terça-feira, 4 de abril de 2023

Paulo Nunes Batista

 Paulo Nunes Batista  (1924-2019) nasceu em João Pessoa-Pb, viveu e fez carreira literária em Anápoles-GO onde chegou a ser membro da Academia Goiana de Letras. Foi advogado, jornalista e poeta, tendo publicado inúmeros folhetos de Cordel e livros de contos e poesia. Entre os quais destacamos "Canto presente", Cantigas da Paz", "A caminho do azul", "De mãos acesas", "ABC de Carlos Drummond e outros ABCs", "Causicontos", "Cronicontos", alguns ensaios, entre eles destacamos "Um tributo à Câmara Cascudo", "Raizes do Cangaço". Foi preso político, orador espírita, Residiu no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Recife, João Pessoa, Recife e outras cidades.


META

Os olhos grandes cheios do infinito
da Música vestindo a Natureza
e as almas se banhando de Beleza
nas auras puras desse céu bendito.
O sonho, a lenda, a Fantasia, o mito,
tudo que aviva a inspiração acesa;
a Luz, nos velhos tuneis da Incerteza,
explode a tradição, e a regra, e o rito.
O romantismo azul da Boemia;
a alma rósea-lilás da Rebeldia,
esse misto de Povo e de Divino.
Essa coragem de já não ter medo,
eis a revelação do meu segredo
e a meta espiritual de meu destino.




*****




A SINFONIA DO SILÊNCIO


O cabto azul da água
no coração do bosque
Pássaros ensaiam
a sinfonia do Silêncio
A tarde é rosa aberta
embelezando a alma
Os Elementais se achegam
e nos ofertam seu Reino.
O Sol na asa do Espaço
sonha em ser só saudade
Que nos serve ser gente
sem servir a ninguém?
Nossas irmãs, as Plantas
servem, desde as Raízes
O Ar, a Àgua, a Terra, o Fogo servem
O' home, a que(m) tu serves?




*****


A ho(n)ra  p(ol)uída


O caso é este:
Já não se faz poente
como antigamente!

Um sol de néon se põe
sobre um horizonte de plástico.

Os humanos robôs assistem a esse
espetáculo
com seus olhos de vidro, suas mãos de metal.
Nesta ho(n)ra p(ol)uída, o que resta
da vida
após o Armageddon total?

Os passáros de Aço sobre
árvores de cimento armado
ainda tentam cantar.
O som apodreceu. O que era Grito é
mármore,
e virou pedra o ar.

Parecem ainda nadar os peixes
fictícios,
todos de uma só cor.
Mas não restam senão duas duríssimas Lágrimas
que um Deus qualquer chorou
sobre o altar dos derradeiros
Sacrifícios
no Ritual do Horror.

Quis falar, sem sucesso, uma Boca
eletrônica.
Mas não havia mais
uma palavra só, após a DOR
atômica -
a não serem uis! e ais!...

E toda a Arte - dos antigos aos
modernos -
de que memória havia nos museus
-
tudo subiu pros céus, na explosão
dos Infernos
ante os olhos atônitos de Deus!

E uma jovem sem cara exibiu o seu
sexo
numa palma de mão:
foi tudo o que sobrou, depois de
cem mil séculos
do Show de Armageddon.

Surdo-mudo, paralítico, asssexuado e
cego -
após dar-se na próxima mente o
Grande Nó -
o último homem entregou sua alma
toda ao ego
e nunca se sentiu tão infinitamente.
Só.




*****




 REFORMA


A casa velha, reformada, fica
limpa, cheirosa, sólida, habitável.
Viver em casa assim torna agradável
a vida, faz nossa existência rica.

A velhice, à matéria, danifica;
o mal torna o homem mais que miserável.
Torna-te bom, de tudo quanto amável
existe, tua vida, plenifica.

Faze a reforma do teu pensamento,
do teu desejo, do teu sentimento:
— Atira fora aquilo que não presta.

