Marília Valengo é de João Pessoa, capital da Paraíba, mas mora há 5 anos na cidade de New York, Estados Unidos. Costuma dizer que tem um pé no Cariri e outro no mar. É redatora, estrategista de conteúdo e ultimamente, nômade. Publicou poemas nas versões digital e impressa da Revista Subversa e lançou seu primeiro livro de poesia, Grito em praça vazia, pela Editora 7 Letras em Outubro de 2020.
bilhete de despedida
queria que você visse
a minha coleção de frases
queria que você visse
o exato momento que o sol
lança um feixe de luz
sobre a porta da cozinha
de manhã muito cedo
que você parasse
alguns minutos
para ver o brinco de moça
florido no quintal
a força do amarelo
os pequenos animais
que aparecem por causa dele
planejei te mostrar
o caminho que leva
para a árvore mais antiga da redondeza
e sonhei com o momento
em que iríamos sentar para assistir
aos bichos voltando para o curral
perto do sol se pôr
quis te levar na casa abandonada
quis dividir com você todos os barulhos
por trás do maior silêncio da terra
queria que você entendesse
que não precisa mergulhar mil léguas submarinas
basta perceber que flutuar é mais fácil
do que se imagina.
*****
então?
não faz a menor diferença
já que estamos sob o mesmo
sol
não pode haver distinção
porque nossos suores são compostos
damesmaquímica
também não existe distância maior,
a m o r
quando o que está
entre
os nossos corpos
é o mesmo
independente do ponto de vista
é o mar quem está agitado, não eu.
como as mulheres que conheço
quero descanso
e saber
com quem deixaremos os nossos filhos?
*****
heróis também jogam golf
fico imaginando que todos se convidam
por bilhetes deixados embaixo
de copos que serão recolhidos
por garçons asseados em um salão
esterilizado que é para ninguém perceber
as nuances do clubismo e também de
outras facetas mais vulgares
do despeito
que faz com que em outros lares
inventem novas maneiras
de esconder tais bilhetes
nos buracos de muros rajados de balas
que serão recolhidos por mensageiros-passos-firmes
que é para ninguém perceber as nuances vulgares
do oportunismo
e enquanto nos desesperamos
com periódicos e cartas que não chegam
mãos se apertam
documentos são assinados
votos são recolhidos
e um sentimento de paz e democracia invade a todos
quando na verdade só há dois buracos onde podemos enfiar nossa esperança
e que tanto faz se dentro do gramado
ou dentro da parede
é a sofreguidão da palavra
relevância que nos assombrará no final.
Fonte: Poemas Paraíba | MAPA BRAVA
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