terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Zila Mamede

Zila Mamede nasceu em 1928, em Nova Palmeira-Pb.




Zila Mamede nasceu em Nova Palmeira, na Paraíba, em 1928. Estudou em Currais Novos-RN, mas foi em Natal onde viveu a maior parte da sua vida e onde foi reconhecida enquanto bibliotecária, técnica em contabilidade, professora e escritora.

Morreu em 1985. Publicou livros como Herança e Navegos - este último uma coletânea dos livros Rosa de Pedra, Salinas, O  Arado, Exercício da Palavra e um inédito chamado  Corpo a Corpo.

Escreveu estudos bibliográficos sobre Câmara Cascudo e João Cabral de Melo Neto que a considerava uma das maiores poetas brasileiras.

Sobre Zila Mamede escreve Nei Leandro de Castro: "O Arado é um momento alto não só na poesia de Zila Mamede. É um dos momentos mais altos da poesia brasileira. A poeta toma a lavra da palavra, faz do verso o instrumento com que molda - artista, artesã, moendeira, oleira - os objetos da poesia."

 POEMAS 

 

 

A PONTE

 

Salto esculpido
sobre o vão
do espaço
em chão
de pedra e de aço

onde não
permaneço

                 - passo.       

 

 

 

 

ARADO


Arado cultivadeira
rompe veios, morde chão
Ai uns olhos afiados
rasgando meu coração.

 Arado dentes enxadas
Lavancando capoeiras
Mil prometimentos, juras
Faladas, reverdadeiras?

 Arado ara picoteira
sega relha amanhamento,
me desata desse amor
ternura torturamento.

 

 

 BANHO (rural)

 

 

De cabaça na mão, céu nos cabelos
à tarde era que a moça desertava
dos arenzés de alcova. Caminhando

um passo brando pelas roças ia
nas vingas nem tocando; reesmagava
na areia os próprios passos, tinha o rio

com margens engolidas por tabocas,
feito mais de abandono que de estrada
e muito mais de estrada que de rio

onde em cacimba e lodo se assentava
água salobre rasa. Salitroso
era o também caminho da cacimba

e mais: o salitroso era deserto.
A moça ali perdia-se, afundava-se
enchendo o vasilhame, aventurava

por longo capinzal, cantarolando:
desfibrava os cabelos, a rodilha
e seus vestidos, presos nos tapumes

velando vales, curvas e ravinas
(a rosa de seu ventre, sóis no busto)
libertas nesse banho vesperal.

Moldava-se em sabão, estremecida,
cada vez que dos ombros escorrendo
o frio dágua era carícia antiga.

Secava-se no vento, recolhia
só noite e essências, mansa carregando-as
na morna geografia de seu corpo.

Depois, voltava lentamente os rastos
em deriva à cacimba, se encontrava
nas águas: infinita, liquefeita.

Então era a moça regressava
tendo nos olhos cânticos e aromas
apreendidos no entardecer rural.

 

 

ELEGIA

 

Não retornei aos caminhos
que me trouxeram do mar.
Sinto-me brancos desertos
onde as dunas me abrasando
tarjam meus olhos de sal
dum pranto nunca chorado,
dum terror que nunca vi.

 Vivo hoje areias ardentes
sonhando praias perdidas
com levianos marujos
brincando de se afogar,
com rochedos e enseadas
sentindo afagos do mar.

 Tudo perdi no retorno,
tudo ficou lá no mar:
arrancaram-me das ondas
onde nasci a vagar,
desmancharam meus caminhos
– os inventados no mar:
depois, secaram meus braços
para eu não mais velejar.

 Meus pensamentos de espumas,
meus peixes e meu luar,
de tudo fui despojada
(até das fúrias do mar),
porque já não sou areias,
areias soltas de mar.
Transformaram-me em desertos,
ouço meus dedos gritando
vejo-me rouca de sede
das leves águas do mar.

 Nem descubro mais caminhos,
já nem sei também remar:
morreram meus marinheiros,
minha alma, deixei no mar.

Pudessem meus olhos vagos
ser ostras, rochas, luar,
ficariam como as algas
morando sempre no mar.

 Que amargura em ser desertos!
Meu rosto a queimar, queimar,
meus olhos se desmanchando
– roubados foram do mar.
No infinito me consumo:
acaba-se o pensamento.
No navegante que fui
sinto a vida se calar.

 Meus antigos horizontes,
navios meus destroçados,
meus mares de navegar,
levai-me desses desertos,
deitai-me nas ondas mansas,
plantai meu corpo no mar.
Lá, viverei como as brisas.
Lá, serei pura como o ar.
Nunca serei nessas terras,
que só existo no mar.

 

RETRATO

 

Me lembrava da menina
escavacando o chão agreste,
me lembrava do menino
carregando melancias.

Em que terras desembocam
esses talos de crianças
mais finos que as maravalhas,
mais fortes que a ventania?

Dois pés descobriram casa,
multiplicaram-se em hastes
– são cabeleiras de trigo
dos moinhos de Van-Gogh.

 A sombra dos dois irmãos
repartiu-se entre os veleiros:
seu tronco desarvorado
virou estrelas no mar.

 

Um comentário:

  1. Zila Mamede é fantástica. Conheci por acaso folheando um pequeno livro dela.

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Francc Neto

  Minha jornada como poeta começou na adolescência,  publicando poemas em revistas e jornais.  Ao longo dos anos, minha poesia foi reconheci...