E deixa o Bem cobrir-te com sua Asa.
Quem se reforma, a si, reforma a Casa
de Deus — e faz, da vida, eterna morada. 




*****





                           ABC de cantoria para Soares Feitosa

 

 

Antônios! Santos, Poetas,
Profetas em Verso & Prosa!
Dêem-me as palavras certeiras,
da Rima e Métrica a entrosa,
pr’eu versar, todo em poesia,
o ABC DE CANTORIA
para SOARES FEITOSA.

Batistas... todos: Antônio
Batista Guedes, meu Tio;
Louro-Dimas-Otacílio,
meus Primos – o Grande Trio;
Ugolino do Teixeira,
meu Avô... abram a Porteira
do Verso – pro Desafio!

Cantadores e Coquistas;
os Poetas do Cordel;
Glosadores, Repentistas
tragam-me a Imagem fiel
pr’eu – retratando um Poeta –
atingir o alvo da meta
e cumprir bem meu papel!

Deus Apolo! Santas Musas!
Do Parnaso dêem-me a Mão,
trazendo a Luz da Poesia
nas Asas da Inspiração,
pr’eu aqui dizer quem é
esse Francisco José
SOARES FEITOSA, então.

Em Ipu, no Ceará,
esse Menino nasceu:
19 de Janeiro
foi o Dia em que se deu
o grande acontecimento.
Mas seu pai, que triste evento!,
no mesmo dia morreu.

Francisco José SOARES
FEITOSA é único filho
de Tatim e dona Anísia –
parteira de muito brilho.
Do norte do Ceará
trouxe o de melhor que há,
no seu destino andarilho...

Glaucineide, uma serrana
é sua Dona e Senhora.
Cearense, como ele,
no Lar da Virtude mora.
Tem cinco filhos do Chico:
fez o poeta mais rico
de um ouro que não descora...

Heroína, Dona Anísia
enfrentou a viuvez
com coragem, decisão,
fé, trabalho e sensatez.
Fazendola Catuana:
aí, Anísia, a Serrana
do Menino um Homem fez.

Infância, passa o Menino,
toda, em Monsenhor Tabosa,
cidadezinha pacata,
que de boa fama goza.
Num Seminário, em Sobral,
com 13 anos, afinal
entra SOARES FEITOSA.

Já dos 14 aos 15 anos
em nova Russas morou,
em casa do tio amigo
padre Leitão, que o ensinou.
Rio Macacos... seu rio...
Os sertões, a Mãe, o Tio
são saudades que guardou.

Lá vai o jovem Francisco
pelos campos a correr,
pelos matos ou caatingas
quando Deus manda chover...
ou quando a Seca secava
tudo em torno... e só restava
a água-de-se-não-morrer...

Macacos... diz o Poeta:
(Eu) “nem sei se ainda existe,
mas lhes garanto que água
ele não têm!”... dizer triste
de quem faz, do rio, tema
de um belíssimo poema...
O rio na alma resiste...

Nessas águas do Macacos
Chico Zé matou a sede...
deu inté bunda-canastra...
fez de sonho uma parede
para represar as águas...
E balançou suas mágoas
no céu azul de uma rede...

Outros ares: Moço Chico,
Jornalista em Fortaleza.
Foi caixeiro-viajante
no Piauí, com destreza,
vai pro Banco do Brasil.
De mexer com o metal vil
trouxe a sina, com certeza...

Porque, na casa do 20, –
dando à vida novo rumo –
aprovado por concurso,
mantendo o fiel do prumo,
Francisco José SOARES
FEITOSA se eleva aos ares:
já é fiscal do Consumo!

Quando viu que era preciso,
nos seus 22 de idade,
casou-se com Glaucineide,
pra sua felicidade.
Se diz sim – ela diz sim.
E os dois vão vivendo, assim
como se um só, na verdade.

Recife: catorze anos
em Recife residiu –
de 80 a 94.
O governo o transferiu
pra Salvador da Bahia.
O demônio da Poesia,
antes disso, descobriu...

