terça-feira, 4 de abril de 2023

José Antônio Assunção

José Antônio Assunção nasceu em Vila Melão (RN), passou a infância em Cuité-Pb, residiu em Campina Grande-Pb  e atualmente mora em João Pessoa-Pb. É bacharel em Matemática, com especialização em Lógica. Nos anos 70 participou ativamente do cenário cultural de Campina Grande, integrando o grupo teatral Cacilda Becker e a revista Garatuja. É poeta, autor dos livros O Câncer no Pêssego, A trapaça da rosa e A casa do ser. Aposentou-se como produtor cultural nos quadros da UFPB.




INVISÍVEL PIPA (para Sérgio de Castro Pinto)
Feito pesados sacos
De brita sobre o húmus.
Graves gotas de suor
Rolam desde a testa
Ao peito ressecado.
Alheio o olho, mira o atávico
Vasto enleio do mar
Com a areia irisada.
Um menino empunha um cordel.
Invisível elo das mãos
Com a alma desgarrada. *****
Natal 1987 (Aos filhos Tasla e Rúlio)
O Perdido gesto de vasculhar os sapatos na manhã dos sinos. Os próprios sapatos (itinerário de ti?) já quedam rotos nas rugas do tempo. É o menino antigo, só de teimoso, suporta o presente. *****
O Vínculo
Essa velha cadeira desgarrada do quanto pra ela foi talher e exílio; essa velha cadeira de espaldar esguio de onde a noite (todo pai é um abismo) contemplo o rosto de meu filho; essa velha cadeira rúnica a quem não me doeu acrescentar um signo; essa velha cadeira (nunca a destruam) comprei por um reles rútilo níquel numa loja de móveis usados onde ela jazia estúpida, perdido o vinculo. *****

DAMA DAS CILADAS

Sofrido o sinistro Vem o caos, a tribulação. Passada a borrasca Segue a nave, Alepo Ciclâmen.

Ninguém está a salvo Da palma da desgraça Do laço das ciladas.

Ninguém, nobre ou plebeu, Escapa ao fascínio Da incansável Dama Das Camélias, e seus crisântemos de aluguel.

Assim falava um profeta No deserto das palavras No casulo das imagens. ***** DE MUNCH, MONET E BOXE

Depois de tantas jornadas Quedo feito folha de outono À grama que perdeu o viço Ao barro que me corteja o baço. Mas decididamente Não recolherei meu facho O pódium bem ali a esperar meu lábaro A tocha de Prometeu a verberar meu nome Um tanto de gaze a garantir-me o braço. Assim, hei de cumprir meu fado Uma guitarra gitana a ferir-me a palma O grito de Munch a entranhar-me a alma Um quadro de Monet a fechar-me a pálpebra. Um verso último a roçar-me o lábio. (Não te falei que sou todo Sísifo?)

Babilak Bah

Gilson Cesar da Silva (Babilak Bah) nasceu em Bayeux-Pb e reside atualmente em Belo Horizonte é músico profissional, poeta, arte-educador, artista-visual militante do Movimento Negro. Publicou quatro livros: Diáspora Descontente – 2021, Uma Clínica de Instantes Inusitados – 2021 – Corpoletrado – 2009, Voo miragem – 2003 e produziu dois CDs: Enxadário: Orquestra de Enxadas, em 2006, e Biografia de Homens Inquietos, em 2010, e o DVD Afroprogressivo, em 2014. Atualmente coordena o coletivo Trem Tan Tan e ministra a oficina:ritmo, corpo e palavras.


HD EM SURTO
ORI CIBERNÉTICO
EM CONEXÃO
COM A CUIA
SUBJETIVA




*****




DOMADOR DE SIGNOS


Sem companhia
Acompanhado
de seu dilema

Quando dá sopa
Alguém tira a carne
de seu poema




*****




O POETA


Tão iluminado
pelo poema
foi eletrocutado
na hidrelétrica
de seu verso




*****




Diferença
Não é distância
Diferença existe
na Semelhança




*****




Vozes da cabaça




Dentro da diáspora
No hemisfério de fora
expulso do baobá

Ouvi a voz da cuia
O verbo do berimbau
A ventania na cabaça
A fala do berra-boi

A diáspora dem cabeça
Assombra em pedaços
O pé do homem rachado
A poeira no olho
O chapéu de palha

Atrapalha a paisagem
A memória curva
O olho calejado
As mãos de calo

Um lombo torto
A história nas costas
O banzo das coisas
O samba meu blue

Gingo os episódios
Driblo as tragédias
Entrecruzo o caminho

Italo de Melo Ramalho

Ítalo de Melo Ramalho nasceu em Guarabira-Pb e vive em Aracaju-SE. É poeta, advogado e mestre em Antropologia. É autor de Nocaute das Horas, O inusitado amor do Catingueira e da Brucha (cordel, e-book, em parceria com Christina Ramalho. Organizou a coletânea de contos "Todas as águas" juntamente com Christina Ramalho  e Rafael Senra. Em 2021 publicou "um dia par cada abril ou a função sócio-política do afeto".


