segunda-feira, 8 de maio de 2023

Celso Almir Japiassu Lins Falcão

Celso Almir Japiassu Lins Falcão  nasceu em João Pessoa e vive no Rio de Janeiro. Poeta, advogado, publicitário e jornalista, integrou a antologia Gração 59, organizada por Vanildo Brito. Publicou O Texto e a Palha, Processo Penal, A Legião dos Suicidas , O Itinerário dos Emigrantes, O Último Número, Dezessete Poemas Noturnos. 



A CRIAÇÃO


A luta cai entre os corpos
Como uma pedra
Poupa a vertigem.
O homem trabalha o medo
— mural acrescentado —
de saturar uma bala.
Como traçar a vindita
interpretada na máquina
ou recolher o desterro
da terra elaborada:
Enumerar o granito
que delimita o curral
e sangra a vaca o cavalo
o sal o feijão o mal.
Como o porco o’homem
grita
e a si mesmo
descobre
beirando a face do mito.




*****


 

 

Aurora

 

Dormi entre assassinos,

juntei minha voz ao coro dos mendigos.

Ouvi o agouro das aves

prenunciando a náusea.

 

Em pleno verão, entoei a musica do inverno

e mergulhei no assombro.

Nenhum disfarce encobriu a voz

que anunciava o grito.

 

Aurora lancinante aspergia a escuridão

de uma noite eterna, absoluta.

Pássaros grasnaram o anúncio

de horror e fome.

 

Nossos estigmas traduziam

a face da doença - a dor

de sonhos massacrados -

a dor.




*****


 

 

Dizer 

 

O que vejo não verás tão cedo

nesta terra de dor

e séculos de sangue.

 

Virás depois de mim,

dirás algo de poesia

que a infância resguardou.

 

Dirás aos que virão depois de ti

o quanto vimos nos portais

onde estivemos prisioneiros.

 

Os outros saberão

quem na selva escura

era inimigo.

 

Onde a morte e a vida

se enlaçavam

em mesma dor constituídas.

 

E que amor era palavra sem sentido,

guardada na morada dos vermes,

mantida nas estantes.




*****


 

 

Conversações com Dylan

 

Retornando de um encontro com Dylan Thomas,

não percebi a chuva nem o vento que batiam

em todas as formas da cidade cinza.

 

Recordei suas palavras sobre a gênese das pirâmides,

as elucubrações sobre seu próprio corpo

e a sina dos que se drogam e se embriagam.

 

Mais tarde, trabalhando num computador,

mergulhei sobre a gênese das palavras,

o pensamento envolto em bruma, indecifrado.

 

Estamos num trajeto onde a chuva

obscurece o rumo e o vento é um chicote

a nos trazer de volta os elementos.

 

Recuso imaginar que tais caminhos

são caminhos sem retorno e sem saída.

Procuro em meu redor e mais além:

 

Velhas estradas, becos e atalhos

esquecidos e nunca imaginados

trazendo consigo assombrações.

 

Medos antigos tantas vezes visitados,

tantas vezes também compreendidos,

só compreendidos, nunca decifrados.

 

Estivemos tantas vezes juntos, eu e Dylan,

tantas vezes bêbados, incapazes,

tantas vezes assim emudecidos.

 

Pois mudos nos fizemos: era duro

falar sobre as coisas insensatas

tão próximas de nós constituídas.

 

Tantas vezes nos fizemos loucos

apenas para ver onde chegavam

a loucura, sua marca e fantasia.

 

O que vimos e fizemos, os cegos

nos diziam com seus cantos

que era impossível de compreender.

 

Eram cantos fanhosos, irritantes,

sobre fatos que os videntes

jamais teriam visto acontecer.

 

Nesta saga para nós tão suja,

tão confusa em nossas mentes,

tão cheia de percalços rudes.

 

Nesta saga de infâmia e de pobreza,

de miséria, engano e ódio,

de doença e de morte procurada.

 

Foi nesta saga que encontramos

o que nunca haveríamos de entender

sob manto de forma pressentida.

 

Neste enigma tão claro, silente

e calmo, sem filosofia, ausente

de qualquer sentido assimilado.

 

Desconhecemos tudo e tanta coisa

existe em petição de se saber

se vale a pena, simplesmente,ver.

 

Dylan mostrou-me algumas casas

de ópio. O silencio e o fumo

desenhavam suas formas na parede.

