Priscilla Cler nasceu em Belo Horizonte – MG e reside em João Pessoa – PB. É atriz (bacharel em Interpretação Teatral pela UFMG), cantora e professora de canto (licenciada em Música com habilitação em Canto Lírico pela UEMG) e Mestre em Artes pela UFMG. Seu primeiro livro, Poesia Cretina, foi lançado recentemente pela Editora Urutau, integrante da coleção Quem dera o sangue fosse só o da menstruação.
Não
Sabia como Extrair os Sumos da Língua
por tempos pensei
que pra extrair os sumos da língua
era necessário
luxuosamente literalizá-la
tentei
rebolando o léxico
e foi língua raspada com lixa
lavada com sapólio
lustrada com lava e lavagem
mas uma língua
ladrilhada de brilhantes
uma língua esfoliada
e esfoliante
não se alerta
não se alaga
não soluciona
não soluça
não revela
língua é feita de laço e papila
o dia em que minha língua sangrou
foi porque tinha um olho nascendo nela
desse delírio sublingual
extraí dela
elixir
plasma
lágrima
e linfa
gatilho gatilho
nada disso era o sumo da língua
o único sumo da língua é saliva
concluí já enlouquecida
e o único jeito de extraí-la
é aquela
boa e velha
lambida.
A
Música que eu Sou
Chego invariavelmente pontual
Na hora do meu fim
Atrasada no ceder
E adiantada no se dar
O momento exato de me perder é sempre o agora
Confundo velocidade e ritmo
Porque ainda não compreendi
Os fundamentos básicos
Das subdivisões dos meus tempos
[Eles são pequenos lapsos de existência
Que habitam o vão entre os meus pulsos]
Por trás das minhas grades torácicas
Tenho, aprisionado,
Este velho metrônomo quebrado
Que, revoltado,
Vai parando aos poucos
Me ralentando consigo
Pro mais profundo dos adágios
Mas a vida é ad libitum
E sou a única intérprete
Desta composição livre chamada eu
O momento exato de me (re)compor é sempre o agora
Senti voltar a pulsação do meu peito allegro
E me vi capaz
De recuperar cada um dos tempos
Que um dia me foram rubatos
Desde então
Não fui mais música no tempo;
Me tornei música no espaço.
Passaralha
Manhã em tempestade de sol
Passarinhos que gorjeiam palavrões
Mar sereno e calmo, bom pra afogar-se
E o livro engraçado de poemas que dá vontade de morrer
Isso tudo parece bem doído e dramático e triste e pesadão
Mas tá tudo certo
É só uma segunda-feira pós feriado
E todos
– salvo os que não sobreviverão –
seremos atravessados por ela
Eu sou um desses passarinhos
Acordada e pousada no fio de mais alta tensão
Uma espécie de bem-te-vi do mal
Cantando linda aguda afinadamente:
– Vai tomar no cu! Vai tomar no cu!
Movimento
Amar, desamar
Sentir coisas de tantas naturezas
E deixar de senti-las
Sentir as entranhas se revirarem
E senti-las se reorganizando
O corpo sempre nesse movimento
Em que o coração e o cu se confundem
A
Música Bate no Tímpano
a música bate no tímpano
do tímpano explode o choque
chega no pé, pula pro peito
faz craquelar a capa do coração;
eu fico muda
(coisa que nunca acontece)
e minha cara congela:
dois olhos fritos
profundamente mexidos
os cantos da boca
apontando pra baixo
o balanço da cabeça
(as)sentindo
sem saída.
numa hora dessas
eu não sei fazer mais nada
Corpovoz
braço prolongado no espaço
varador de kinesfera
a parte do meu corpo que me projeta mais longe
mão tem voz
peito tem voz
olho tem voz
voz é arma
faca revólver bomba
voz é imagem
metáfora sólida e lombra
EU ME DEFENDO COM VOZ E VERDADE
voz é jeito fortíssimo
de chicotear o opressor
voz não esconde nada
é tímida nudez
voz se engole
voz se revolve
voz se lê
voz
mesmo em silêncio
revela
voz é oráculo
da alma
a tela
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