Plano


Vá sombra

cubra o plano

emprenhe com concreto

ético

as ruínas 

do cone-sul


sigo a linha 

e

nesta ausência  

de dança

espero 

de pé

as cigarras cantarem piaf

na betoneira 

do formigueiro-mor

teatro 

áfrica. ***** 27 de abril panis et pandemia são ingredientes básicos da cesta quando faltam o chumbo supre a fome estatística da vala ***** #5 o ar do balão leva o oxigênio para o mais longínquo território humano *****

1º de abril (2020) para abril abrir tem que ter pernas longas para o correr - veloz - da mentira para abrir abril precisa ter corpo de cobra para locomover - invisível - da caça ***** #28 a melhor imagem do corpo morto de pedro são os seus pés se pés deus tivesse tombariam juntos com a igreja do araguaia

Marineuma de Oliveira

Marineuma de Oliveira nasceu em Campina Grande-Pb, viveu a juventude e a infância em Pocinhos(Pb) e atualmente reside em João Pessoa. É doutora de Linguística e professora da UFPB. Coordena o grupo de intervenções poéticas Evocare. É autora dos livros "Vida Roda", "Entre Parênteses" e "Ponteio".




DIGITAIS


As mãos
labirintos
em veias
e calos,
revelam
o caminho
trilhado,
marcando
o passado,
ora leve,
ora fardo.




*****




CONTRAMÃO


Lá longe,
o barulho
do mar.

Aqui perto,
o canto de 
pássaros.

Aos poucos,
o dia acorda
e a noite se vai.

Tudo parece 
tão normal!

Só que não...




*****




DA PELE

 

Roupa
do corpo,
marca única,
registrada.

Entre pelos,
tecida;
em sardas,
bordada.

Minha pele,
tão áspera,
me veste
e me guarda:

redesenhada
por manchas
e rugas
tatuadas.




*****




DA FLOR

 

No fundo
do meu quintal,
há uma flor
lilás.

Outro dia,
fiquei horas
a fio
tentando
entender
como é possível
uma beleza assim:

que brota do nada,
no recanto
mais sem graça
do meu jardim.




*****

 

 

 

TRILHA PARTIDA

 

O fio
da meada
se partiu
dia desses,
libertando
o enredo,
que estava
seguro,
enrolado
e preso,
nas tramas
do novelo.


Paulo Nunes Batista

 Paulo Nunes Batista  (1924-2019) nasceu em João Pessoa-Pb, viveu e fez carreira literária em Anápoles-GO onde chegou a ser membro da Academia Goiana de Letras. Foi advogado, jornalista e poeta, tendo publicado inúmeros folhetos de Cordel e livros de contos e poesia. Entre os quais destacamos "Canto presente", Cantigas da Paz", "A caminho do azul", "De mãos acesas", "ABC de Carlos Drummond e outros ABCs", "Causicontos", "Cronicontos", alguns ensaios, entre eles destacamos "Um tributo à Câmara Cascudo", "Raizes do Cangaço". Foi preso político, orador espírita, Residiu no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Recife, João Pessoa, Recife e outras cidades.


META

Os olhos grandes cheios do infinito
da Música vestindo a Natureza
e as almas se banhando de Beleza
nas auras puras desse céu bendito.
O sonho, a lenda, a Fantasia, o mito,
tudo que aviva a inspiração acesa;
a Luz, nos velhos tuneis da Incerteza,
explode a tradição, e a regra, e o rito.
O romantismo azul da Boemia;
a alma rósea-lilás da Rebeldia,
esse misto de Povo e de Divino.
Essa coragem de já não ter medo,
eis a revelação do meu segredo
e a meta espiritual de meu destino.




