segunda-feira, 24 de abril de 2023

Orlando Tejo

 Orlando Tejo (1935-2018) nasceu em Campina Grande-Pb. Poeta, advogado, ensaísta, jornalista, folclorista e professor. De sua autoria: Conceição 63; Impasse; Soneto dos dedos que falam, e Zé Limeira: O poeta do absurdo.




Soneto Dos dedos que falam


 

Que importa que foguetes cruzem marte

E bombas de hidrogênio acabem tudo,

Se aos meus dedos, teus dedos de veludo

Ensinam que o amor é também arte?

 

Não desejo mais nada além de amar-te

E em êxtase viver, absorto e mudo,

Sorvendo da ternura o conteúdo

Que antes te buscava em toda parte!

 

Esses dedos que afago entre meus dedos,

Que acaricio a desvendar segredos

De amor nestes momentos que nos prendem,

 

Têm qualquer coisa que escraviza e doma,

Porque teus dedos falam num idioma

Que só mesmo meus dedos compreendem!




*****

 

 

Conceição 63

 

Rua da conceição, sessenta e três

(a artéria tem o ar de um cais comprido)

aqui, anos sem fim tenho vivido

buscando a infância azul que se desfez.

 

Talvez seja isso um sonho, mas talvez

este meu velho abrigo tenha sido

da mesma argila minha construído,

porque é a mesma a nossa palidez!

 

Ele a mim se assemelha: é ermo e trist.

No jardim, no quintal, no chão, no teto

em tudo a mesma semelhança existe.

 

No tempo, entanto, aos céleres arrancos,

o seu telhado vai ficando preto

e os meus cabelos vão ficando brancos




*****

 

 

 

Impasse

 


Se ficar onde estou não faço nada,

Se sair por aí corro perigo,

Se me calo minhalma é sufocada,

Se disser o que sei faço inimigo...

 

Se pensar vou trair a madrugada

E se sonho demais vem o castigo,

Se quiser subo até o fim de escada,

Mas precisa brigar, e eu não brigo!

 

 

Se cantar atropelo o contracanto,

Se não canto maltrato o coração,

Se me faço sofrer me desencanto,

 

Se reprimo o ideal perco a razão,

Se perder a razão, resta-me o pranto

E meu pranto não faz uma canção.




*****




Conceição 63



Rua da conceição, sessenta e três
(a artéria tem o ar de um cais comprido)
aqui, anos sem fim tenho vivido
buscando a infância azul que se desfez.

Talvez seja isso um sonho, mas talvez
este meu velho abrigo tenha sido
da mesma argila minha construído,
porque é a mesma a nossa palidez

Ele a mim se assemelha: é ermo e triste.
no jardim, no quintal, no chão, no teto
em tudo a mesma semelhança existe.

No tempo, entanto, aos céleres arrancos,
o seu telhado vai ficando preto
e os meus cabelos vão ficando brancos.




*****



“NÃO AGUENTO MAIS”

 

Eu saí da Paraíba,

Minha terra tão brejeira,

Pra fazer publicidade

Na Veneza Brasileira

Onde a comunicação

É toda em língua estrangeira.


É uma ingrizia só

O jeito de se falar

O que a gente não compreende,

Passa o tempo a perguntar

E assim como é que eu vou

Poder me comunicar?


É bastante abrir-se a boca

O “inglês” fala no centro,

Nessa Torre de Babel

Eu morro e não me concentro

Até parece que estamos

De Nova Iorque pra dentro!


Lá naquele fim de mundo

Esse negócio tem vez

Porque quem vive por lá

O jeito é falar inglês,

Mas, se estamos no Brasil

Tem que falar Português!


Por que complicar a guerra

Em vez de se esclarecer?

E se “folder” é um folheto

Por que assim não dizer?

Pois quem me pedir um “folder”


Eu vou mandar se folder.

Roteiro é “story board”

Nesse vaivém estrangeiro,

Parece até palavrão

Que se evita o tempo inteiro

Porque seus filhos das putas,

A gente não diz roteiro?


Estão todos precisando

Dos cuidados do Pinel

Será feia a nossa língua?

É chato nosso papel?

Por que esse tal de “out door”

Substituir painel?


É desrespeito à memória

De Camões que foi purista

Esse massacre ao vernáculo

Não aguenta o repentista

Pois chamam “lay out-man”

O homem que é desenhista!


Matuto da Paraíba,

Aqui juro que não fico,

Onde até se tem vergonha

De um idioma tão rico

Por que chamar de “free-lancer”

Um sujeito que faz bico?


Publicidade de rádio

Apelidaram de “spot”

E tem outras besteiradas

Que não cabem num pacote.

Acho que acabou o tempo

De acabar esse fricote!


Por exemplo: “body type”

“Midia”, ”top”, “merchandising”,

“Checking list”, “past up”

(Que se diga de passagem)

“Briffing”,“Top”, “Marketing”,

Tudo isso é viadagem!


Já é hora de parar

com esse festival grosso

Para que o nosso idioma

Saia do fundo do poço.

Pra isso eu faço esse “raff”,

Isto é, perdão, esboço!

 

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