 

Ali nos assentamos e choramos

o pranto calmo dos desiludidos

em meio a fumaça, incenso, nostalgia.

 

Não percebemos a chuva que batia

nas paredes da cidade cinza.

Eu e Dylan, ambos tontos, em agonia.

 

E nos embriagamos. bêbados nos vimos

tão próximos da dor e dela alimentando

os cães e os passarinhos.

 

Nunca imaginamos, nós, embriagados,

a alma imunda e dolorida,

que tanto nos iludiríamos.

 

Estivemos cuspindo todo o tempo

nas águas sujas de um rio

em que iríamos mergulhar.

 

Com tanta espera, enfim, nos dedicamos

a tecer o rumo das estradas

e imaginar a direção dos ventos.




*****





POEMA DE AMOR

Abro  janela do quarto e penso em ti,
Sinto o gosto do vento deste mês.
E imagino os teus olhos e cabelos
como são agora, que é Setembro
e és claridade e brisa e pensamento.


sexta-feira, 5 de maio de 2023

Pefreira da Silva

Pereira da Silva (Antônio Joaquim Pereira da Silva), jornalista e poeta, nasceu em Araruna, Serra da Borborema, PB, em 9 de novembro de 1876, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 11 de janeiro de 1944. Quinto ocupante da Cadeira 18 da Academia Brasileira de Letras. Começou sua carreira como crítico literário nos jornais A Cidade do Rio (de José do Patrocínio, onde usou o pseudônimo J. d’Além), Gazeta de NotíciasÉpoca e Jornal do Comércio. Participou do grupo simbolista que publicou a revista Rosa-Cruz, que tinha à frente Félix Pacheco, Saturnino de Meireles, Paulo Araújo e Castro Meneses. Tornou-se um destacado poeta do movimento, de 1903 a 1905. Voe Publicou os livros Solis (1903); Solitudes (1918) - Em apêndice, o estudo Solitudes, de Luís Murat; Beatitudes (1919); Holocausto (1921) - Em apêndice, estudo de Agripino Grieco a propósito do livro Beatitudes; O pó das sandálias (1923); Senhora da melancolia (1928); Alta noite (1940); Poemas amazônicos (1958).


A CONSCIÊNCIA


Noite... sombras... silêncio... indefinida
Angústia imponderável pelo ambiente.
Penso, em meu leito, como um ser consciente:
- "Mais um dia de menos para a vida..."-

Como os dias passados - o presente.
Idéias vãs; desesperada lida;
Esforço inútil; alma incompreendida
Em tudo quanto crê ou quanto sente;

A juventude quase no seu termo;
Mente mais débil; corpo mais enfermo,
A nobre fé de antanho menos forte...

Que horror! A consciência, como a aranha,
Tais razões urde e nelas se emaranha
Que só fica a razão final da morte!




*****


 

INTERIOR

Ocaso. Em minha sala quase escura
Olho os retratos. Dante está presente:
- Face entanguida, olhar impenitente,
Boca num forte ríctus de amargura.

Em Poe, que o sol, num claro, transfigura
Baudelaire crava o olhar. E frente a frente
Fitam-se longa, misteriosamente,
Tal como o Tédio diante da Loucura...

Em torno e em tudo erra um silêncio absorto.
Sombra do gênio? Alma do desconforto?
Forma do ser disperso no Nirvana?

Quem saberá jamais? A noite desce.
Cada efígie daquelas como cresce
E assombra mais minha tristeza humana!




*****



A DOENÇA DA VIDA

Corri toda a cidade, noite adiante:
Ruas e praças, becos e vielas,
As avenidas amplas, largas, belas,
Sob o vivo esplendor da luz radiante.

Vi-lhe os bairros de lôbregas mazelas;
Os palácios, o nobre orgulho arfante
Dos seus salões, tudo como um passante
Curioso de quadros e de telas...

Oh! a tristeza ardente, comovida,
Dos que vivem na muda indiferença
De uma ruidosa Acrópole incendida!

Oh! a tristeza amarga de quem pensa!
O Tédio, o Spleen, o Ideal, doença da Vida,
Poe, Baudelaire, Leopardi, vossa doença.




*****


 

SÍSIFO

Incessante labor! Quase sem mais entranha,
Inane da exaustão da mesma insonte lida,
Causa, Sísifo, horror à mais empedernida
Alma que o vê na afã de punição tamanha.

