segunda-feira, 8 de maio de 2023

Celso Almir Japiassu Lins Falcão

Celso Almir Japiassu Lins Falcão  nasceu em João Pessoa e vive no Rio de Janeiro. Poeta, advogado, publicitário e jornalista, integrou a antologia Gração 59, organizada por Vanildo Brito. Publicou O Texto e a Palha, Processo Penal, A Legião dos Suicidas , O Itinerário dos Emigrantes, O Último Número, Dezessete Poemas Noturnos. 



A CRIAÇÃO


A luta cai entre os corpos
Como uma pedra
Poupa a vertigem.
O homem trabalha o medo
— mural acrescentado —
de saturar uma bala.
Como traçar a vindita
interpretada na máquina
ou recolher o desterro
da terra elaborada:
Enumerar o granito
que delimita o curral
e sangra a vaca o cavalo
o sal o feijão o mal.
Como o porco o’homem
grita
e a si mesmo
descobre
beirando a face do mito.




*****


 

 

Aurora

 

Dormi entre assassinos,

juntei minha voz ao coro dos mendigos.

Ouvi o agouro das aves

prenunciando a náusea.

 

Em pleno verão, entoei a musica do inverno

e mergulhei no assombro.

Nenhum disfarce encobriu a voz

que anunciava o grito.

 

Aurora lancinante aspergia a escuridão

de uma noite eterna, absoluta.

Pássaros grasnaram o anúncio

de horror e fome.

 

Nossos estigmas traduziam

a face da doença - a dor

de sonhos massacrados -

a dor.




*****


 

 

Dizer 

 

O que vejo não verás tão cedo

nesta terra de dor

e séculos de sangue.

 

Virás depois de mim,

dirás algo de poesia

que a infância resguardou.

 

Dirás aos que virão depois de ti

o quanto vimos nos portais

onde estivemos prisioneiros.

 

Os outros saberão

quem na selva escura

era inimigo.

 

Onde a morte e a vida

se enlaçavam

em mesma dor constituídas.

 

E que amor era palavra sem sentido,

guardada na morada dos vermes,

mantida nas estantes.




*****


 

 

Conversações com Dylan

 

Retornando de um encontro com Dylan Thomas,

não percebi a chuva nem o vento que batiam

em todas as formas da cidade cinza.

 

Recordei suas palavras sobre a gênese das pirâmides,

as elucubrações sobre seu próprio corpo

e a sina dos que se drogam e se embriagam.

 

Mais tarde, trabalhando num computador,

mergulhei sobre a gênese das palavras,

o pensamento envolto em bruma, indecifrado.

 

Estamos num trajeto onde a chuva

obscurece o rumo e o vento é um chicote

a nos trazer de volta os elementos.

 

Recuso imaginar que tais caminhos

são caminhos sem retorno e sem saída.

Procuro em meu redor e mais além:

 

Velhas estradas, becos e atalhos

esquecidos e nunca imaginados

trazendo consigo assombrações.

 

Medos antigos tantas vezes visitados,

tantas vezes também compreendidos,

só compreendidos, nunca decifrados.

 

Estivemos tantas vezes juntos, eu e Dylan,

tantas vezes bêbados, incapazes,

tantas vezes assim emudecidos.

 

Pois mudos nos fizemos: era duro

falar sobre as coisas insensatas

tão próximas de nós constituídas.

 

Tantas vezes nos fizemos loucos

apenas para ver onde chegavam

a loucura, sua marca e fantasia.

 

O que vimos e fizemos, os cegos

nos diziam com seus cantos

que era impossível de compreender.

 

Eram cantos fanhosos, irritantes,

sobre fatos que os videntes

jamais teriam visto acontecer.

 

Nesta saga para nós tão suja,

tão confusa em nossas mentes,

tão cheia de percalços rudes.

 

Nesta saga de infâmia e de pobreza,

de miséria, engano e ódio,

de doença e de morte procurada.

 

Foi nesta saga que encontramos

o que nunca haveríamos de entender

sob manto de forma pressentida.

 

Neste enigma tão claro, silente

e calmo, sem filosofia, ausente

de qualquer sentido assimilado.

 

Desconhecemos tudo e tanta coisa

existe em petição de se saber

se vale a pena, simplesmente,ver.

 

Dylan mostrou-me algumas casas

de ópio. O silencio e o fumo

desenhavam suas formas na parede.

 

Ali nos assentamos e choramos

o pranto calmo dos desiludidos

em meio a fumaça, incenso, nostalgia.

 

Não percebemos a chuva que batia

nas paredes da cidade cinza.

Eu e Dylan, ambos tontos, em agonia.

 

E nos embriagamos. bêbados nos vimos

tão próximos da dor e dela alimentando

os cães e os passarinhos.

 

Nunca imaginamos, nós, embriagados,

a alma imunda e dolorida,

que tanto nos iludiríamos.

 

Estivemos cuspindo todo o tempo

nas águas sujas de um rio

em que iríamos mergulhar.

 

Com tanta espera, enfim, nos dedicamos

a tecer o rumo das estradas

e imaginar a direção dos ventos.




*****





POEMA DE AMOR

Abro  janela do quarto e penso em ti,
Sinto o gosto do vento deste mês.
E imagino os teus olhos e cabelos
como são agora, que é Setembro
e és claridade e brisa e pensamento.


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