*****




A SINFONIA DO SILÊNCIO


O cabto azul da água
no coração do bosque
Pássaros ensaiam
a sinfonia do Silêncio
A tarde é rosa aberta
embelezando a alma
Os Elementais se achegam
e nos ofertam seu Reino.
O Sol na asa do Espaço
sonha em ser só saudade
Que nos serve ser gente
sem servir a ninguém?
Nossas irmãs, as Plantas
servem, desde as Raízes
O Ar, a Àgua, a Terra, o Fogo servem
O' home, a que(m) tu serves?




*****


A ho(n)ra  p(ol)uída


O caso é este:
Já não se faz poente
como antigamente!

Um sol de néon se põe
sobre um horizonte de plástico.

Os humanos robôs assistem a esse
espetáculo
com seus olhos de vidro, suas mãos de metal.
Nesta ho(n)ra p(ol)uída, o que resta
da vida
após o Armageddon total?

Os passáros de Aço sobre
árvores de cimento armado
ainda tentam cantar.
O som apodreceu. O que era Grito é
mármore,
e virou pedra o ar.

Parecem ainda nadar os peixes
fictícios,
todos de uma só cor.
Mas não restam senão duas duríssimas Lágrimas
que um Deus qualquer chorou
sobre o altar dos derradeiros
Sacrifícios
no Ritual do Horror.

Quis falar, sem sucesso, uma Boca
eletrônica.
Mas não havia mais
uma palavra só, após a DOR
atômica -
a não serem uis! e ais!...

E toda a Arte - dos antigos aos
modernos -
de que memória havia nos museus
-
tudo subiu pros céus, na explosão
dos Infernos
ante os olhos atônitos de Deus!

E uma jovem sem cara exibiu o seu
sexo
numa palma de mão:
foi tudo o que sobrou, depois de
cem mil séculos
do Show de Armageddon.

Surdo-mudo, paralítico, asssexuado e
cego -
após dar-se na próxima mente o
Grande Nó -
o último homem entregou sua alma
toda ao ego
e nunca se sentiu tão infinitamente.
Só.




*****




 REFORMA


A casa velha, reformada, fica
limpa, cheirosa, sólida, habitável.
Viver em casa assim torna agradável
a vida, faz nossa existência rica.

A velhice, à matéria, danifica;
o mal torna o homem mais que miserável.
Torna-te bom, de tudo quanto amável
existe, tua vida, plenifica.

Faze a reforma do teu pensamento,
do teu desejo, do teu sentimento:
— Atira fora aquilo que não presta.

E deixa o Bem cobrir-te com sua Asa.
Quem se reforma, a si, reforma a Casa
de Deus — e faz, da vida, eterna morada. 




*****





                           ABC de cantoria para Soares Feitosa

 

 

Antônios! Santos, Poetas,
Profetas em Verso & Prosa!
Dêem-me as palavras certeiras,
da Rima e Métrica a entrosa,
pr’eu versar, todo em poesia,
o ABC DE CANTORIA
para SOARES FEITOSA.

Batistas... todos: Antônio
Batista Guedes, meu Tio;
Louro-Dimas-Otacílio,
meus Primos – o Grande Trio;
Ugolino do Teixeira,
meu Avô... abram a Porteira
do Verso – pro Desafio!

Cantadores e Coquistas;
os Poetas do Cordel;
Glosadores, Repentistas
tragam-me a Imagem fiel
pr’eu – retratando um Poeta –
atingir o alvo da meta
e cumprir bem meu papel!

Deus Apolo! Santas Musas!
Do Parnaso dêem-me a Mão,
trazendo a Luz da Poesia
nas Asas da Inspiração,
pr’eu aqui dizer quem é
esse Francisco José
SOARES FEITOSA, então.

Em Ipu, no Ceará,
esse Menino nasceu:
19 de Janeiro
foi o Dia em que se deu
o grande acontecimento.
Mas seu pai, que triste evento!,
no mesmo dia morreu.

Francisco José SOARES
FEITOSA é único filho
de Tatim e dona Anísia –
parteira de muito brilho.
Do norte do Ceará
trouxe o de melhor que há,
no seu destino andarilho...

Glaucineide, uma serrana
é sua Dona e Senhora.
Cearense, como ele,
no Lar da Virtude mora.
Tem cinco filhos do Chico:
fez o poeta mais rico
de um ouro que não descora...

Heroína, Dona Anísia
enfrentou a viuvez
com coragem, decisão,
fé, trabalho e sensatez.
Fazendola Catuana:
aí, Anísia, a Serrana
do Menino um Homem fez.