Pés e mãos a sangrar; pávido suor que lhe banha
A extrema lividez da máscara estarrida.
- É o pavor de escalar ainda e sempre a montanha
Entre mil decepções já subida e descida.

Tantas vezes em vão conduz a pedra a medo
Quantas a vê rolar da colimada altura
Sobre o talude hostil daquele monte quedo...

Como a Sísifo entende alguém que se procura
E na mesma expiação do galé do rochedo
Rola seu próprio ser como uma dor obscura!




*****

 

DIÁLOGO ÍNTIMO

Vamos! Desperta dessa indiferença
E olha a Cidade! Que beleza imensa

A moderna Cidade soberana!
É justo o orgulho de que bem se ufana

O homem do grande século do Invento!
Por toda parte a indústria e o movimento

Às ruas dão estranha alacridade.
Não há fadiga nesta nova Idade

Da Energia, da Força, da Riqueza.
Em cada olhar humano brilha acesa

A ambição de vencer o Tempo e o Espaço.
Corre-se e voa quase sem cansaço.

No céu, no mar, na terra, em toda parte
O homem da nova técnica e nova arte

Tudo transporta e tudo movimenta.
Uma estética inédita e violenta

Imprime à vida nova encanto novo.
Que festivo rumor na alma do povo!

Vê-se que há nesta humana efervescência
A verdadeira idéia de existência

Como a vemos em atos definida:
"Fazer do instinto a fórmula da vida."

A Glória nada é mais que uma atitude;
O Belo, um gesto; a Força, uma virtude;

As Idéias onímodos motores.
Os verdadeiros homens superiores

São, como vês, o desta Vida Intensa
Que tanto ri do espírito que pensa

E vai no mais estranho automatismo
Rolando e rindo para um novo abismo!

E à Musa respondi como devia:
Que importa, minha Musa, a eterna orgia

Das Cidades ardentes e gloriosas?...
Se somos seres de almas silenciosas,

Ermas e sós no seu destino cruento,
Que nos importa o vão deslumbramento

Das Capitais ruidosas e confusas?...
Se não sentimos, como as outras musas,

No vinho das volúpias corrompidas
As alegrias das fatais bebidas,

Dos reserva esta Cidade Humana
De que o senso banal tanto se ufana?...

 


quinta-feira, 4 de maio de 2023

Antônio Morais de Carvalho

Antônio Morais de Carvalho nasceu em Campina Grande e vive em João Pessoa. Publicou dois  livros de poemas, "Persona e "Os Cegos e o Elefante Alguns Modos de Ler Poemas.



O GRANDE RETORNO

O filho, pródigo, volta aos pais
e já não conduz sonho.
Não busca pais: paz apenas:
mesa, cama, coisas fixas.

O piso é abissal: poço sem fundo;
o teto, aberto, chuva de fogo.
Chama,
as paredes:
transparentes,
revelam o mal-estar outrora oculto,
e, vidro, ferem
até o filho pródigo.

O filh, pródigo,
num último esforço
busca razão:
não houve pais, Pai,
fortuna, herança, filho pródigo...
Houve filho apenas,
de ninguém, de nada,
filho eterno,
língua estranha,
jamais entendida ou liberada.




*****



UM LANCE DE DADOS
Para Chico e Cardoso


Não quero o poema-perfeito.
O fastio dos Deuses,
A bondade do Diabo,
O Verbo,
A Bomba!

Não quero o poema-perfeito:
Eu sei que o ultrapasso
Ao tocar o seu mistério.

Não quero o poema-perfeito,
O último-poema:
A poesia
É meu ofício cotidiano.




*****



O COMPULSIVO OFÍCIO
Para Ponce, Pat, Gera e Radiel

todas as palavras
já foram escritas

todos os temas,
atravessados

todas as técnicas,
utilizadas

a própria linguagem
volta-se sobre si
cansada dos outros

ma o home, renitente palavroso,
tanta, em vão, um verso novo.




*****




SEMPRE AMOR


Então já podes amar.