Salvador... suas ladeiras...
a bela gente de cor...
Bahia de Castro Alves,
da Liberdade o Cantor!
E Chico, de Pernambuco,
trouxe, da Poesia, o suco
pra cantar em Salvador...

Traz, de Recife, o primeiro
poema, pois Chico o fez
beirando os 50 anos,
no ano 93.
Da Poesia a Estrela lhe arde.
Dá o Réquiem em Sol da Tarde
à luz, em 96.

UM Senhor Poeta surge,
quase da noite pro dia.
Ainda em 96,
funda o Jornal de Poesia –
pioneiro – na INTERNET.
Mas, neste 97,
é que mostra o que escondia...

Vem, PSI, A PENÚLTIMA,
sacudir nossa Nação
com Obra que, em nossas letras,
é quase revolução –
algo de espantoso e novo...
E balança a terra e o Povo,
com seu livro – SALOMÃO!

Xis de SOARES FEITOSA
é unir da copa à raiz
a Poesia Brasileira –
o melhor deste País.
Poesia valente, viva –
Verso & Prosa – positiva,
que acha do problema o xis...

Zâmbi, Meu Negro, Obrigado
por ter dado ao cordelista
a chance de abecedar
SOARES FEITOSA, o Artista!
Se me faltaram arte e engenho
perdoem o mau dese(mpe)nho
do

Gerimaldo Nunes

Gerimaldo Nunes (1963-2019) nasceu em Alagoa Grande-Pb. Era funcionário efetivo do Incra, jornalista formado pela UFPB, poeta e militante anarquista. Simpático ao movimento de Poesia Marginal, publicou alguns folhetos de poemas e a plaquete Retalhos, juntamente com o poeta Pachi. 




PRINCÍPIOS DE MARKETING
Ao amigo Pedro Osmar


Você
também 
estará dentro
de uma cela.
quanto vale
a sua cabeça?
quanto vale
a sua?
quanto vale
quanto?




*****





CONSIDERAÇÕES


Meus olhos
em Curitiba
eram bicho do mato
esperando
o bote da cascavel.




*****





COLAPSO INTELECTUAL


Antes
quando o meu amor
me despia
com seus olhos,
eu nu e feliz
esperava o instante
do beijo inicial.



*****




PAIXÃO EM TECNICOLOR


Eu tenho
um beijo
pra todas as cores,
hoje
eu vou desenhar
um arco-íris
na tua boca.



*****




ANO NOVO

(depois
do riso
as velhas dívidas)






domingo, 2 de abril de 2023

Hercília Fernandes

Hercília Fernandes nasceu em caicó-RN e reside em Cajazeiras onde é professora da UFCG. É Doutora em Educação pela UFRN e Mestra em Educação pela mesma universidade. É autora dos livros de poemas  Nos em Miúdos e Poemas de chamados espera & (a)fins.




OrientAção


Quando escreveres a minha história...
não te detenhas nos ditos, pleonasmos
                                        e vocativos

            leias-me as ausências, silêncios
                                -verbos indevidos

   as pausas pau-sa-da-mente repetidas
               preenchendo lacunas do não-
                                                 vivido

           e as coisas ver-da-dei-ra-mente
                                  fingidas que, ja-
                          mais, ousaria dizer!...




*****


Cítrica


estive aromática...
exalando cítricos e gomos pelas nádegas

gotas de orvalho molharam-me os lábios
e uma selvageria tomou conta de mim

simples assim...
                          ponho!




*****



Silêncio assustador


nossas bocas, metros, elos
a não palavras

parecem-nos dizer única coisa:
há estranheza fundante
no silêncio




*****




Bálsamos


as letras colorem as folhas
em tons de verde-escarlate:
púrpuras, fúcsias, azul- lilases
folhas nascidas em flor de macieira
que, de tão longe, bálsamos
me trazes



*****



inutilMente


os hóspedes
indesejáveis, pouco a pouco,
abandonam-me os ares
e o corpo imperfeito debate,
debalde, os apelos
da carne

Edônio Alves Nascimento

 Edônio Alves nascimento nasceu em Solânea-Pb e reside em João Pessoa. É poeta, jornalista e professor do Curso de Comunicação da UFPB e Doutor em Literatura Comparada pela UFRN. Publicou diversos livros de poemas, entre eles "Essa doce alquimia", "Os amantes de Orfeu" e "O desconcerto das coisas".



