segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

André Ricardo Aguiar

 André Ricardo Aguiar nasceu em Itabaiana (Pb) e reside em João Pessoa. É autor de A idade das chuvas e Fábulas portáteis, entre outros. Na literatura infantil publicou O rato que roeu o rei e Chá de sumiço e outros poemas assombrados. Foi membro fundador do Clube do Conto da Paraíba.

 

 


 

 

ALUGUEL



Vivo numa casa chamada
corpo, que não quitei

e que perambula, serpente
de atalhos, daí meu endereço

quase em bote, nunca é o
mesmo: a casa em que

habito embora durmo ao
relento, pois quanto mais

me fecho, mais fora fico
de mim, a casa que a duras

penas sou eu, a casa de berço
e de cova, futura ruína

em que pergunto de mim,
à porta.

  

EXPERIÊNCIA

 

Tão minério o amor
tão funda a mina
que o funda.

Tão mineiro o amor
quieto, granada mansa
ao adormecer.

E saímos com os bolsos cheios
de perdas
preciosas.

 

 

 

 

 

A Idade das Chuvas

 

Quando era infância
tive o meu caderno de chuvas:
algumas rasuradas, outras
fiéis cópias dos deveres do céu.

Quando era infância,
minhas chuvas eram as águas
do que poderiam ter sido:
fruto de rios bem cursados.

Mas herdei a chuva ancestral
que põe umidade na alma
e passa o ano a acarinhar
a palidez das poças de lama.

E é a mesma água que ainda sonha
os grandes oceanos.

 

 

 

Construção da Chuva

 

Não me desfiz
nem dos pergaminhos
nem dos fantasmas.

A assombrada leveza
dos morcegos e a noite
roendo minhas insônias,

os parágrafos noturnos
da chuva a escrever o telhado
(finíssimo casulo),

enquanto o mundo lá fora
sempre às vésperas
de ser novamente lido

era a cópia eterna
dos dias já findos.

 

 

Colheita

 

A casa
amadurecida
sem frutos

o sumo dos quartos
e corredores
na mornidão dos dias

(casa espremida
entre parênteses
e parentes)

rentes
na fila ferida
do tempo

repetida
enriquecida
no eco dos vizinhos

a casa parida
e seus soalhos de lua
malcriados

refletidos
no lustro da sala
dos anos

que a casa consome
como que ressentida
de fome

e seus habitantes
mobiliados
em velho exílio

tolhidos de usufruto:
pomar de rotas.

 

 

Ode ao café

 

A xícara sobre
vive no por

do sol negro
e fumegante.
Lentamente

de um lago
germina
flor metálica
que colho
do pólen
dos dedos,

(às voltas
com as margens
de porcelana
chinesa)

que a gira
faz um tempo

coando em mim

uma espera
de gole

profundo
do café.

 

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