios e trepadas
e breve, após o confere,
ainda com as feridas da última visita
na capela,
sonharei com os anjos
pendurados em paus-de-arara
celestes.
FOICES
E fosse o vento
como rajada
fio de foice
rente ao horizonte
cortando espigas e auroras.
E fosse fosco
o vidro que nos separasse
da paisagem
assim semeador
vulto impreciso pelas grades
colher o que?
que fímbria de esperança
que migalhas de posteridade
disputar com os ratos?
TRILOGIA MACABRA (111 - A Parafernália da Tortura)
Nos instrumentos de tortura ainda subsistem, é verdade,
alguns resquícios medievais
como cavaletes, palmatórias, chicotes que o moderno design
não conseguiu ainda amenizar
assim como a prepotência, chacotas
cacoetes e sorrisos
que também não mudaram muito.
Mas o restante é funcional
polido metálico
quase austero
algo moderno
com linhas arrojadas
digno de figurar
em um museu do futuro.
Portanto,
para o pesar dos velhos carrascos nostálgicos,
não é necessário mais rodas, trações,
fogo lento, azeite fervendo
e outras coisas
mais nojentas e chocantes.
Hoje faz-se sofrer a velha dor de sempre
hoje faz-se morrer a velha morte de sempre
com muito maior urbanidade,
sem precisar corar as pessoas bem educadas,
sem proporcionar crises histéricas
nas damas da alta sociedade
sem arrefecer os instintos
desta baixa saciedade.
ZOOLÓGICO HUMANO
o que somos
é algo distante
do que fomos
ou pensamos ser.
Veja o mundo:
ele se move
sem nossa interferência
veja a vida:
ela prossegue
sem nossa licença
veja sua amiga:
ela se comove
por outros corpos
que não o seu.
Somos simplesmente
o que é mais fácil ser:
lembrança
sentimento fóssil
referência ética
apenas um belo ornamento
para a consciência dos outros.
A quem interessar possa:
Estamos abertos à visitação
pública
sábados e domingos
das 8 às 17 horas.
Favor não jogar amendoim.
Extraídos de INVENTÁRIO DE CICATRIZES. 3 ed. São Paulo: Teatro
Ruth Escobar; Comitê Brasileiro pela Anistia, 1978. 58 p.
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