DECLARAÇÃO


Gosto dos odores vários
dos teus amores, minha ninfa.
E da lúbrica des(h)armonia dos teus humores.




*****




ALMA NARCÍSICA


Há poesia
num espelho sim;

Basta que o olhar
pousado nele
seja de mistério.




*****



RESIGNAÇÃO



No invento intermitente
em que eu existo,

Vou render-me aos suaves
desígnios do sol.

Eis que me rendo.

Porque a vida,
Amigo,

É misteriosamente maior
(e a leveza ubíqua
dos seus raios).




*****


INTUITUS PERSONAE


Carrego dentro de mim mesmo
um ambiente esconso
em que, nele restrito, assomo vasto.

Ambiente em cuja geografia mínima:
um compêndio de dores e de estalos,

misturam-se, mútuos, e a um só tempo,
o termo do claro no termo do escuro;

o ter o carma de um ser estranho
no mesmo thalma de ser obtuso.




*****




CONCLUSÃO


Há o poeta do momento
Há o poeta do dia
Há o poeta da noite
Há o poeta da semana
Há o poeta do mês
Há o poeta dos três:
O poeta do ano
O poeta do século
O poeta do milênio.
Mas, sobretudo,
Há o poeta do tempo.
Do tempo que se esvai
O poeta do poderoso tempo:
Do tempo do nunca mais.

Michelle C. Buss

Michelle C. Buss nasceu em Jaguari-RS e  atualmente reside em João Pessoa-Pb. É poeta e psicanalista, autora de quatro livros de poemas, O livro "Não nos ensinaram aamar ser mulher"  foi finalista do Prêmio da Academia Rio-grandense de Letras e finalista do Prêmio AGES. É Mestre em Letras pela UFRGS e é uma das criadoras do projeto literário no Instagram "Poesia Pelo Mundo" e ao lado do poeta Léo Cruz é curadora do Sarau Poetaria.






Desfazer nós

 

desenrolar

cortar as linhas

cortar entrelinhas

arrebentar os fios

separar os fios

desfazer

nós

 

 

*****

 

 

meu coração sangra

a ferida dos oceanos

insolações de sal

nas memórias em maresia

que ardem ao sopro

do vento prata dos teus olhos.

meu coração

um poema à deriva

nas águas de quem

acolhe a dinâmica das correntes

bússola interna de quem se entrega

de quem se desnudou de todos

os medos na praia…

meu coração

um pélago aberto

um rasgo de tempo

jardim marítimo

de conchas, tuas íris enluaradas,

de águas-vivas e teu não…

meu coração

o estouro do trovão

em tempestades em alto mar,

no céu fissuras de saudade.

retido nos meus olhos:

o som manso de tua voz nos meus cabelos

e os intervalos que se fizeram entre nós.

meu coração

um sol de silêncios

amanhecendo no mar…




*****




VOZES DA ANTIGA ÍTACA

as lágrimas são
fios sanguíneos
enrodilhados no chão da minha vida
dos eu faço tapeçaria
trama em carmim
urdidura de dor
no vermelho um tanto de ferida
no vermelho um rusgo de paixão
fiando
fiando
fiando
quantas Penélopes ainda se desfiam
em genéticas de sofrimento
tecendo na cozinha,
escondida nos quartos,
na tela de seus corpos
ecos distantes
dias no Egeu, noites no Mediterrâneo
na tela de seus corações tecendo
à espera de um suposto Ulisses?

