quinta-feira, 20 de abril de 2023

Raquel Medeiros

Raquel Medeiros paraibana residente em Olinda. Segundo ela própria, talvez seja poeta. Em 2021 datilografou, costurou e lançou sua primeira publicação independente, máquina, entre rede, cachorras e jiboias.







lavanda


eu sei, sei que foi-se. foda-se.
não posso consertar o vaso do tempo, te pagar
um tratamento naquele filme do gondry.
já tomou cachaça ouvindo uma daquelas músicas
bem cafonas, de filme dos anos 80?
vem um trator que passa por cima de frente e
não contente, também passa de ré.
a cachaça e a música cafona. o trator.
a pessoa canta se partindo


I wanna know what love is
I want you to show me


não tem sentido. nada tem.
outra noite sonhei a gente numa praia
tu passando uns galhos de lavanda nas minhas costas
minha nudez de um pouco mais de um metro e meio de altura
horrorizava as senhoras que cobriam os olhos
das crianças recém caídas de montes de vênus
mais preocupadas com as ondas e suas piscinas
de um pouco mais de um metro de diâmetro

 

planta lavanda no meu peito
eu te pedia
e acordei.




*****



maria flamba
na cachaça melhora
e piora
como em qualquer
substância que tente
remediar.




*****




o poder de algumas palavras

 

toda vez que eles trazem a palavra

estupro

uma mulher se contorce de dor

uma mulher implora que parem

uma mulher sufoca em silêncio

uma mulher grita de pavor

uma mulher soluça de medo

uma mulher cai fraca sobre as próprias pernas

uma mulher se lava com tanta força que fere

uma mulher se fere com tanta força que sangra

uma mulher não dorme

uma mulher não acorda

uma mulher agoniza

uma mulher morre

 

toda vez que eles ofertam a palavra

paz

nada acontece pois

não praticam.




*****




os ancestrais na montanha
pela certeza do lugar que ocupam
nos pés, um aviso
as pedras pressionadas
em volta do fogo
se roçam se estranham
se partem
na água se bebe e mergulha
se afoga do alto
se abisma
no coração da terra
sopra a dança que se anuncia
movimento ascendente
em cada uma das folhas das minhas
costelas
será que o tronco aguenta
aquela ventania no olho
do cavalo que levanta as patas dianteiras
nas firmes raízes do ventre do mundo?
os ancestrais na lua cheia
uivam onde a alma escuta
o umbigo é um vale
todo bicho é um ímã.




*****



 

mas quem se importa com poesia
no preço que a gasolina está
pra que serve alguma rima ou remo
se maria mal consegue
se equilibrar
na terra instável do ônibus sacode
vai e volta e nem sabe como voltar e ir
no outro dia o mesmo café preto
no oco do peito cansado da cabeça cheia
quem realmente se importa, maria?
de que adianta a poesia?
acabou o gás.

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