André Ricardo Aguiar nasceu em Itabaiana (Pb) e reside em João Pessoa. É autor de A idade das chuvas e Fábulas portáteis, entre outros. Na literatura infantil publicou O rato que roeu o rei e Chá de sumiço e outros poemas assombrados. Foi membro fundador do Clube do Conto da Paraíba.
ALUGUEL
Vivo
numa casa chamada
corpo, que não quitei
e
que perambula, serpente
de atalhos, daí meu endereço
quase
em bote, nunca é o
mesmo: a casa em que
habito
embora durmo ao
relento, pois quanto mais
me
fecho, mais fora fico
de mim, a casa que a duras
penas
sou eu, a casa de berço
e de cova, futura ruína
em
que pergunto de mim,
à porta.
EXPERIÊNCIA
Tão minério o amor
tão funda a mina
que o funda.
Tão
mineiro o amor
quieto, granada mansa
ao adormecer.
E
saímos com os bolsos cheios
de perdas
preciosas.
A Idade das Chuvas
Quando era infância
tive o meu caderno de chuvas:
algumas rasuradas, outras
fiéis cópias dos deveres do céu.
Quando era infância,
minhas chuvas eram as águas
do que poderiam ter sido:
fruto de rios bem cursados.
Mas herdei a chuva ancestral
que põe umidade na alma
e passa o ano a acarinhar
a palidez das poças de lama.
E é a mesma água que ainda sonha
os grandes oceanos.
Construção da Chuva
Não me desfiz
nem dos pergaminhos
nem dos fantasmas.
A assombrada leveza
dos morcegos e a noite
roendo minhas insônias,
os parágrafos noturnos
da chuva a escrever o telhado
(finíssimo casulo),
enquanto o mundo lá fora
sempre às vésperas
de ser novamente lido
era a cópia eterna
dos dias já findos.
Colheita
A casa
amadurecida
sem frutos
o sumo dos quartos
e corredores
na mornidão dos dias
(casa espremida
entre parênteses
e parentes)
rentes
na fila ferida
do tempo
repetida
enriquecida
no eco dos vizinhos
a casa parida
e seus soalhos de lua
malcriados
refletidos
no lustro da sala
dos anos
que a casa consome
como que ressentida
de fome
e seus habitantes
mobiliados
em velho exílio
tolhidos de usufruto:
pomar de rotas.
Ode ao café
A xícara sobre
vive no por
do sol negro
e fumegante.
Lentamente
de um lago
germina
flor metálica
que colho
do pólen
dos dedos,
(às voltas
com as margens
de porcelana
chinesa)
que a gira
faz um tempo
coando em mim
uma espera
de gole
profundo
do café.
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