*****

CONTAGEM D’ESTÓRIAS

reescrever a história
revoada de silêncios
sobrevoando
a fogueira queimando
memórias
esquecimentos
diluindo o tempo
vazio de vozes
silêncios
intervalo intermináveis
entre ausências e inexistir

Que história é essa que hoje sabemos?


*****


ATO DESMEDIDO

todo criador é um tradutor
todo tradutor é um criador
tudo parte do mundo
imaginação que transcende
o que muda é se a escolha do tom do fio
tece o formato da teia
ou se é o formato da teia que
determina a escolha do tom do fio


Ramon Diego

 Ramon Diego nasceu em Sousa-Pb e reside em Nossa Senhora da Glória -SE.  É professor e poeta. Doutorando em Literatura Comparada, pesquisador das questões que envolvem literatura, espaço e memória cultural, pela UFRN. Membro do grupo de pesquisa Ponte Literária Hispano-brasileira, dentro da linha Literatura comparada: estudos hispano-brasileiros. Mestre em estudos literários pelo programa de pós-graduação em letras da Universidade Federal de Sergipe (2018). Graduado em letras português-francês pela Universidade Federal de Sergipe (2015). Possui experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira sob a metodologia da Literatura Comparada, estabelecendo relações com outras áreas das humanidades, em especial com a filosofia e a história. Pesquisador na área de literatura e memória e literatura e espacialidades.



VIA LÁCTEA

Há um gato no avesso da noite.
Me incorporo ao bigode
de estrelas
que compõe
o seu rastro insone.

Seu suspiro
é um pesar inquieto
como a cauda
de um cometa
em chamas.

Há um gato no avesso da noite.
Seu miado revela a malícia
dos que, há muito,
não dormem, nem comem,
sob a pedagogia do corpo.

Nos seus olhos
dois sóis se equilibram
farejam e se impacientam,
aos prazeres da sombra
no húmus.

Há um gato no avesso da noite.
Espelhado na luz que o incendeia,
a tigela em que ele reflete,
constitui a sua via láctea.




*****

 


ASCENDÊNCIA

Nasci ascendente em aquário,
do lado em que a lua
é mais funda;
nasci ascendente
em desastre,
do verso que vibra 
nos dentes,
lavados em bicarbonato.
Das pás que cintilam
no asfalto,
no voo
d’árvore mutilada.



*****



Decorar

Se aprender uma coisa de cor
é mostrar ao nosso coração
o que vale a pena e a lida,
não se aprende de cor
por inteiro.

Só se aprende de cor
com o tempo,
que transforma
na lida, a palavra,
decorando
a nossa experiência.


*****



DOMINGO

O dia se despe
na cortina velha
que balança os móveis.

A tarde engatinha
pelo gelo inquieto
na dose de gim.

O homem chacoalha o copo
mistura as horas e,
como num passe de mágica,
bebe-as de um gole só.

Billie Holiday reclama seu espaço
ao fundo,
no canto esquerdo da sala,
engolida pela sombra
esparramada na varanda.
I honestly believe that you are bored
You’ve change”.


*****


EM DEFESA DO LÍRIO

Há um lírio no poema
exposto
em um vaso
de caos
e vaidade.

o estrume
é sua matéria-prima
mas renegam-lhe
a propriedade
de ser ele, profundo
e profano.

De sua boca ser cu
e saudade.

Há uma pátria
na terra em adubo
que impele o poeta
ao fracasso.

sexta-feira, 31 de março de 2023

Luciana Queiroz

 Luciana Queiroz nasceu em Campina Grande-Pb. É mestra em Letras, poeta e professora de Literatura. Começou na escrita literária depois de adulta e publicou o livro "Nua sob escamas".



