Celso Almir Japiassu Lins Falcão nasceu em João Pessoa e vive no Rio de Janeiro. Poeta, advogado, publicitário e jornalista, integrou a antologia Gração 59, organizada por Vanildo Brito. Publicou O Texto e a Palha, Processo Penal, A Legião dos Suicidas , O Itinerário dos Emigrantes, O Último Número, Dezessete Poemas Noturnos.
A CRIAÇÃO
A luta cai entre os corpos
Como uma pedra
Poupa a vertigem.
O homem trabalha o medo
— mural acrescentado —
de saturar uma bala.
Como traçar a vindita
interpretada na máquina
ou recolher o desterro
da terra elaborada:
Enumerar o granito
que delimita o curral
e sangra a vaca o cavalo
o sal o feijão o mal.
Como o porco o’homem
grita
e a si mesmo
descobre
beirando a face do mito.
*****
Aurora
Dormi entre assassinos,
juntei minha voz ao coro dos mendigos.
Ouvi o agouro das aves
prenunciando a náusea.
Em pleno verão, entoei a musica do inverno
e mergulhei no assombro.
Nenhum disfarce encobriu a voz
que anunciava o grito.
Aurora lancinante aspergia a escuridão
de uma noite eterna, absoluta.
Pássaros grasnaram o anúncio
de horror e fome.
Nossos estigmas traduziam
a face da doença - a dor
de sonhos massacrados -
a dor.
*****
Dizer
O que vejo não verás tão cedo
nesta terra de dor
e séculos de sangue.
Virás depois de mim,
dirás algo de poesia
que a infância resguardou.
Dirás aos que virão depois de ti
o quanto vimos nos portais
onde estivemos prisioneiros.
Os outros saberão
quem na selva escura
era inimigo.
Onde a morte e a vida
se enlaçavam
em mesma dor constituídas.
E que amor era palavra sem sentido,
guardada na morada dos vermes,
mantida nas estantes.
*****
Conversações com Dylan
Retornando de um encontro com Dylan Thomas,
não percebi a chuva nem o vento que batiam
em todas as formas da cidade cinza.
Recordei suas palavras sobre a gênese das
pirâmides,
as elucubrações sobre seu próprio corpo
e a sina dos que se drogam e se embriagam.
Mais tarde, trabalhando num computador,
mergulhei sobre a gênese das palavras,
o pensamento envolto em bruma, indecifrado.
Estamos num trajeto onde a chuva
obscurece o rumo e o vento é um chicote
a nos trazer de volta os elementos.
Recuso imaginar que tais caminhos
são caminhos sem retorno e sem saída.
Procuro em meu redor e mais além:
Velhas estradas, becos e atalhos
esquecidos e nunca imaginados
trazendo consigo assombrações.
Medos antigos tantas vezes visitados,
tantas vezes também compreendidos,
só compreendidos, nunca decifrados.
Estivemos tantas vezes juntos, eu e Dylan,
tantas vezes bêbados, incapazes,
tantas vezes assim emudecidos.
Pois mudos nos fizemos: era duro
falar sobre as coisas insensatas
tão próximas de nós constituídas.
Tantas vezes nos fizemos loucos
apenas para ver onde chegavam
a loucura, sua marca e fantasia.
O que vimos e fizemos, os cegos
nos diziam com seus cantos
que era impossível de compreender.
Eram cantos fanhosos, irritantes,
sobre fatos que os videntes
jamais teriam visto acontecer.
Nesta saga para nós tão suja,
tão confusa em nossas mentes,
tão cheia de percalços rudes.
Nesta saga de infâmia e de pobreza,
de miséria, engano e ódio,
de doença e de morte procurada.
Foi nesta saga que encontramos
o que nunca haveríamos de entender
sob manto de forma pressentida.
Neste enigma tão claro, silente
e calmo, sem filosofia, ausente
de qualquer sentido assimilado.
Desconhecemos tudo e tanta coisa
existe em petição de se saber
se vale a pena, simplesmente,ver.
Dylan mostrou-me algumas casas
de ópio. O silencio e o fumo
desenhavam suas formas na parede.
Ali nos assentamos e choramos
o pranto calmo dos desiludidos
em meio a fumaça, incenso, nostalgia.
Não percebemos a chuva que batia
nas paredes da cidade cinza.
Eu e Dylan, ambos tontos, em agonia.
E nos embriagamos. bêbados nos vimos
tão próximos da dor e dela alimentando
os cães e os passarinhos.
Nunca imaginamos, nós, embriagados,
a alma imunda e dolorida,
que tanto nos iludiríamos.
Estivemos cuspindo todo o tempo
nas águas sujas de um rio
em que iríamos mergulhar.
Com tanta espera, enfim, nos dedicamos
a tecer o rumo das estradas
e imaginar a direção dos ventos.
*****
POEMA DE AMOR
Abro janela do quarto e penso em ti,
Sinto o gosto do vento deste mês.
E imagino os teus olhos e cabelos
como são agora, que é Setembro
e és claridade e brisa e pensamento.
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