segunda-feira, 17 de abril de 2023

Jackson Agra

Jackson da Costa Agra (1947-1978) nasceu em Campina Grande-Pb, foi professor universitário (FURNE), aluno do mestrado em Letras da UFPB e um dos editores da revista Garatuja. Visceralmente poeta deixou-nos um legado literário de rara densidade lírica, épica e flosófica. 



POEMA TRÊS

A cara do dia
No estranho segredo
Carrega a magia
Do sonho e do medo

A rima vazia
No espaço do enredo
Repete à tardia
Palavra, arremedo.

A escrita faria
No auge do enlevo
A fala, avaria
Sair, sem ter medo.




*****





ODE MORDAZ

Jamais ficarei chorando no porto
qaundo a última mão der o último adeus:
a última mãomagra e já de longe alva,
no último navio, no último barco no fim do tempo:
o tempo, esse recôndito inimigo
apagador de alegrias, canceroso na tristeza.

A pureza, para que a quero se ela não me serve?
Para que vou andar a procura do que é puro se
em todos os lugares tudo é sujo?
Para que vou procurar a brancura se 
em volta tudo é negro?
Para que vou me preocupar com a beleza se
tudo que há é feio?
Não. Não quero mais saber de início.
Tudo é fim, decididamente fim.
Nem Bandeira, com sua alma plena conseguiu
apagar o foz do quadro.
Nem ele conseguiu deixar de pensar na morte absoluta.
Pasárgada não era o roteiro da alegria, mas
uma fuga à tristeza.

O tempo com suas reentrâncias nunca me ensinou
como desvendear-me.
Em todos os lugares onde passo tudo é vida e
tudo é mentira.
Nunca consegui ver um olhar sincero
pelo menos um verdadeiro.
Nunca consegui quem me fizesse deixar de pensar
no que sempre pensei.

Sempre houve qualquer coisa no ar
de indeciso, de imaturo.
Sempre houve qualquer coisa na vida que
não se sabe se é vida.
E eu não consigo ver vida na morte.

Em todas as visões que eu pensei
estar sendo real, nunca consegui ver-me inteiro e único.
Sempre fui parte de tudo, de tudo que é imundo e podre
de tudo que é imundo e podre.
A salvação é apena uma palavra que nunca se conseguiu esclarecer.
A seleção nunca foi feita nem poderia ser porque tudo é igual.
A poesia também serve para fuga para imoralidade e crueza,
e não poderia deixar de ser o que é, para ser o contrário
como sempre se pensou.

Quando a última mão balançar o navio
não haverá choro
porque não houve porto.

Com mais dois ou três goles de paciência
eu poderia suportar a ideia de uma mesa vazia.
Eu poderia suportar a ideia de ficar sozinho,
à espera de que alguém atendesse e entendesse
a minha solidão oca causada por nada.
Mas paciência não se vende em goles e mesmo
com outros a minha mesa está sempre vazia.

Queria que o porto voltasse e abrisse as suas portas para que
eu, o navio desgovernado, pudesse atracar.
Queria que o porto tivesse mãos lisas e cabelos louros, pele branca e
bronzeada. Queria que o porto fosse porta pelo menos no pensamento
Alheio. Não importaria que eu mesmo visse no porto apenas o porto
porque eu sei que ele teria mãos e ne afagava; teria olhos e me olhava;
seria humano e me amava.
Mas não haverá porto que possa suportar a ideia de uma dor metafísica
e não há dor que possa compreender o segredo de um homem sujo,
decididamente sujo.

Não haverá porto porque não houve coerência
nem nas minhas ações nem nas ações de ninguém.

(Algum dia nós nos encontraremos num tempo de vida, de morte ou 
de desencontros. E então tudo será mais fácil de entender porque não
haverá olhares por trás de portas e janelas nem mais de cem cérebros 
atentos a mim.)

Por enquanto eu prendo a atenção de mais de cem cérebros
Por enquanto eu já estou cheio de todos eles.
Por enquanto há uma cidade interiorana,
                            sem passado histórico,
                            sem luzes européias,
                            sem rios famosos,
                            sem fama de nada.
Apenas uma cidade onde as mulheres costumam parir e arrumar a casa
dez vezes por dia e
os homens trabalham a semana e bebem o domingo.

Não ha porto que possa suportar a ideia da loucura.
Toda loucura fede a desenganp e cheira a esperança.
Mas esperanã e desengano não são dois extremos que nunca se                                                                                       [encontrarão. 
Não há encontro que possa remediar todos os desencontros existentes.
E não há existência desencontrada que possa pensar em termos de vida.

Vida, porcaria vida.
Por que te quero se te tenho e não te desfruto?
E para que me queres se não te serves de mim?
Por que não queres que eu me desfaça?
Por que não desfazes todas essas fezes que te rodeiam?
Por que não tratas logo de encontrar alguém com quem te possas                                                                                             [repartir?

Mas onde conytram-se todos os motivos que me faziam feliz                                                                                         [antigamente?
Foram tão bosn que eu os esqueci
Numa manhã chuvosa numa tarde calourenta num bar sem bebida.

Onde estão todos os que eu não encontro e não procuro?
Por que eu procuro se ninguém vem a mim?
Dois olhos de espanto estão batendo.
Dois olhos de espanto são bastantes para ver o mundo.

O mundo está se escondendo em capas douradas em corpos vermehos
                                            em cadeiras desconfortáveis.

Mundo e vida e céu e terra
Cidade e rua, porto e espera.

    DAS ESPORAS DOURADAS DO CAVALO ALADO
    EU CONTEMPLO PASSANDO O TEMP0;
    EU NA MINHA CAVERNA E A VIDA NO PALÁCIO DE FUMAÇA
         TENTANDO DISFARÇAR QUE É REAL.




Fonte: Revista Garatuja Ano III Nº5 - Campina Grande Outubro de 1982


                     


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