VOLTA
Largas de vaidades já sei tudo de tua vida: que tens outras e que não queres ser de ninguém. Teu trânsito de corpo em corpo não me atrapalha a alma. Quero você, seus significados, sua conotação escancarada em minha língua. *****
PEDRA


Sou pedra E de rocha é feita toda a minha alma de mulher. Reclino-me no chão do sertão quente E lá fico Parada À mercê de chuva e vento Porque deles se faz minha erosão voluntária. Me desgasto, me esfarelo E cada partícula de areia que sai de mim Compõe o mundo inteiro Sofro, me dilacero Mas sei que só assim faço parte de tudo isso. A cada chuva, A cada ventania, A cada casal que pinta de branco seus nomes de amor em mim, Me faz mais pedra Me faz mais rocha, Pois sei que a cada erosão Me lapido mais É de natureza minha alma polida E cada vez que mais redonda fico Mais me faço eu, Mais me faço mulher, redonda e minha
***** CORPO Corpo despedaçado onde correm veias abertas de angústia e medo Corpo dilacerado de estigmas alvo de injúrias e ultrajes Corpo meu que não guardo nem escondo, nem flagelo Corpo que a noite teima
***** FLOR Se nunca te disse ouso dizer-te agora: tanto faz a flor de mandacaru quando o nome da rosa ***** BORDATO Com uma única bala na agulha bordei minhas lágrimas com encanto. A bala era de açúcar e, de sal, meu pranto.

George Ardiles

 George Ardilles é baiano de Bom Jesus da Lapa. Passou a infância em Aracaju-SE e fincou morada em João Pessoa ainda na pré-adolescência. Foi nesta capital que começou a ter contato com a literatura, particularmente a poesia, e começou a escrever seus primeiros versos. É formado em Ciências Sociais pela UFPB e atualmente reside em Patos, sertão da Paraíba. Publicou poemas em Antologias da Câmara Brasileira de Jovens Escritores, participou como um dos selecionados do V Prêmio Literário Canon de Poesias 2012 e da II Coletânea Poesia de Quarta promovida pelo IFPB. É autor de Poemas de Meio-fio, livro de estreia publicado em 2009 e Externo lançado em 2021.






TRAGÉDIA MODERNA


Reproduzir o vento  que passou
tal qual, forma e conteúdo,
seria o mesmo que deixar em silêncio...

Não ouvir os ecos.

Imaginar num grito a solidão,
Derramar lágrimas sabendo,
em vão.

Colocar na boca o soluço
e o ranger da raiva.




*****




CATARSE


tem noites que tardo
mas amanheço

suavizo os dias
em tudo que trago

levo na alma
tudo que foi amargo

solto na fumaça
tudo  que desconheço





*****



sombra que disfarça
todos seus encantos

me ilumina
justo
pelos 
cantos




*****




PASSAGEIRO


assim és
passageiro

além
és companhia

ontem fui
solidão

no tastro do asfalto
quebrou o silêncio

aquilo que era vão




*****



NOSTALGIA


Chora flauta da alegria.
Sacia a fome da saudade.
Sorria com as casas dançando,
abraçando as amizades.
Se pequena sua poesia-sorriso...
Momento de felicidade.


daVi gaLon

Mélchior  Sezefredo  Machado, paulista de Campinas-SP, domiciliado em João Pessoa-PB, formado em Jornalismo e Direito, e também pós-graduado em Direito Administrativo e Gestão Pública. Participou do livro "A nova literatura brasileira - 1983", editado pela Shogun Arte e Editora e é autor dos livros "Alcoologia da Libertação", editado pela Sonda Editora, em 1985,  Frente e Verso, publicado pela Editora Raízes em 2013,  Escombros, publicado em 2015, e 60 Sonetos e 30 motes Soneteados, publicado em 2019,  ambos com o selo da Gráfica do Jornal o Desafio, todos  de poesias. Tem participação em vários outros livros de antologia poética e possui muitas centenas de poemas veiculados em várias páginas da internet. Escreve sob o pseudônimo de daVi  gaLon.






OBSCURIDADE


Eu quero viver na obscuridade,
Como as pedras do fundo
Do rio mais profundo...
Eu quero viver na obscuridade,
Sem claridade, sem gravidade,
Como um asteróide infecundo...
Eu quero viver na obscuridade,
No vazio imenso de que me inundo...
Eu quero viver na obscuridade,
Pra não sentir jamais
O peso do mundo!




