terça-feira, 11 de abril de 2023

Josafá de Orós

 Josafá Paulino de Lima nasceu em Oros-CE e reside em Campina Grande-Pb desde a década de setenta. É poeta, sociólogo, artista plástico e produtor cultural. Tem sido premiado nacionalmente e muito reconhecido como gravurista. Recebeu o título de Embaixador da Palavra conferida pelo Museo de la Palabra e pela Fundación Cesar Egidio Serrano de Madrid.



A OUTRA CARTA A ILSE BLUMENTHAL-WEISS
a R.M. Rilke e aos ciganos (nômades do pensamento e da imaginação)

.

Hoje novamente eu assediado e aos pés das mil páginas da poesia olho pros olhos de Wera Ouckama Knoop e me penso chama flâmula cigana de vermelho e sangue

.

chama doida me chama entre o vestido e os seios sopros de seda e mel avoantes mouros

.

bebo a imaginação e o caos////////// onda de crista e sal, mar de púbis nas entranhas do mistério

.

vou me perder em sua boca naufragar em palavras inventadas voar, corcel negro os seus flancos vazios os alados pensamentos de patas fincadas no infinito.

.

nos meus olhos névoas mornas são imagens e são grânulos do deserto e são viveres sob os pés de viandantes berberes a perderem entre cheiros e paredes outros ares, suas asas noutra torre do castelo de Duíno. *****

A FACA QUASE POLÍTICA
A João Cabral de Melo Neto


Mais uma faca só lâmina

Lamina bem fino o genoma

É lâmina que corta fundo

A ponta rombuda da política.


É só lâmina o aço

De espelho frio cortante

Na imagem do corpo cego

O corpo cego e gritante.


É só lâmina o aço

De frio gume amolado

Da língua afiada e de sangue

A lâmina de aço cortante.


É só lâmina e sem cabo

O doce metal da morte

Com os cravos atravessando a madeira

E são cravos da própria sorte.


Emerge do poço fundo e escuro

A faca de fino brilho

E cega seu brilho em cor

De sangue, de fino golpe indolor.


Emerge entre rastros, pegadas

De rastro frio, incolor

Que não reflete na lâmina

Que não tem forma, nem cor.


Um braço furtivo, forte eclode

No silêncio tenso do corpo

Empunha bandeira da morte

Sob lenço da lâmina só faca.


É só lâmina o aço

O ferro de ferrar gente

Que ferra papel na história

Papel de pele seca

Celulose da própria gloria.


É só lâmina a afiada lâmina

Tirando os pelos do mundo

Deixando lisa a pele

De pelo afiado unânime.


É só lâmina a lâmina

E sem cabo não tem memória

No ato que se repete

Punhal de palavra que engasga.


Lâmina de aguçado mergulho

Arqueológica adaga

Que vasculha o sujeito

Em seu museu de víscera, insulto e palavras.


Lâmina só lâmina afiada

De língua feroz e sedenta

Com sede de língua calada

De sangue, de sede que se inventa.


É lâmina de aço e cinza

Sob cinza cinza e silêncio, acuada

É lâmina com as penas molhadas

De mórbida fênix entre truculentos soldados.


É lâmina, é língua falante

Entre os dentes do guerreiro

No vexame da palavra

Na palavra do vexame. *****


A PALAVRA LAVRA



A palavra
Por si mesma
É trabalho.

A palavra também é ócio, e
Por si mesma
É cio.

A palavra é til
Assento agudo
A palavra é grave.

A palavra
É suada
Molha a língua.

A palavra é suave
No pentagrama
Não da a mínima: pausa de tempo infindo.

A palavra
É obtusa
Se se mastiga
É oclusa.

A palavra é reclusa
Entre dentes
Enamora língua e silencia.

A palavra recusa
Entre lábios
Outras línguas.

Entre dentros
A palavra
Só se mostra no escuro.

A palavra
É lavra desconhecida
Aventura dizeres

A pá
(Lavra) a terra
Encerra o código.

A palavra é alimento
Que sai da boca
Cimento e verbo.

A palavra é livro
A palavra é espelho ambíguo
De imagem e transparência
De abismo!

A palavra é buraco
Buraco no vazio
De autor desconhecido.

A palavra
Lavra e trava.

A palavra é brava
Não tem limite
Não tem cava.

A palavra escrava
Se aperta incisiva
Entre um amor canino e uma mordida.

A palavra induz
Ela flexiona
Avessa a língua, traduz.

A palavra engendra
Aficciona-se hermafrodita
Seduz.

A palavra
individualiza…
Dar forma. Deforma.

A palavra fala
A palavra falo: como filha de Zeus, como filha de mnemósine
É estátua de lira e rosas: É Érato.

A palavra é poderosa!
A palavra excita…
A palavra goza.

Palavra é arma!
Combate! Salva argumentos
Molda. Estica. Erística.

A palavra sai!
Da boca, de bonde…
Vai prá onde?




*****



Um modo de dizer Manoel

A Manoel de Barros


A foto sob as raízes vivas

Parece ensaio de palco e tempo

Sincopado na memória nas folhas

Nos estômatos pulsando

Os seus outonos laranja dançando aos ventos

Os gomos pores de sol

Os bagos gordos nas tardes cheias de garças

A graça das garças pescando

Suave brancura das penas no horizonte

E a lua mexendo no alto.


Manoel de argila

Manoel das terras vermelhas

Das terras pretas, Manoel

De barro, Manoel de Barro

Feito de barro, Manoel

Manoel íngreme de montanha

Manoel de todos os solos

Das areias coando o mundo

Manual das coisas ‘desfazidas’

Ora já desfeitas

Ou por fazer-se do ovo

Um rio, um assovio

Manoel total

Esse Manoel Wenceslau.






Nenhum comentário:

Postar um comentário

Envie poemas, minibio e foto para o e-mail lausiqueira@yahoo.com

Adriano Cabral

 Adriano Cabral de Sousa nasceu em Santo André-SP e reside em João Pessoa-Pb. Cursou Letras na UFPB e integra o Coletivo de Teatro Alfenim d...