quarta-feira, 17 de maio de 2023

Andrey Pereira de Oliveira

Andrey Pereira de Oliveira nasceu em João Pessoa e reside em Natal. É professor de Literatura Brasileira da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Autor, entre outros livros, de Utopia e agonia: o indianismo de Gonçalves Dias e A razão embotada: ensaios de crítica literária. Os poemas aqui publicados fazem parte do livro “coruja de trapo”, ainda inédito.



aos farelos

 

trago comigo

no bolso

pedaços de noites

           vadias

 

que vou largando

aos farelos

 

inoculando

mistérios

 

na modorra corrente

e canhestra

          dos dias.




*****

 

 

 

dados de meus ossos

 

 talvez

 

num tempo qualquer,

algum desavisado faça

dados

de meus ossos.

 

     talvez

 

nesse dia,

    eu dite

            o acaso

de alguém.




*****

 


 

coruja de trapo

 

 

o tempo alveja-te o toldo

da cabeça,

cobrindo ideias fixas

    (pedras

    empilhadas

    em ruína)

que nunca foram ditas

pela língua

pesada e muda e

      queda.

 

o vidro da claraboia cega

dos teus olhos

baços a vertigem

do teu fosso interno

     espelha.

 

o espaço vazio na sacada

do teu cérebro

seria a plataforma larga

de onde o vôo alçaria a coruja de trapo

nutrida,

que, gorda e tarda,

tombou
          velha.




*****




búzio


ardiloso monjolo marinho, o oceano
regurgita, apresado em corrente metálica
de água longínqua, um búzio perdido:

rosa de vento, roseta de runa antiga
em tabuleiro de fina areia lançada,
cifrada em cal´caria língua esquecida.




*****



máquina partida

posso dizer, se o sol não chegou
e o galo engoliu o canto claro do dia?

se a corda de luz do gnômon rompeu
e parou no passado a máquina partida?

se o peso da sombra semeia e aduba
a dúvida, o medo pânico e a culpa?




Fontes: Ruído Manifesto e Correio das Artes

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