quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Lúcio Lins

 Lúcio Lins (1948/2005) nasceu em João Pessoa. Formou-se em Ciências Jurídicas e foi funcionário da UFPB. Publicou “Lado que cavo/que covas”(1982); “As lãs da insônia” (1991); “Perdidos astrolábios” (1999). Publicou seus poemas no Correio das Artes, Revista Usina, Revista Ler, Suplemento de Minas, entre outros.




Nos anos 70 integrou o Movimento Jaguaribe Carne, ao lado de Pedro Osmar, Paulo Ró, Chico Cesar e outros artistas. Nos anos 80 fundou o Bar Travessia que movimentou a cena cultural da cidade. Teve parcerias musicais com Byaya, Mestre Fuba, Chico Cesar, Zé Wagner e Adeildo Vieira.

 

 

vestindo o poema

 

meu exercício
de voar
é pousar
na imaginação
das asas

é fazer ninho
com as palavras


 

a reforma


faço poemas
reformando a casa

sento cerâmica
no papel
e os pedreiros
sentam palavras
na sala

sou eu
que estou em silêncio
são eles
que têm a fala

 

 

 

delírio de gari


os urubus
são aves
do paraíso

os anjos
são urubus
travestidos

(dei-me ao luxo
de catar isso)

 

 

 

fora do circo


domar a fera
é mais que o espetáculo
de levar ao público
as garras já domadas

domar-se a fera
é não entrar na jaula

 

 

 

imagens


o T de tv:
antena externa

o V de tv:
antena interna

(a imagem é minha)

 

 

 

um itinerário de leituras


a traça
tem algo de erudito
e uma preferência
pelos mais antigos

de muitos
conceitos de amor
a traça se alimentou
palavra por palavra

demais
lições de vida
pela traça foram lidas
página por página

a traça
tem algo de cético
devora os textos
e não vive dos inéditos





duas margens


quando o tempo
me cobrir os céus
com a anágua suja
da tua espera
e teus lábios
forem duas margens
um
gritando calmaria
outro
clamando tempestade
eu voltarei
de corpo e barco
e por ti
seguirei minha viagem

navegarei
entre teus braços
e segredos
eu
serei teu búzio
tu
serás o meu degredo


 



Cabo Branco


extremo Cabo Branco
estranho trampolim
ao contemplar o Atlântico
o mar mergulha em mim

 

 

 

 

 

memória das águas



sei do mar
do seu sal
suas palavras naus
e toda paisagem
uma vista de Portugal

sei do mar
do seu longe
sua história mangue
e o marulho das ondas
uma linguagem lusitana

sei do mar
que o mar
ainda é um silêncio
e a palavra mar
um oceano de palavras






bodas de ouro


passaram-se
os anos
e eles ainda
passam
um pelo outro

quanto são estranhos

 

 

 

história flutuante


não tenho horizontes
tenho sonhos à vela
e a tempestade da história

não tenho mapas
tenho cartas anônimas
e os gritos de seus náufragos

não tenho mares
tenho a garganta seca
e as palavras navegáveis


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