domingo, 23 de abril de 2023

Angelo Rafael

Angelo Rafael Bezerra de Farias nasceu em Campina GRande-Pb, onde ainda vive. Estudou Artes Plásticas na UFPB de onde migrou para a Itália com uma bolsa de estudos da Organização dos Estados Americsanos e da Cooperação Italiana ao Desenvolvimento para especializar-se em Design de Moda. Publicou Os homens do Couro e A casa das bocas pintadas d encarnado. Atualmente dirige o Museu Assis Chateaubriand da universidade Estadual da Paraíba.




EU SEMPRE ANDEI A PÉ


O QUE DIZER
Da beleza efêmera
Que o teu criador
Te presenteou?

É tão fugidia,
Tão rápida,
Como distante cometa,
Ou como as prímulas de primavera.
Que florescem de madrugada
E perecem ao entardecer.

O corpo,
Envoltório de algo eterno
Que não se vê.
Cadê?
O pé cadê?

Esquecemos da alma
E do seu tempo
De adoração.

Centésimos de segundos
Perdidos,
Jogados fora,
Ao léu, ao céu.

Diante dos espelhos
Que refletem
A nossa 
Mendicância pelo belo;
A negação,
De nossos impulsos.

A criação?

O que somos ao criar
Diante do fiemamento?
De uma nebulosa,
Nuvem gasosa
Que longe está?

Diante da abóbada estrelada,
Do rio perene,
Dos cabelos de Tia Irene,
Do córrego que evapora no ar?

Ou do sol que se espedaça
Em raios,
Vermelhas facas
Cortantes no oeste,
Entrantes,
Na gaia celeste
Das profundezas do mar?

Somos nada não Seu Zé!
Pra quê chinelo?
Eu sempre andei a pé!

Pés no chão!
Do chão bolhas e espinhos,
Acolhi nos meus caminhos,
A sina, a hora e a fé!




*****




A ARMADURA DE COURO


PARTO EM GALOPE RASO
Montando Furacão.

Passo porteira,
Galopo,
Esporo,
grita o relho.

Entro na teia fantasmagórica de galhos secos
Mas vivos,
Garras de assombração.
que me atentam
Para derrubar-me
De medo, mas
Medo não tem
Quem nessas paragens nasceu
E da raiz do umbuzeiro bebeu
A água da vida
Salvação!

Venho do vermelho,
Do branco,
E de fartos peitors negros.
Venho forte, arredio,
Desconfio!
De esmola, desafio!

Meu olhar busca os rabos
Das reses soltas
Fugidas.
Desgarradas e loucas,
Perdidas e embrenhadas,
Nos rasos e nos lejedos,
Atoladas em imaginários barreiros.
Espinhaços, espigões
E caatingas.

Chapéu me protege,
Barbichacho arrochado
Quase sangrando o queixo.

Rio! Gargalho!
Seguro as rédeas
Aperto as pernas cobertas
Com macio e forte
Couro morto que vive,
Para cobrir outro
Humano.
Meu gibão riscado,
Esfolado pelos espinhos,
Conta a história de meus irmãos
Sem monogranas,
Outros caminhos.

Meu guarda peito me cinge
Em cruz Ave Maria!
Me livre dos males,
De todos,
Das almas penadas,
Das doenças, das cobras
Envenenadas!
Das aves gigantes que espreitam
As carniças humanas
Que não valem nada!

Corto o dedão mostrando xô-boi
Lá se foi a unha.
Infecção!
Romã.
Emplastro de banha.
Cura
Tem nada não!

Canto o búzio,
Do chofre de Trovão,
O mais brabo guerreiro
Que durou até então.
Toco a boiada
Ajunto.
Longes companheiros
Chegam.
É tarde e o sol
Se espreguiça de vermelho.

Aboio! Lamento
Não, acalanto,
Alegria em forma de canto.

Tange todos, fecha porteira.
Empaliçada me cobre a nudez
Cansada!
Banho de cuia,
Água fria.
Na mesa posta
Coalhada, queijo,
Carne-seca e batata
Doce, uma arrelia.
Rede tecida no tranco
Forte como eu,
Me embala.
Zezinho canta,
Viola estala.
Sonho gato do mato
Maracajá,
Jaguatirica.
Só estou, sem mulher,
Só mãe,
E Luzia,
Lá dentro
No quarto,
Entoando benditos,
Puxando o terço,
No oratório dos Trajanos
Deixado após morte
De Maria madrinha.

De um lado sela
De Trovão,
Do outro
Minha armadura
Dourada, cansada respira
Repousa como eu,
Guerreira, vencida,
Pelo cansaço
Pela sina
Feliz,
Doce, 
E menina.




*****



ZABÉ DA LOCA


ENCONTREI PEDRA DE ANIL
Nos olhos de Zabé.

Queria ser silvo mavioso dos pífanos,
Ecoando nas pedras
Casa de moarada , de sonhos.

Será doce alegria parir
Na loca de raposa, mocó, preá?

Teto escuro, pintado,
Por ancestral pajé, índio, caboclo
Sentado?

Fogo eterno, tirna, de panela
De barro.
Sangue de galinha,
Cal.

Desenho de bicho,
Sol,
Lua e estrela.

Eternizaram-se plantas, folhas,
Flores.
Flor de algodão,
Cor de terra.
Telha, folha frágil, verde folha.
Travesseiro de alecrim,
Cama macia de esposa.
Lagartixa, besouro azul
Lastro do caminho,
Do caracol dos teus olhos,
Casa aos olhos do bicho,
Caramujo pra minha íris.

Ah, Zabé!
Queria ser feliz e doce como tu.

Com teus vestidos de cor e botão,
Chinelo de couro de bode
Arrastando granito pedra bonita,
Pano na cabeça,
Adorno dce ponto cheio,
No xale encardido de barreiro.

As flores, as folhas e os ventos,
Borboletas, zig-zig voando
Com vontade de comer,
Trovões e horizonte barreando,
Arco-íris para a tua cabeça.

Diacema de sete estrelas,
Sete sinas,
Sete filhos.
Cada ponta sete vezes sete,
São os perdões divinos,
Cantados nas novenas,
Ladainhas,
Treze de maio,
Dezenove de março.
Costuro tudo
Lembranças, devaneios,
Nostalgias não vividas.
Colcha de retalhos
Pedaços de tua história.
Dou-te  como mimo
Minha vontade de ser
Como tu, na tua casa
De terra, que graça,
Que riso o não ter!






 



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