Infância, passa o Menino,
toda, em Monsenhor Tabosa,
cidadezinha pacata,
que de boa fama goza.
Num Seminário, em Sobral,
com 13 anos, afinal
entra SOARES FEITOSA.

Já dos 14 aos 15 anos
em nova Russas morou,
em casa do tio amigo
padre Leitão, que o ensinou.
Rio Macacos... seu rio...
Os sertões, a Mãe, o Tio
são saudades que guardou.

Lá vai o jovem Francisco
pelos campos a correr,
pelos matos ou caatingas
quando Deus manda chover...
ou quando a Seca secava
tudo em torno... e só restava
a água-de-se-não-morrer...

Macacos... diz o Poeta:
(Eu) “nem sei se ainda existe,
mas lhes garanto que água
ele não têm!”... dizer triste
de quem faz, do rio, tema
de um belíssimo poema...
O rio na alma resiste...

Nessas águas do Macacos
Chico Zé matou a sede...
deu inté bunda-canastra...
fez de sonho uma parede
para represar as águas...
E balançou suas mágoas
no céu azul de uma rede...

Outros ares: Moço Chico,
Jornalista em Fortaleza.
Foi caixeiro-viajante
no Piauí, com destreza,
vai pro Banco do Brasil.
De mexer com o metal vil
trouxe a sina, com certeza...

Porque, na casa do 20, –
dando à vida novo rumo –
aprovado por concurso,
mantendo o fiel do prumo,
Francisco José SOARES
FEITOSA se eleva aos ares:
já é fiscal do Consumo!

Quando viu que era preciso,
nos seus 22 de idade,
casou-se com Glaucineide,
pra sua felicidade.
Se diz sim – ela diz sim.
E os dois vão vivendo, assim
como se um só, na verdade.

Recife: catorze anos
em Recife residiu –
de 80 a 94.
O governo o transferiu
pra Salvador da Bahia.
O demônio da Poesia,
antes disso, descobriu...

Salvador... suas ladeiras...
a bela gente de cor...
Bahia de Castro Alves,
da Liberdade o Cantor!
E Chico, de Pernambuco,
trouxe, da Poesia, o suco
pra cantar em Salvador...

Traz, de Recife, o primeiro
poema, pois Chico o fez
beirando os 50 anos,
no ano 93.
Da Poesia a Estrela lhe arde.
Dá o Réquiem em Sol da Tarde
à luz, em 96.

UM Senhor Poeta surge,
quase da noite pro dia.
Ainda em 96,
funda o Jornal de Poesia –
pioneiro – na INTERNET.
Mas, neste 97,
é que mostra o que escondia...

Vem, PSI, A PENÚLTIMA,
sacudir nossa Nação
com Obra que, em nossas letras,
é quase revolução –
algo de espantoso e novo...
E balança a terra e o Povo,
com seu livro – SALOMÃO!

Xis de SOARES FEITOSA
é unir da copa à raiz
a Poesia Brasileira –
o melhor deste País.
Poesia valente, viva –
Verso & Prosa – positiva,
que acha do problema o xis...

Zâmbi, Meu Negro, Obrigado
por ter dado ao cordelista
a chance de abecedar
SOARES FEITOSA, o Artista!
Se me faltaram arte e engenho
perdoem o mau dese(mpe)nho
do

Gerimaldo Nunes

Gerimaldo Nunes (1963-2019) nasceu em Alagoa Grande-Pb. Era funcionário efetivo do Incra, jornalista formado pela UFPB, poeta e militante anarquista. Simpático ao movimento de Poesia Marginal, publicou alguns folhetos de poemas e a plaquete Retalhos, juntamente com o poeta Pachi. 




PRINCÍPIOS DE MARKETING
Ao amigo Pedro Osmar


Você
também 
estará dentro
de uma cela.
quanto vale
a sua cabeça?
quanto vale
a sua?
quanto vale
quanto?




*****





CONSIDERAÇÕES


Meus olhos
em Curitiba
eram bicho do mato
esperando
o bote da cascavel.




*****





COLAPSO INTELECTUAL


Antes
quando o meu amor
me despia
com seus olhos,
eu nu e feliz
esperava o instante
do beijo inicial.



*****




PAIXÃO EM TECNICOLOR


Eu tenho
um beijo
pra todas as cores,
hoje
eu vou desenhar
um arco-íris
na tua boca.



