segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

José Chagas

 

José Chagas nasceu no sítio Aroeiras, em
Santana dos Garrotes - na época, distrito de Piancó-PB.





José Chagas nasceu em 1924 no sítio Aroeiras, em Santana dos Garrotes-PB que na época era distrito do município de Piancó. Fez o ensino fundamental na Paraíba e o ensino médio em Teresina-PI e São Luís-MA, para onde mudou-se em 1948. Jornalista profissional, exerceu a função de técnico em Comunicação Social na Universidade Federal do Maranhão até aposentar-se. Ocupou diversos cargos em comissão na administração pública e chegou a se eleger vereador na cidade de São Luiz. Por sua obra em prosa e verso, o paraibano José Chagas foi considerado um dos principais poetas e cronistas do Maranhão. Entre os seus vinte livros publicados, destacamos “O discurso da ponte (1959), “Os canhões do silêncio” (1979) e Pedra de Assunto (crônicas de 1961). O poeta faleceu aos 90 anos, em 2014.

Wilson Martins escreveu um belo ensaio sobre a poesia de José Chagas sob o título de “Ouro Parnasiano”. Certamente a vasta produção de José Chagas não se resume aos sonetos, todavia destacamos aqui dois parágrafos especialmente para o blog Beraderos: “Nem todos os poetas federais tiram ouro do nariz, como queria Carlos Drummond de Andrade, poeta ao mesmo tempo federal e provincial, se jamais houve algum. Cabe aquilatar, em cada caso, o legítimo valor de tanta riqueza, que, não raro, é mais "federal", entre aspas, quero dizer, circunstancial e postiça, do que autêntica e de alto teor.

Lá na sua província, José Chagas oferece ouro em abundância... mas é ouro parnasiano num mundo convencionalmente antiparnasiano, abundante em berloques de fancaria. Praticando as regras tradicionais da versificação, não por princípio, mas com evidente espontaneidade, a poesia é a sua forma natural de expressão.”

 

CINCO POEMAS DE JOSÉ CHAGAS

 

Os homens rasos

 

Os homens é que estão traindo a vida,

traindo as águas que não voltam mais

à sua velha paz, hoje perdida

na própria refração dos seus cristais.

 

Do equilíbrio do mundo se duvida

com as ambições pesando desiguais

sobre uma ecologia ressentida,

dentro dos seus telúricos sinais.

 

Agora são mais rasas as vertentes,

rasos os homens e as ações urgentes

com que buscam mover águas e terras.

 

E tu, velho, ó velho rio, entre homens ficas,

vendo-os enodoar-te as águas ricas

e as cortinas de sonhos que descerras.

 

      

[POR TRÁS DO POEMA]


Por trás do poema
não se respira

Ventos se quebram
rolam onde o chão trabalha
um verde de outra cor

Por trás do poema
devemos estar mortos
inoticiados

Palavras emigram
vão para o labor de espessas
emoções

Por trás do poema
as chuvas se gastam
gastam-se os voos os frutos
a alegria branca das praias

O tempo inicia seus escombros
por trás do poema

Uma rua de estátuas
cai sua cinza
cai o seu nada
de muitos séculos

E um rio em si mesmo se afoga
seca em suas areias
a vontade de mar

Não olheis nunca por trás do poema

podem vossos olhos
em sal tornar-se

 

 

LAVOURA AZUL

 

Trabalho nuvens como quem trabalha
o chão que é seu, mas eu não tenho chão.
Cultivador da natureza falha,
planto no azul o que de azul me dão.

Sobre o campo de nuvens cresce a palha
de sonho e cobre a minha solidão.
E esse abrigo de sonhos me agasalha
contra os falsos azuis que me vêm e vão.

Minha roça no ar produz estrelas,
mas eu não tenho mãos para colhê-las,
nesta safra de azul que é nova e antiga.

Sou lavrador do quanto não se lavra
e preciso que eu ceife na palavra
o maduro do azul e a sua espiga.


[ALCÂNTARA]


Quem toca a pele
desse silêncio
sente nos dedos o vibrar
dos fatos
no acumular dos dias
formando séculos
em seu tecido de sombras
que costuram a face
do eterno

Que fere a pele desse silêncio
vê que o passado está ao alcance
das mãos
mas é impossível apanhá-lo
como se apanha um fruto
como se colhe uma flor
ou como se retém uma água
que se bebesse
ou nos batizasse
lavando os nossos nomes
para que pudessem ser ditos
na pureza dos ventos
ou dos passados conventos




Não se pode ver Alcântara
a olho nu

Alcântara requer
uma lente memorial
para ampliar
o que se contempla para trás
ou por detrás de nossas ruínas
humanas

ou para além do nosso esquecimento
através dos muros
endurecidos
dos séculos

O olho comum
é cego

          que olho sem memória
          não avista senão
          a forma ilusória
          da própria visão

          O olho comum
          não avista nada
          além do debrum
          da coisa visada



A noite sobre Alcântara é mais densa
que qualquer noite de qualquer cidade
e as horas passam sem pedir licença
para o que nos encante ou desagrade

O tempo em seu eterno se condensa
e a escuridão não sabe o quanto dá de
seu mistério para a recompensa
de uma idade parada noutra idade

É que a noite de Alcântara incorpora
o que ficou de uma apagada aurora
cujo sol não se acende nunca mais

E Alcântara de noite sonha medo
o medo que ela tem de acordar cedo
todos os seus fantasmas ancestrais

 

13 HORAS


Aqui onde um gato conclui
seu abandono, cria-se a tarde
e o seu vento. O sol
ilumina o secreto ofício
das cousas, o mar está longe
mas seu existir nos banha. E naves
de silêncio iniciam viagens para trás
para dentro de mim e do tempo.
A paisagem se cumpre sobre
velhas casas que sustentam
séculos no ar.

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Francc Neto

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