Sabes que o amor não pensa ódio:
sabe represá-lo para logo mais.
Que amor é proferir o ar, o frágil, o insustentável
mas com tanta vontade de crer
que vira metal.
Que amar é sumir, desistir, rasgar o registro,
asfixia.
Mas sabes não amar? Podes? Consegues?
Mas o que há no amor: alguém,
além da própria sombra?
Alguém desentende mais (mas
alguém entende alguém ou algo?)
do que quem ama?
Passaria amor de autovingança,
pulsão, ânsia, vômito?
O que é amar?
Vulva, arte, pôquer, mescalina,
pouco, muito pouco, muito aquém do?
Amor se faz?
Se não tem olhos? Tem filhos?
Então multiplicou
tudo: o hálito do fantasma.
Amor morre? Mas, nasce? Como,
se quando nos anula já é tarde?

Existimos sem história?
Conta-se o que não é verbo?
Sente-se o que não?
Existe?




*****




GENEALOGIA


Como encetar (criar?)
em nome tão comum
um próprio, exclusivo,
ele próprio sobrenome?

E o instinto, os ais,
como prender, se ao invés
de único código, exibo
(Perverso Polimorfo) morais?

Mas a condenação, o lance
atávico, que me põe orvalho,
da primeira manhã ã noite sempre,
é ter, rachados

no mais ardente asfalto,
esses pés de carvalho.


quarta-feira, 3 de maio de 2023

Abraão Vitoriano

Abraão Vitoriano nasceu e vive em Santa Helena-Pb. Professor da Rede Municipal em Cajazerias, da Faculdade São Francisco da Paraíba e Supervisor na Rede Municipal de São João do Rio do Peixe-Pb. formado m Pedagogia e Letras, Mestre em Educação e Letras. Autor de Pétalas Raras, Estado de Graça e Cidadezinha qualquer. Teve seus poemas incluídos na antologia Engenho Arretado que reúne poetas que lançaram seus primeiros livros no século XXI, organizada por Amador Ribeiro Neto.


Culpa

 

tudo eu

tu doeu




*****




Fome

Escrevo para encontrar a flor dos dias. Escrevo porque minha mente sente fome de palavras. Escrevo porque meus dedos se fecham feito caracol no lápis. Escrevo pela minha sobrevivência. E porque arde e fulgura dentro. Há sempre uma folha em branco pra recomeçar.




*****




Evocação

Lanço-me neste mar de respostas que é a vida. Sôfrega. Solar. Desmedida. E não há tempo para explicações. Há o sopro das linhas. No ranger do tempo, prossigo nas dimensões que florescem caminhos. Nada sei dos epílogos, curvas, cascatas. O farol é o sonho. O sonho chama. Eu, que sou moço de fé, acredito e sigo com uma lágrima no bolso, uma pergunta na cabeça e um amor entre os lábios. Viver é borboletear esperanças para que um dia elas toquem o céu das vontades.




*****




APOTEOSE


prefiro a fome

dos apaixonados

ainda que finde em dor

melhor que esse verso

já molhado

de amor




*****




OFICINA A DOIS


minha língua

no teu céu

mel

 

terça-feira, 2 de maio de 2023

Edmilson de Almeida Pereira - Poeta Brasileiro

Edmilson de Almeida Pereira nasceu em Juiz de Fora-MG. É poeta, prosador, ensaista e professor de literatura na Universidade Federal de Juiz de Fora. Publicou "Mundo encaixado: significação da cultura popular", "O Som vertebrado", "qvasi', entre outros. Foi um dos vencedores do Prêmio Oceanos com "O ausente" e semifinalista da mesma edição do Oceanos com "Um corpo à deriva". 

Foto: Prisca Agustoni




ADVERTÊNCIA



Este caderno não contribui para o Museu
do Homem de Paris.


A leitura será o sopro sobre suas palavras.


As festas
os sacrificios
os rituais -
não sabemos a quem pertencem,
quando atravessamos a soleira da casa.


Diante do estranho - e todos somos -
nos reconhecemos pela infância.




*****





SEGUNDA ADVERTÊNCIA


Este caderno não contribui para nenhuma teoria,
exceto
a dos coletores de sementes.


O sopro excessivo sobre a palavra revela o pó
onde se esperava
Uma mensagem.




*****




O RETORNO-ESTORVO


1.O QUE SE FAZ agora
foi feito antes -

a roupa escolhida
para ter sorte na pesca

o anel gravado em
garantia de um acordo

a mão firme onde
uma assinatura espera

o sal posto ao sol
para durar o alimento

- tudo se dispusera em nós
por alguém nascido

sem que entendêssemos
sua mensagem.




*****




ANTENOR


40 cães na mata.
Caça
para si, nem tanto.
A paca

(substantivo macio)
queda
ao mandatário.