*****




ANO NOVO

(depois
do riso
as velhas dívidas)






domingo, 2 de abril de 2023

Hercília Fernandes

Hercília Fernandes nasceu em caicó-RN e reside em Cajazeiras onde é professora da UFCG. É Doutora em Educação pela UFRN e Mestra em Educação pela mesma universidade. É autora dos livros de poemas  Nos em Miúdos e Poemas de chamados espera & (a)fins.




OrientAção


Quando escreveres a minha história...
não te detenhas nos ditos, pleonasmos
                                        e vocativos

            leias-me as ausências, silêncios
                                -verbos indevidos

   as pausas pau-sa-da-mente repetidas
               preenchendo lacunas do não-
                                                 vivido

           e as coisas ver-da-dei-ra-mente
                                  fingidas que, ja-
                          mais, ousaria dizer!...




*****


Cítrica


estive aromática...
exalando cítricos e gomos pelas nádegas

gotas de orvalho molharam-me os lábios
e uma selvageria tomou conta de mim

simples assim...
                          ponho!




*****



Silêncio assustador


nossas bocas, metros, elos
a não palavras

parecem-nos dizer única coisa:
há estranheza fundante
no silêncio




*****




Bálsamos


as letras colorem as folhas
em tons de verde-escarlate:
púrpuras, fúcsias, azul- lilases
folhas nascidas em flor de macieira
que, de tão longe, bálsamos
me trazes



*****



inutilMente


os hóspedes
indesejáveis, pouco a pouco,
abandonam-me os ares
e o corpo imperfeito debate,
debalde, os apelos
da carne

Edônio Alves Nascimento

 Edônio Alves nascimento nasceu em Solânea-Pb e reside em João Pessoa. É poeta, jornalista e professor do Curso de Comunicação da UFPB e Doutor em Literatura Comparada pela UFRN. Publicou diversos livros de poemas, entre eles "Essa doce alquimia", "Os amantes de Orfeu" e "O desconcerto das coisas".



DECLARAÇÃO


Gosto dos odores vários
dos teus amores, minha ninfa.
E da lúbrica des(h)armonia dos teus humores.




*****




ALMA NARCÍSICA


Há poesia
num espelho sim;

Basta que o olhar
pousado nele
seja de mistério.




*****



RESIGNAÇÃO



No invento intermitente
em que eu existo,

Vou render-me aos suaves
desígnios do sol.

Eis que me rendo.

Porque a vida,
Amigo,

É misteriosamente maior
(e a leveza ubíqua
dos seus raios).




*****


INTUITUS PERSONAE


Carrego dentro de mim mesmo
um ambiente esconso
em que, nele restrito, assomo vasto.

Ambiente em cuja geografia mínima:
um compêndio de dores e de estalos,

misturam-se, mútuos, e a um só tempo,
o termo do claro no termo do escuro;

o ter o carma de um ser estranho
no mesmo thalma de ser obtuso.




*****




CONCLUSÃO


Há o poeta do momento
Há o poeta do dia
Há o poeta da noite
Há o poeta da semana
Há o poeta do mês
Há o poeta dos três:
O poeta do ano
O poeta do século
O poeta do milênio.
Mas, sobretudo,
Há o poeta do tempo.
Do tempo que se esvai
O poeta do poderoso tempo:
Do tempo do nunca mais.

Michelle C. Buss

Michelle C. Buss nasceu em Jaguari-RS e  atualmente reside em João Pessoa-Pb. É poeta e psicanalista, autora de quatro livros de poemas, O livro "Não nos ensinaram aamar ser mulher"  foi finalista do Prêmio da Academia Rio-grandense de Letras e finalista do Prêmio AGES. É Mestre em Letras pela UFRGS e é uma das criadoras do projeto literário no Instagram "Poesia Pelo Mundo" e ao lado do poeta Léo Cruz é curadora do Sarau Poetaria.






Desfazer nós

 

desenrolar

cortar as linhas

cortar entrelinhas

arrebentar os fios

separar os fios

desfazer

nós

 

 

*****

 

 

meu coração sangra

a ferida dos oceanos

insolações de sal

nas memórias em maresia

que ardem ao sopro

do vento prata dos teus olhos.

meu coração

um poema à deriva

nas águas de quem

acolhe a dinâmica das correntes

bússola interna de quem se entrega

de quem se desnudou de todos

os medos na praia…

meu coração

um pélago aberto

um rasgo de tempo

jardim marítimo

de conchas, tuas íris enluaradas,

de águas-vivas e teu não…

meu coração

o estouro do trovão

em tempestades em alto mar,

no céu fissuras de saudade.

