quinta-feira, 20 de abril de 2023

Luiza Gadelha

Luísa Gadelha nasceu em João Pessoa-Pb onde ainda vive. É graduada em Letras, mestra em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba e doutoranda em Estudos Literários e Feministas pela Universidade do Porto. Servidora da UFPB, também escreve sobre literatura e é editora do site de poesia Zona da palavra. Tem poemas publicados em revistas brasileiras e portuguesas. 




as madrugadas insones servem para guardar as roupas secas penduradas no varal lavar a louça acumulada do dia limpar a caixinha do gato - eventualmente acarinhá-lo um pouco ouvir o silêncio mudo que ronda a vizinhança alheia e adormecida e um grilinho aqui, outro acolá enquanto pensamos em todas as (des)esperanças e desesperos e esperas da bolha do mundo




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incômodo com as minhas pestanas a minha avó, natural de areia, foi tida por muitos por oriental é que ela tem olhos pequenos como as gotinhas d’água que desenhamos na infância ou aquelas bolinhas de gude que costumávamos atirar — nunca aprendi este jogo os meus olhos já nem são puxados à moda asiática apenas diminutos e, onde se deveriam contemplar os cílios, apenas uns poucos fios, salpicados, sem tamanho nem volume – o que impede e ridiculariza qualquer tentativa de maquiagem este detalhe, contudo, não é o que mais me incomoda afinal nunca fui grande entusiasta de fantasias (exceto os devaneios oníricos) o embaraçoso é: será o meu olhar capaz de transmitir todo o sentimento do mundo?




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ansiedade é a gente surrupiar toda a sensatez sugar o ceticismo se sabatinar, auto-sabotar serpentear por futuros absurdos e quem sabe possíveis, mas improváveis. suportar sozinha as situações sonhadas de desalento é desesperar no abismo insegurar nas possibilidades se saciar na insanidade.




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O período mais duro Mais trôpego, mais triste, mais traste Foi aquele inverno nos jardins De Sophia de Mello Breyner Andresen Em que esqueci os instantes que vivi – e os que não vivi – Junto ao mar. O Porto era então todo cinza Todo cinzas Gélido, úmido, sufocante Tinha mesmo sido Um lar? E mesmo nos jardins De Sophia de Mello Breyner Andresen A trégua era só para um suspiro Um soluço, um sussurro Uma contemplação das roseiras já murchas Que um dia pertenceram a Sophia – agora já éramos íntimas, separadas apenas pelo tempo – Sophia que um dia disse: “O Porto é o lugar onde para mim começam todas as maravilhas e todas as angústias.”




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animula vagula blandula (nos versos do imperador adriano): essa alminha errante completa hoje trinta e três voltas ao redor do sol (me perdoem os geocêntricos) trinta e três: a idade de cristo (me perdoem os céticos)
quatro, quase cinco renovações totais
de todas as células do meu corpo
(me perdoem os criacionistas)
33 primaveras de mentira,
(aliás, 30, porque 3 passei fora do país)
(e porque em joão pessoa não há estações do ano)
e, no entanto,
me pergunto o que resta daquela menina
que brincava de barbies
neste corpo quase irreconhecível
naquela menina que
teve uma infância
ordinária
trivial
e vulgar
como quase todas as outras meninas
em todos os lugares
e todas as épocas
me pergunto o que resta
de mim
neste estrangeiro
corpo
que deixa de responder,
lentamente,
aos meus comandos
que esbranquiça as poucas madeixas
que não caíram
que escurece o entorno dos olhos
contra minhas ordens de repouso e trégua
que transforma alguns órgãos
em pequenos invólucros
de sentimentos
uma carcaça carregando
frágeis saquinhos de
amores, esperança, mágoas
um pouquinho de inveja,
algumas frustrações e
borboletas, balões, docinhos açucarados
o saquinho do entusiasmo
infla, seca e retoma
num eterno ciclo
em sintonia com a respiração,
elevando os seus juízos e inventos
o coração, esse órgão preferido dos apaixonados,
não sei que assombros carrega
sei apenas que, dentro deste saquinho em particular
carrego vários outros saquinhos
daquelas e daqueles que passaram dentro mim
citando cummings:
i carry your heart with me
(i carry it with my heart)




Fonte: 
Poemas Paraíba | MAPA BRAVA

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