*****




MINHA JANELA


Na minha sala de estar
Estive o tempo inteiro...
Cumpri, assim, o roteiro
Da vida que eu quis levar.
Não vi o rio nem o mar
Pra não saber que há partida;
Passei assim pela vida
Fitando a minha janela...
E tudo escapou por ela,
Só eu não tive saída!!!



*****



ALQUIMIA

Vou à frente pelos campos
Separando os espinhos...
Sei que à noite pirilampos
Iluminam meus caminhos.
Seguirei plantando flores
Pra que as veja no futuro
Quando em caminhada fores
Em busca do que procuro.
Colha algumas no caminho
Entre tantas que plantei
Antes já do finalzinho
De estares onde eu cheguei.
Não te esqueças de viver
Todo dia com vontade,
Pois um dia vais saber
Que isso foi felicidade.
Um pouco antes do fim,
Acharás o que procura,
Ponha as flores para mim
Sobre a nossa sepultura!



*****



SINAIS DO MEU TEMPO


Na juventude eu sonhava,
Hoje nem durmo direito...
Se antes me inoxidava
No sonho, hoje me deito
Coa impressão de ser frágil.
Vivo no mar assustado
Com iminente naufrágio...
O meu sonho do passado
Hoje virou pesadelo;
Nada de bom me auguro:
Miro o horizonte sem vê-lo,
Já não existe futuro!



*****



EGÓLOTRA

Convencido da minha perfeição,
Eu não pude enxergar os erros meus,
E vivi cegamente a ilusão
De que acima de mim apenas Deus!

Vi nos homens centenas de defeitos,
Mas jamais vislumbrei em mim enganos;
Excluí-me do rol dos imperfeitos,
Me sentindo melhor do que os humanos.

Fui aos poucos, assim, me isolando
E tomei ojeriza à multidão;
Não podia me ver confabulando

Com a plebe tão tosca dos banais:
Iludido da minha condição,
Me tornei o mais tolo dos mortais!



*****



CONSTRUTOR DE VERSOS


Minha alma povoada de poemas
Assobia à minha mente os seus versos,
E eles chegam feito pedras, diademas,
E os transformo nos castelos mais diversos.

Sustentados nas paredes das estrofes,
Se amarram pelas rimas nos seus cantos,
Projetados nas ideias que são cofres,
Tomam formas e então mostram seus encantos.

Já concretos e na sua arquitetura,
Buscam olhos ao abrir suas janelas
E se entregam totalmente à leitura.

Pronta a obra, mais um ciclo se completa,
E o poema, preso dentro dessas celas,
Deixa livre novamente o seu poeta!



*****



AMOR NO PONTO CERTO


Se eu te amasse bem mais do que te amo,
Com carinho maior, maior ternura,
Seria por certo um amor insano,
Quem sabe somente apenas loucura.

Se eu te amasse afoito e desesperado,
Talvez sentisse no peito aflição...
Mas te amo em paz, assim, sossegado,
E ao teu lado escuto o meu coração.


Se eu te amasse enciumado, inseguro,
Com o peito em constante agonia,
Viveria um amor desconfiado,

Abortado em si mesmo de poesia...
Mas te amo um amor no ponto certo
E por isso de paz vivo coberto.



*****



TRILHA


Vá com calma, consciência,
Como a hora engole os segundos...
Viver exige ciência,
Paciência de vagabundos.

Tudo muda, não se importe
Coa pedra que há no caminho;
Não se iluda, seja forte:
A rosa mora no espinho.

Abra a boca num sorriso,
Se for blasfêmia, não diga...
Talvez não seja preciso,
Apenas siga, prossiga.

O céu continua aberto,
E o sol imponente brilha...
Se só o caminho é deserto,
Que tal mudar sua trilha?....