retido nos meus olhos:

o som manso de tua voz nos meus cabelos

e os intervalos que se fizeram entre nós.

meu coração

um sol de silêncios

amanhecendo no mar…




*****




VOZES DA ANTIGA ÍTACA

as lágrimas são
fios sanguíneos
enrodilhados no chão da minha vida
dos eu faço tapeçaria
trama em carmim
urdidura de dor
no vermelho um tanto de ferida
no vermelho um rusgo de paixão
fiando
fiando
fiando
quantas Penélopes ainda se desfiam
em genéticas de sofrimento
tecendo na cozinha,
escondida nos quartos,
na tela de seus corpos
ecos distantes
dias no Egeu, noites no Mediterrâneo
na tela de seus corações tecendo
à espera de um suposto Ulisses?

*****

CONTAGEM D’ESTÓRIAS

reescrever a história
revoada de silêncios
sobrevoando
a fogueira queimando
memórias
esquecimentos
diluindo o tempo
vazio de vozes
silêncios
intervalo intermináveis
entre ausências e inexistir

Que história é essa que hoje sabemos?


*****


ATO DESMEDIDO

todo criador é um tradutor
todo tradutor é um criador
tudo parte do mundo
imaginação que transcende
o que muda é se a escolha do tom do fio
tece o formato da teia
ou se é o formato da teia que
determina a escolha do tom do fio


Ramon Diego

 Ramon Diego nasceu em Sousa-Pb e reside em Nossa Senhora da Glória -SE.  É professor e poeta. Doutorando em Literatura Comparada, pesquisador das questões que envolvem literatura, espaço e memória cultural, pela UFRN. Membro do grupo de pesquisa Ponte Literária Hispano-brasileira, dentro da linha Literatura comparada: estudos hispano-brasileiros. Mestre em estudos literários pelo programa de pós-graduação em letras da Universidade Federal de Sergipe (2018). Graduado em letras português-francês pela Universidade Federal de Sergipe (2015). Possui experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira sob a metodologia da Literatura Comparada, estabelecendo relações com outras áreas das humanidades, em especial com a filosofia e a história. Pesquisador na área de literatura e memória e literatura e espacialidades.



VIA LÁCTEA

Há um gato no avesso da noite.
Me incorporo ao bigode
de estrelas
que compõe
o seu rastro insone.

Seu suspiro
é um pesar inquieto
como a cauda
de um cometa
em chamas.

Há um gato no avesso da noite.
Seu miado revela a malícia
dos que, há muito,
não dormem, nem comem,
sob a pedagogia do corpo.

Nos seus olhos
dois sóis se equilibram
farejam e se impacientam,
aos prazeres da sombra
no húmus.

Há um gato no avesso da noite.
Espelhado na luz que o incendeia,
a tigela em que ele reflete,
constitui a sua via láctea.




*****

 


ASCENDÊNCIA

Nasci ascendente em aquário,
do lado em que a lua
é mais funda;
nasci ascendente
em desastre,
do verso que vibra 
nos dentes,
lavados em bicarbonato.
Das pás que cintilam
no asfalto,
no voo
d’árvore mutilada.



*****



Decorar

Se aprender uma coisa de cor
é mostrar ao nosso coração
o que vale a pena e a lida,
não se aprende de cor
por inteiro.

Só se aprende de cor
com o tempo,
que transforma
na lida, a palavra,
decorando
a nossa experiência.


*****



DOMINGO

O dia se despe
na cortina velha
que balança os móveis.

A tarde engatinha
pelo gelo inquieto
na dose de gim.

O homem chacoalha o copo
mistura as horas e,
como num passe de mágica,
bebe-as de um gole só.

Billie Holiday reclama seu espaço
ao fundo,
no canto esquerdo da sala,
engolida pela sombra
esparramada na varanda.
I honestly believe that you are bored
You’ve change”.


*****


EM DEFESA DO LÍRIO

Há um lírio no poema
exposto
em um vaso
de caos
e vaidade.

o estrume
é sua matéria-prima
mas renegam-lhe
a propriedade
de ser ele, profundo
e profano.

De sua boca ser cu
e saudade.

Há uma pátria
na terra em adubo
que impele o poeta
ao fracasso.

Envie poemas, minibio e foto para o e-mail lausiqueira@yahoo.com

Francc Neto

  Minha jornada como poeta começou na adolescência,  publicando poemas em revistas e jornais.  Ao longo dos anos, minha poesia foi reconheci...