40 cães na caça.

3 porcos (cacete
seu nome de guerra),
enfim,
para a família.

(Porco do mato:
queixo
duro - 
verbo irregular).

Com 40 se mata
o tempo.

A distância entre uma
fazenda
e outra,
às vezes.

40 mantas e mais
na vida.

Antenor não caça
para si
para ninguém: pelas
oitenta

vírgulas eriçadas
aposta.




*****




CORTE


O trigo não tem a cabeça
alta
depois que a foice passeia.

Quem está no campo,
a essa hora,
não volta com a notícia.

Quem fica à espera
embora
creia no arco da mudança,

quando muito, vai à porta
e nutre,
em vão, a própria saúde.

Se há beleza em tal obra
(e existe
no outro lado, uma

janela com as bandeiras
em eclípse),
em ruínas se esculpe.



*Os poemas acima foram extraídos dos livros "qvasi" e "O som vertebrado".


quinta-feira, 27 de abril de 2023

Vamberto Spinelli Jr

Vamberto Spinelli Jr nasceu em João Pessoa. É poeta, doutor em Sociologia, Professor da Rede Pública Estadual  e do Curso de Medicina do Centro Universitário de Patos (UNIFIP). Ganhou o prêmio Novos Autores Paraibanos promovido pela UFPB. Seus poemas estão em diversas revistas literárias como Casulo e Correio das Artes. Publicou dois livros de poemas, "Sem lugar" e "Piquete soledade".


PIQUETE CAMUSIANO

poema seja
soco surdo
tributo ao mundo

: ser em si
ponte-abismo
e único

poema seiva
quiçá
insolente fruto

sentir-pensar:
só revolta ante
o absurdo.




*****




MOTIM


escrever poemas
é uma forma de resistir
sem fazer
concessões

motim
dentro
do silêncio.




*****




ACIDENTAL

micropetardos capturados
na hora mais grave

da antiflora gutural
brota o poema,
(in)decifrável
amora-silvestre.




*****





LA PAZ

saudade não é literatura
palavra que não cabe palavra

um continente desolado
que se guarda sem querer

é perder-se
em meio à multidão implacável
que resiste indiferente

como se oxigênio fosse
silício e silêncio

a quase quatro mil metros
acima do mar




*****




INDISSOLÚVEL

o sertão me percorre
somos secos áridos sonhos
tão paridos um pro outro
tamanho dobrado sobre o tamanho.

mas nada comove nem abranda
a entranhada costa solar
o hospital que mais sana
o desejo exasperado de mar.


quarta-feira, 26 de abril de 2023

Apolônio Cardoso

Apolônio Cardoso (1938-2014) nasceu em Campina Grande e é considerado por muita gente uma das maiores expressões poéticas do Nordeste. Advogado, poeta e repentista, é autor de vários poemas e canções populares, como Flor do Mocambo e Flor do Cascalho. Essa última, inclusive, foi música tema do filme Romance (2008), do premiado cineasta Guel Arraes e teve direção musical de Caetano Veloso Por quase sempre tratar de flores em seus poemas, Apolônio Cardoso é conhecido como o “poeta das flores”.


Flor do Mocambo


Dedico a você que está me ouvindo
E talvez sentindo saudades também
Ô Flor do Mocambo vestida de luto
Herança do fruto dos beijos de alguém

Foi de madrugada, quando eu lhe beijei
Parti e chorei, vendo a imagem sua
Sou triste e boêmio sem felicidade
Cantando saudade, aos raios da lua

Você flor divina, tão simples e tão bela
Ô flor amarela, do meu pé de jambo
Sou triste poeta, cativo mais amo
Por isso lhe chamo de Flor do Mocambo

Não tenho riqueza para lhe ofertar
Navio nem mar, nem Copacabana
Só tenho a viola a vida e mulambo
Ô Flor do Mocambo, da minha choupana

Lhe dou as estrelas, a lua a cascata
O campo e a mata, o riso e o pranto
Estrela cadente luz de vagalume
Venha dá perfume, aos versos que conto

Lhe dou peixinho, que morre na areia
A voz da sereia, que canta escondida
Eu só quero apenas que os dias seus
Se unam aos meus, nos dramas da vida

Odeio o guerreiro, da vil raça humana
O homem que engana ao sei Criador
Pois morro brigando no céu e na terra
E até faço guerra, pra ter seu amor