Peryllo Doliveira

  

Severino Peryllo Doliveira (1898-1930) nasceu em Cacimba de Dentro-Pb (na época distrito de Araruna-Pb). Foi poeta, ator e jornalista. Um dos pousos poetas paraibanos da sua geração a ter destaque nacional. Como ator, trabalhou em diversas companhias, viajando o país inteiro. Publicava seus poemas na revista Nova Era. Publicou “Canções que a vida me ensinou”, “Caminho cheio de Sol” e outros livros. Trabalhou na Secretaria Geral do Governo na gestão de João Suassuna. Morreu de tuberculose sem ter concluído o que seria seu próximo livro.



ESCUDO


Perante olhos estranhos não desnudes
a tua alma - se tns uma alma honesta -
nem pagues com submissas atitudes
os loiros que o teu mérito requesta.

Aos que te exalçam gestos e virtudes
louvando a tua vida assaz modesta,
ri, apenas, fazendo que tu te iludes
e ocultando-lhes tudo que te resta.

Se a Glória te coroar a fronte insigne,
deixa que a turba em frêmitos, se digne
de te aclamar porém nunca te esqueças

que, se o Ideal por que triunfas for previsto,
esse enorme dragçao de mil cabeças
Pode fazer de ti um novo Cristo...




*****




QUEIXA


A árvore disse:
- Sofro, sofro até nos meus galhos mais altos.
Atiram-me pedradas, pedradas.
E tiram do meu tronco o sangue verde de minha seiva.
E pensar que soiu boa...

E pensar que dou sombra...
mesmo sentindo a dor dos meus galhos quebrados
sob uma chuva de pedras brutas...

E eu lhe perguntei:
- Árvore, por que tiveste a divina vaidade
de dar sombra de de dar frutos?...




*****




PROGRESSO

Cidade velha do interior.
Somente duas vezes por semana
passa pela rua principal
um automóvel barulhento
arrepiando a quietude habitual
dos dias sertanejos cheios de sol.

E apressadas sorridentes
alisando com as mãos os cabelos despenteados
aparecem nas janelas silenciosas
duas ou três mocinhas curiosas
que querem ver quem vai dentro do Ford.




*****




POLÍTICA


Lá vem o novo sol! Tudo desperta
sob o esplendor republicano,
sob o sorriso democrático do dia.
Que entusiasmo! que alegria!
Em cada fronde há uma banda musical
organizada pelos pássaros em festa.
Um papagaio, da cumieira de um telhado,
com ares de tribuno idealista,
faz um longo discurso decorado.
Cada coqueiro tem no alto
um feixe de bandeiras verdes desfraldadas.
E as árvores perfilam-se
como soldados silenciosos
em longas alas disciplinadas.
E os galos bradam num grande grito aclamatório:
- Viva o dia que nasce! Viva! Vivôooo-ôooo!
Sobre todas as coisas paira
uma imensa esperança comovida...
Um asno tenta em vão por em destaque
os seus beos talentos oratórios...
Em vão, porque todos o aplaudem sem ouvi-lo.
E a grande festa continua.
Entretanto, mais tarde,
quando o sol já cansado
se abismar no ostracismo do poente,
todos os grilos e batráquios,
à luz incerta do crepúsculo,
sairão das bibocas e dos charcos
para vaiá-lo impiedosamente...




*****






DONA TRISTEZA


tristeza, minha amiga, eu não me iludo
sentindo-te de pé, bem junto à mim,
num silêncio de paz e de veludo...

Há muito tempo que eu te vejo assim,
pálida, austera e, com teu lábio mudo,
pondo em meu lábio um ósculo sem fim.

E no teu seio acolho-me, Tristeza,
enquanto o mundo tumultua em festa

porque és na minha vida de incerteza
s única ventura que me resta.

Envie poemas, minibio e foto para o e-mail lausiqueira@yahoo.com

Francc Neto

  Minha jornada como poeta começou na adolescência,  publicando poemas em revistas e jornais.  Ao longo dos anos, minha poesia foi reconheci...