Eliza Araújo é poeta radicada na Paraíba Professora, poeta, amante de literatura e amadora no canto. Seu primeiro livro de poemas foi Segredo de Estado de Espírito (Editora LiteraCidade, 2014) e o segundo, Lusco-fusco (Editora Escaleras, 2018). Faz doutorado em literatura afro-brasileira e afro-americana na Universidade Federal da Paraíba.
o endereço do meu peito é camisa
pano puído gasto no tempo
roupa do corpo pronta pra vestir
acerto de moda na nódoa
auréolas os mundos chovem
mamilos as curas desenham
pintas marcam pontos de encontro
contato
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀e deságue
quando te encontro as conchas
palavras somem e uma festa me sobe o cerne
o endereço do meu peito é tua cabeça:
cidade às vezes erma onde busco morar insone
in⠀⠀⠀⠀⠀trusa
in ⠀⠀⠀⠀ transe
*****
bojo
um dia disse
⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀- a vida é, na verdade, o que fazemos de nossas saudades
quis retirar o dito
resgatar imediatamente o fio do sentido
como pondo pausa a um beijo sem encaixe
em que línguas e batons não se entendem
quando dedos tilintam sem ritmo
dentes
se chocam em acidente
meu medo era
verdade
em pleno pelo sobre a pele
morno em sol de dia útil
aceso em pincelados buracos da sombra entregalhos
correr dela não podia, mas desdizer à maneira possível de
fingir estrago e tropeço
usando de um melhor dito que queria não-dito para não enfrentar
verdade ~
eu enfrento saudades em guerra sangrenta
depois durmo embolada nelas
a cada reza as ponho no prato ao centro do altar
cada dia mais fundo nas gavetas de toda a trouxa do que lembro
eu canto à liberdade, ilusão,
presa em saudades
sau
dosos teus dedos
no côncavo esquerdo de minhas costas
*****
[lembra: o mar]
não nos achamos nos idos dos
anos 90
vimos os anos longe, mas debaixo
do mesmo sol
as músicas marcaram momentos
como cravos escavam madeiras
mudar as formas foi te ter nos círculos
e na memória afetivo-olfativa
da infância que agora chamo afã
os locutores de rádio
matavam nossas cuidadosas listas
de música nas K7
com palavras descartáveis
interrompendo o fade out das músicas –
eu vejo teu olhos nas
fotos
e te amo porque me
encontro
na tua desmedida maneira de amar
os seus
voltar às origens
e chorar com canções
você me viu navegar com amores
que foram minha pele
não os compreendo agora, mas
foram-se como os anos
e restou um corpo mudado
menos cabelos na cabeça
e um torso que segura na boca do estômago as emoções
te encontrar te reencontrar te
encontrar
é tipo ir de barco a Picãozinho
meter a cabeça entre os peixes e
saber como respirar
é estranho e divino
que nossas saudades deságuem no mesmo lugar.
*****
naftalina doce
na terceira infância minha
brincança era silêncio, não dança
os livros livravam dos gritos dissonantes
da casa
goiabas vermelhas verdes duras
eram razão de subir o pé
entre infância e afã caminho
árido
pegar pegar regra
do pega pega
pular pular
regra do pula corda
o primeiro amor varanda
sempre teve dedos
dedos grossos pequenas unhas roídas
cutículas finas sobrancelhas
unas
pegar pegar era um lúdico
encostar nas suas costas
dormir entre lençóis
compartilhados segredada maneira
de sentir o cheiro dos seus
cabelos
nossas bocas se conheceram até
que não –
os estilhaços do meu coração recolho
ainda
e olho o arranjo:
espelho turvo que é viver e
reinventar os pedaços.
*****
berço das avós
te dei aquela canção de Nanã pra
quando precisasse recorrer a ela
as mãos cálidas que desenham o
sol na terra
podem desenhar linhas no asfalto
arabescos no ar
viajar é criar rotas sobre rodas
ou pés
e
nos pontos que embalam
segredos podem ser abertos ponta
por ponta
como quem desencobre pacote quem
desentuca lençol ou rodopia e
dança
Nanã velha e criança
dança ao som de naná
e as memórias que mateus revira
ecoam com as pessoas em mim que
comungam
quando vieram
os navios mais que cortaram o
mar errantes:
costuraram na espuma histórias
que de tempos
em tempos nos levantaram
altos como os povos antes –
nas memórias desde a lama
nanã é mistério em gente
que mais que sabe, sente.
Fonte: Poemas Paraíba | MAPA BRAVA
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