quinta-feira, 20 de abril de 2023

Eliza Araújo

 Eliza Araújo é poeta radicada na Paraíba  Professora, poeta, amante de literatura e amadora no canto. Seu primeiro livro de poemas foi Segredo de Estado de Espírito (Editora LiteraCidade, 2014) e o segundo, Lusco-fusco (Editora Escaleras, 2018). Faz doutorado em literatura afro-brasileira e afro-americana na Universidade Federal da Paraíba.


is aura

o endereço do meu peito é camisa
pano puído gasto no tempo
roupa do corpo pronta pra vestir
acerto de moda na nódoa

auréolas os mundos chovem
mamilos as curas desenham
pintas marcam pontos de encontro
contato
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀e deságue

quando te encontro as conchas
palavras somem e uma festa me sobe o cerne

o endereço do meu peito é tua cabeça:
cidade às vezes erma onde busco morar insone
in⠀⠀⠀⠀⠀trusa
in ⠀⠀⠀⠀ transe




*****

bojo

um dia disse
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀- a vida é, na verdade, o que fazemos de nossas saudades

quis retirar o dito
resgatar imediatamente o fio do sentido
como pondo pausa a um beijo sem encaixe
em que línguas e batons não se entendem
quando dedos tilintam sem ritmo
dentes
se chocam em acidente

meu medo era
verdade
em pleno pelo sobre a pele
morno em sol de dia útil
aceso em pincelados buracos da sombra entregalhos

correr dela não podia, mas desdizer à maneira possível de
fingir estrago e tropeço
usando de um melhor dito que queria não-dito para não enfrentar
verdade ~

eu enfrento saudades em guerra sangrenta
depois durmo embolada nelas
a cada reza as ponho no prato ao centro do altar
cada dia mais fundo nas gavetas de toda a trouxa do que lembro

eu canto à liberdade, ilusão,
presa em saudades
sau
dosos teus dedos
no côncavo esquerdo de minhas costas



*****


 

[lembra: o mar]

 

não nos achamos nos idos dos anos 90
vimos os anos longe, mas debaixo do mesmo sol
as músicas marcaram momentos

            como cravos escavam madeiras
            mudar as formas foi te ter nos círculos
            e na memória afetivo-olfativa 
            da infância que agora chamo afã

os locutores de rádio
matavam nossas cuidadosas listas de música nas K7
com palavras descartáveis interrompendo o fade out das músicas –
eu vejo teu olhos nas fotos 
e  te amo porque me encontro
na tua desmedida maneira de amar os seus 

            voltar às origens
            e chorar com canções

 você me viu navegar com amores que foram minha pele
não os compreendo agora, mas foram-se como os anos
e restou um corpo mudado
menos cabelos na cabeça
            e um torso que segura na boca do estômago as emoções

te encontrar te reencontrar te encontrar
é tipo ir de barco a Picãozinho
meter a cabeça entre os peixes e saber como respirar
            é estranho e divino
            que nossas saudades deságuem no mesmo lugar. 




*****

 

 

naftalina doce

 

na terceira infância minha brincança era silêncio, não dança
os livros livravam dos gritos dissonantes da casa
goiabas vermelhas verdes duras eram razão de subir o pé
entre infância e afã caminho árido
pegar pegar    regra do pega pega
pular pular      regra do pula corda
o primeiro amor varanda
sempre teve dedos     dedos grossos pequenas unhas roídas
cutículas finas sobrancelhas unas
pegar pegar era um lúdico encostar nas suas costas
dormir entre lençóis compartilhados segredada maneira
de sentir o cheiro dos seus cabelos
nossas bocas se conheceram até que não – 

os estilhaços do meu coração recolho ainda
e olho o arranjo:
espelho turvo que é viver e reinventar os pedaços.




*****

berço das avós 

 

te dei aquela canção de Nanã pra quando precisasse recorrer a ela
as mãos cálidas que desenham o sol na terra
podem desenhar linhas no asfalto arabescos no ar 

viajar é criar rotas sobre rodas ou pés
e
nos pontos que embalam
segredos podem ser abertos ponta por ponta
como quem desencobre pacote quem
desentuca lençol ou rodopia e dança

 Nanã velha e criança
dança ao som de naná
e as memórias que mateus revira
ecoam com as pessoas em mim que comungam

quando vieram
os navios mais que cortaram o mar errantes:
costuraram na espuma histórias que de tempos
em tempos nos levantaram
altos como os povos antes –

nas memórias desde a lama
nanã é mistério em gente
que mais que sabe, sente.




Fonte: Poemas Paraíba | MAPA BRAVA


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