A OUTRA CARTA A ILSE BLUMENTHAL-WEISS
a R.M. Rilke e aos ciganos (nômades do pensamento e da imaginação)
.
Hoje novamente eu assediado e aos pés das mil páginas da poesia olho pros olhos de Wera Ouckama Knoop e me penso chama flâmula cigana de vermelho e sangue
.
chama doida me chama entre o vestido e os seios sopros de seda e mel avoantes mouros
.
bebo a imaginação e o caos////////// onda de crista e sal, mar de púbis nas entranhas do mistério
.
vou me perder em sua boca naufragar em palavras inventadas voar, corcel negro os seus flancos vazios os alados pensamentos de patas fincadas no infinito.
.
nos meus olhos névoas mornas são imagens e são grânulos do deserto e são viveres sob os pés de viandantes berberes a perderem entre cheiros e paredes outros ares, suas asas noutra torre do castelo de Duíno. *****
A FACA QUASE POLÍTICA
A João Cabral de Melo Neto
Mais uma faca só lâmina
Lamina bem fino o genoma
É lâmina que corta fundo
A ponta rombuda da política.
É só lâmina o aço
De espelho frio cortante
Na imagem do corpo cego
O corpo cego e gritante.
É só lâmina o aço
De frio gume amolado
Da língua afiada e de sangue
A lâmina de aço cortante.
É só lâmina e sem cabo
O doce metal da morte
Com os cravos atravessando a madeira
E são cravos da própria sorte.
Emerge do poço fundo e escuro
A faca de fino brilho
E cega seu brilho em cor
De sangue, de fino golpe indolor.
Emerge entre rastros, pegadas
De rastro frio, incolor
Que não reflete na lâmina
Que não tem forma, nem cor.
Um braço furtivo, forte eclode
No silêncio tenso do corpo
Empunha bandeira da morte
Sob lenço da lâmina só faca.
É só lâmina o aço
O ferro de ferrar gente
Que ferra papel na história
Papel de pele seca
Celulose da própria gloria.
É só lâmina a afiada lâmina
Tirando os pelos do mundo
Deixando lisa a pele
De pelo afiado unânime.
É só lâmina a lâmina
E sem cabo não tem memória
No ato que se repete
Punhal de palavra que engasga.
Lâmina de aguçado mergulho
Arqueológica adaga
Que vasculha o sujeito
Em seu museu de víscera, insulto e palavras.
Lâmina só lâmina afiada
De língua feroz e sedenta
Com sede de língua calada
De sangue, de sede que se inventa.
É lâmina de aço e cinza
Sob cinza cinza e silêncio, acuada
É lâmina com as penas molhadas
De mórbida fênix entre truculentos soldados.
É lâmina, é língua falante
Entre os dentes do guerreiro
No vexame da palavra
Na palavra do vexame. *****
A palavra
Por si mesma
É trabalho.
A palavra também é ócio, e
Por si mesma
É cio.
A palavra é til
Assento agudo
A palavra é grave.
A palavra
É suada
Molha a língua.
A palavra é suave
No pentagrama
Não da a mínima: pausa de tempo infindo.
A palavra
É obtusa
Se se mastiga
É oclusa.
A palavra é reclusa
Entre dentes
Enamora língua e silencia.
A palavra recusa
Entre lábios
Outras línguas.
Entre dentros
A palavra
Só se mostra no escuro.
A palavra
É lavra desconhecida
Aventura dizeres
A pá
(Lavra) a terra
Encerra o código.
A palavra é alimento
Que sai da boca
Cimento e verbo.
A palavra é livro
A palavra é espelho ambíguo
De imagem e transparência
De abismo!
A palavra é buraco
Buraco no vazio
De autor desconhecido.
A palavra
Lavra e trava.
A palavra é brava
Não tem limite
Não tem cava.
A palavra escrava
Se aperta incisiva
Entre um amor canino e uma mordida.
A palavra induz
Ela flexiona
Avessa a língua, traduz.
A palavra engendra
Aficciona-se hermafrodita
Seduz.
A palavra
individualiza…
Dar forma. Deforma.
A palavra fala
A palavra falo: como filha de Zeus, como filha de mnemósine
É estátua de lira e rosas: É Érato.
A palavra é poderosa!
A palavra excita…
A palavra goza.
Palavra é arma!
Combate! Salva argumentos
Molda. Estica. Erística.
A palavra sai!
Da boca, de bonde…
Vai prá onde?
*****
Um modo de dizer Manoel
A foto sob as raízes vivas
Parece ensaio de palco e tempo
Sincopado na memória nas folhas
Nos estômatos pulsando
Os seus outonos laranja dançando aos ventos
Os gomos pores de sol
Os bagos gordos nas tardes cheias de garças
A graça das garças pescando
Suave brancura das penas no horizonte
E a lua mexendo no alto.
Manoel de argila
Manoel das terras vermelhas
Das terras pretas, Manoel
De barro, Manoel de Barro
Feito de barro, Manoel
Manoel íngreme de montanha
Manoel de todos os solos
Das areias coando o mundo
Manual das coisas ‘desfazidas’
Ora já desfeitas
Ou por fazer-se do ovo
Um rio, um assovio
Manoel total
Esse Manoel Wenceslau.
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