Amanda Vital nasceu em Ipatinga-MG, morou em João Pessoa onde cursou Letras na UFPB e atualmente vive em Portugal onde cursa mestrado na Universidade Nova de Lisboa. É editora adjunta da revista Mallarmargens e da Editora Patuá. É autora dos livros de poemas "Lux" e "Passagem". Seus poemas podem ser encontrados em diversos espaços virtuais. Participou de antologias como Ventre Urbano e 29 de abril, entre outras.
bastidores
há dez anos eu era magérrima e tão triste
tomava laxante contava calorias como se
contabilizasse minhas economias tinha já
minha escova de dentes pronta para usar
depois do almoço mas usava ao contrário
tinha fotos de atrizes também magérrimas
e tristes coladas de cima a baixo no quarto
na frente do guarda-roupa no caderno nas
paredes murchava a barriga ao espelho eu
sonhava como ficaria com minhas costelas
furando a carne fina e despontando na pele
eu queria ser leve a ponto de ser carregada
pelo primeiro vento que soprasse mais forte
e no fundo no fundo não era pelo incômodo
não era por carência nunca foi pela estética
no fundo eu queria mesmo era voar e sumir
*****
cantou tanto de galo
que se esqueceu
dos milhos
e as galinhas, espertas,
encheram o papo
*****
ajeite o ninho
que ainda
não sei voar
só abro asas
quando a saudade
me deixar
*****
princípios
“é uma poesia sem propósito”, dizem eles,
“essas que descrevem as casas, os bichos,
as pessoas, as saudades”. eu os conheço e
tento perceber a sede pela complexidade e
pela melopeia, pela filosofia e pelo sublime.
mas os dias se fazem tão bem em poemas
assim, malditos; a vida acontece cotidiana
atrás dos olhos de uma ave, entre o escuro
e o primeiro berro. conhecer tanta gente e
tantos lugares como se eu fosse os poetas
ou a própria poesia. um verso acabando no
mijo do cachorro, na falta de moedas, entre
o vão da escada e o risca-faca do bairrinho.
se falta algum propósito, passa já a existir:
um fragmento de vida sendo a vida inteira
*****
confessionário
minha verdade só entra pelas frestas: impaciente
e doida ricocheteando contra filtros teias bordas
como uma senhora agoniada nos fundos de uma
igreja junto à parede externa do confessionário a
chorar a sorrir com olhos fixos na barra da batina
do padre e os dedinhos furando as grelhas: entra
estrambólica como uma beata reclusa há décadas
dentro do próprio peito a gestar cabelos brancos
e uns pés de galinha gigantes ao redor dos olhos
a levar ovos numa sacola de plástico reutilizável a
direcionar guinchos sem coerência a quem passa:
já que isso de beleza e de elegância é para outras
mulheres o que é meu eu levo guardado no bolso
em papel envelhecido escrito em caneta bic preta
para mostrar e ler aos outros na parada de ônibus
mas é de uma feiurinha tão agradável que até dói
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