Jomar Moraes Souto nasceu em Santa Luzia do Sabugi-Pb. Escreveu o clássico Itinerário Lírico da Cidade de João Pessoa, Agrarianas e outros poemas escolhidos. Possui uma vasta fortuna crítica. Formado em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Recife.
Festa Nordestina
As mesas estavam postas
no meio da rua,
e as brasas dispostas
na pedra nua.
Eram as camponesas,
na tarde sua,
límpidas tristezas
no meio da rua.
E eu me lembro de que havia
ainda
um fogareiro aceso.
Sobre o trempe u’a mão tremia,
assando milho, com medo.
As mesas estavam postas
no meio da rua.
*****
ELEGIA PARA OS SAPATOS AO SOL
I
Molhados. Estão molhados.
Deixo-os, pois, secar ao sol,
São sapatos fazem jus
a um canto dentro da luz
derramada pelo sol.
Eles são sapatos, hoje.
Mas, ontem, foram bois mansos.
Tiveram amplos currais
e pastagens e arrebol.
Antes, levavam os carros.
Levam, hoje, os pés dos homens
da sombra triste para o sol.
Eles são sapatos, hoje.
Mas, ontem, foram bois mansos.
E escutaram os tristes cantos
dos vaqueiros pelos campos
cantando de sol a sol
II
Só depois dos estilhaços
e dos seixos dos caminhos,
viram-se em frente da morte,
no matadouro, sozinhos
E o sangue que antes jorrava
só na ponta do ferrão,
desceu ao ventre da terra
em rubras poças, no chão.
Tiveram o couro suspenso
na noite de algum curtume,
entre as carícias do vento
e os beijos de um vaga-lume.
(Eram, antes, bois de carro
- um par autêntico e manso.
Mereciam, pois, na morte,
um momento de descanso).
III
Eles são sapatos, hoje.
Mas, ontem, foram bois mansos.
Muito antes do curtume,
do operário e do formol,
e dos rastros nas areias
caminhos de algum farol.
Por isso eu abro a janela
e deixo-os secar ao sol.
- Um minuto de silêncio!
Não ria nem chore, pois
esses, hoje, assim, sapatos,
um dia já foram bois.
Perderam somente o sexo.
Continuam sendo dois.
*****
SONETO PARA UMA NOIVA
De casca de laranja os amarelos
tingindo o seu vestido e escondendo-a
no laranjal distante. Paralelos
os passos vão nos sumos. Uma amêndoa
não, duas amêndoas, sim, seus olhos belos
movendo-se nos longes, ou movendo-os
no verso as minhas mãos que apenas tê-los
quisessem por amparo, incandescendo-os
no frio de uma tarde, quando a chuva
nem me deixasse vê-la inalcançada
(quase perdido o vulto na paisagem
real) sem sombrear mais minha dúvida
de amêndoas, de olhos, nem de nada,
nem mesmo de outro fruto na folhagem.
*****
SONETO SÓ PARA A SEGUNDA PESSOA
A de ti de quem não sabe a dor do vento
ninando a tarde verde no aqueduto.
A ti que mais amar na noite intento,
tangendo este silêncio em ti escuto
insto que em tí, por nós, no mesmo acento,
liberto e rendo, só por ter-te em tudo
de onde tirar, na flor em que te invento,
essa outra flor do amor que te disputo.
Não só por flutuares, ou que mais
longe um do outro, não nos fiquem bens.
Mas é porque sabendo que te vais,
Eu sei, também, do verde em que te vens
ungida e alegre para nunca mais
arderes, só, no adeus em que me tens.
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