Olhando a inocência, que tem no seu riso
Eu fico indeciso, sem saber o que faça
Você é poema da felicidade
Plantando saudade, na alma da raça

Quando a mocidade, voar for embora
Olhando a aurora, sem saber porque
Aí chorarei já quase no fim
Com pena de mim, pensando em você

Termino o poema, olhando pra lua
Linda deusa nua, que sente ciúme
Ô flor do mocambo dos meus desenganos
No passar dos anos não perca o perfume

Pedro Osmar

Pedro Osmar Gomes Coutinho nasceu em João Pessoa-Pb. Poeta, músico, artista plástico e publicitário. Nos anos 1960 e 1970, ingressou no movimento da poesia marginal, participando da chamada “Geração Mimeógrafo”. Por essa, época, suas atividades poéticas escolares logo se expandiram para recitais em ruas e associações. Possui textos seus montados para teatro, entre eles, “Quem é Palhaço, Aquí?”, por Edilson Dias; “Fogo Prestes” por Horieby Ribeiro, Edmilson Cantalice e Jacinto Moreno. Teve músicas suas gravadas por Elba Ramalho, Lenine, Zé Ramalho, Shangai, Zeca Baleiro, Totonho, Escurinho, Milton Dornellas, Gláucia Lima, Amelinha e outros. Publicou o livro "World Trade Center" juntamente com o poeta Ronaldo Monte e diversos folhetos. possui um vasto catálogo na área musical.




Conheça as Vantagens

Um bom disfarce para o medo
é a gula
é a dura trajetória
do espírito carne adentro
é a camada de ozônio
se rompendo em raios
nuvem de chumbo sobre frutas




*****



Alguém

É um boi que passa
clínico
metafísico
por dentro do ônibus

Pasta uma baba lepra
lambe um
silêncio triste
e um Chuncho
e um baque

Quantos quilos?
Rabo ou pata?
Tratar com Biu de Malaquias
preço a combinar.




*****




Torres/touros
Como palavras na gaveta
Ruindo linguaragens-dia
Em véus (cavalares).




*****


Da torre moura
Uma gitana canta.
Vinga-se Guernica.
Descansa em paz
A alma do touro andaluz.




*****



Pedras de palavras
Comendo-se carne
E sinos batendo-se
Ao pó.






Ícaro Medeiros de França

Ícaro Medeiros de França nasceu em João Pessoa-Pb e vive em Manaus-AM. É formado em Publicidade  e Propaganda. Publica seus poemas em periódicos como O Correio das Artes e nas redes sociais.



Carboidrato

Comprei a massa mais burra
Porque era a mais barata
Mais fácil de ser cozida
Mais fácil de ser servida
Engolida, digerid e excretada
Só comprei porque era fácil
Odeio gosto de massa




*****




"Chão"

Sou normal
Me encaixo no padrão
Cabelo sempre igual
Sonho com os pés no chão
Não tive trauma de infância
Obedeço os meus pais
Respeito as leis de trânsito
Não ando na contramão
To estudando para concurso
Sonho com os pés no chão
Nunca fui no exterior
O salário não é tanto
Quando dá vou à praia
Aproveito em família
Tenho a vida sossegada
Tomo café com pão
As contas formam uma pilha
Sonho com os pés no chão
Durmo depois da novela
10h já to na cama
Gosto de gente de bem
Que aceita e não reclama
Amanhã acordo cedo
2,20 a condução
Espero o fim de semana
Sonho com os pés no chão
Nunca fiz tatuagem
Não gosto de aparecer
Outros falam por mim
Escuto na multidão
E a vida é assim
Sonhar com os pés no chão
E do chão nunca saí
Sempre fui normal
E hoje me arrependi




*****




POR ONDE

pessoa, por onde andas?
pombo, por onde voas?
grilo, por onde cantas?
amor, por onde pulsas?
mágoa, por onde sofres?
sonhos, por onde vives?
morte, por onde lutos?
tempo, por onde perdes?
luta, por onde pazes?
riso, por onde abres?
futuro, por onde zelas?
eu, às vezes sei *****
Nunca se sabe
mas talvez uma coisa boa nos espere lá na frente
ansiosa por um abraço
um sorriso
e o desejo de percorrer mais alguns quilômetros
falando sobre o que sente
e o que deixou de sentir
Talvez até nada te espere
pois demorasse
fosse besta e a coisa
seja lá o que fosse, fosse impaciente
talvez cansou e partiu
achando q tu nem vinha
pois é
é um mistério, né?
Nunca se sabe
mas se nunca fizer
nunca vai fazer
***** Cachoeira Forte feito água Sensível como as pedras



Marcus Vinícius

Marcus Vinícius de Andrade nasceu em Recife e fez seus primeiros estudos de música com os maestros Arlindo Teixeira, Pedro Santos e com o pianista Gerardo Parente. Compositor, maestro, arranjador e Presidente da Associação de Músicos, Arranjadores e Regentes (AMAR-SOMBRÁS), sociedade de gestão coletiva de direitos autorais musicais que integra o ECAD. Foi membro do extinto Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), que pertencia ao Ministério da Cultura. É um profundo conhecedor da matéria autoral, sendo um dos nomes mais respeitados de nosso país. Nesta entrevista, analisa questões que estão na ordem do dia. Paralelamente ao trabalho musical, integrou o Grupo Sanhauá lançando por esse grupo dois livros de poemas, "Poema Quase Canto e "Cinco Tempos do Olho".


FALAÇÃO (1)


o rádio de pilha disposto sobre a mesa
                    - concentra
mais que a comida do espírito
                    - condensa
mais a palavra que o grito
                    - enfrenta
mais o gemer que o gemido

                    - alenta
mais que um simples estar perdido
                    e se aleita
                    no seu próprio
                    u  m  b  i  g  o...

o rádio de pilha disposto sobre a mesa
se perde conforme os seus sentidos
                   (antenas
                          ou então
                                 ruídos)
captando e se embabelando: sons
sendo o que é
                   tendo sido
outrora nada mais além
           nada mais sem
           um sim sem mais também
        -  s i m p l e s   f e i x e   d e  g r i t o s.

o rádio de pilha disposto sobre a mesa
está muito além de mim:
                     eu mesmo que
                          meço/avalio
o fato simples dele estar vivo;
                     eu mesmo que
                     com uma pancada
posso descontrolá-lo de seus fios;
mas eleme pega
e em estar pegando-me
cala-me com seu coração frio.

o medo escorreu por entre os olhos
                  e chegou até os lábios do menino:
com um xarope amargo então, que ele
                  provasse (uma careta!) sem nenhum efeito.

                  e daí para mil noites sem sono
de fantasmais sonhos, abismo colorido
                  e seus bichos de memória deslizando
nas visões frescas de tevemaníaco

foi um pulo: um só apenas
                   o suor esquecido e descarnado
o seu olhos de infante, avessamente...

                  nele jazia um pássaro tombado:
o medo  -    que ali se alimentava
                  na sala escura com a tevê na frente...


Anco Márcio

Anco Márcio de Miranda Tavares (1944-2013), nasceu e viveu em João Pessoa. Jornalista, poeta e teatrólogo, publicou pelas Edições Sanhauá o livro “Canto Chão”. Recebeu diversos prêmios como diretor, ator e autor de peças infantis. Trabalhou em rádios e jornais de João Pessoa como locutor, produtor e redator. Contista, publicou em revistas de circulação nacional. Teve vários textos humorísticos publicados no “Pasquim”. Publicou também o livro “Levanta que o leão é bravo”.


PARA MARIA CRISTINA


abertura

quando a terra estiver livre
meu poema será ode...


*


nesta terra
que gerou cantos
há homens magros
que semeiam prantos


*


a rude mão
que a terra seca
fará do amor
seu canto de liberdade


*


este pranto
- é o homem
sua semente de liberdade
precisa ser lançada
para que seu pranto
se transforma
em sorriso


*


este ferro
que mil covas
cava
não fere a terra
que esperanças
encerra


*


nesta terra insone
onde lida o homem
os pés da liberdade
um dia pisarão
- e sulcarão covas
de onde brotam lírios


*


não passará muito tempo
para o chão
que o homem pisa
libertar-se do cambão
e os que pisam chão-escravo
terras livres
pisarão


*


o  homem não cansa
quando a terra mansa
por sua mão
se abre
se o chão é duro
seu cavar macio
provoca carícias
com a foice-lança.



*



cantemos o chão
que a mão do homem ceifa
que nunca se queixa
do ferro que fere
cantemos as chagas
desta terra virgem
que da ceifa seita
gera liberdade.



(...)



Fonte: antologia poética grupo sanhauá






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