quinta-feira, 30 de março de 2023

Perla Alves

 Perla Alves é natural de Patos-Pb onde ainda vive. É poeta, agente cultural, educadora popular, artesã, umbandista. É formada em Engenharia Florestal, com mestrado em Ciências Florestais e Ambientais, pela Universidade Federal de Campina Grande. Tem poemas publicados em 4 edições (2013, 2018, 2019 e 2022) da Amostra Literária Abril para a Leitura promovida pelo Centro Cultural Banco do Nordeste em Sousa. Participa do Projeto Poesia de Quarta promovido pelo IFPB – Campus de Cajazeiras, que resultou na primeira Antologia Poética Poesia de Quarta em 2020 e segunda edição em 2021. Em 2022 participou da construção do Mulherio das Letras Sertão. Atualmente representa o segmento da literatura no Coletivo Cultural Patoense Derréis.

 


 

 

Por nada e depois de tudo

 

Por nada e depois de tudo
A ingratidão
Memórias daquilo que é real
Pra sempre e infinitamente
O beijo da vida que antecede
O tapa da morte
Vela cada cena do livro
E as imensuráveis páginas repetidas
Que dialogam com o fim
Daquilo que nunca começou
Por nada e depois de tudo
A insuficiência
Escassez de um mundo criado
Desconstrução dos personagens
De uma história contada com beleza
Escondendo a brutal natureza
Da vida fantasiada com amor
Abraço de luz que conduz às trevas
Das profundezas de uma alma suja
O tapa da morte e o enxergar
Do palmo diante do nariz
Se o amor te faz dormir
A dor te ensina acordar
Por nada e depois de tudo
O despertar
Que dispõe a outra face
Se desarma, entrega os pontos
Nocaute na luta
Pede paz na batalha
Da guerra que nunca pensou guerrear.

 


***** 


 

Nas Linhas do Destino

 

A cada pensamento suprimido na razão
Amplia-se a vontade de libertação
Multiplica-se o desejo de voar
Por sobre mares e oceanos voar
Voar voar voar
Quem sabe um dia parar...
O que adianta fingir não pensar?
Se há a certeza cravada no olhar
O tempo passou e você não ouviu
Meu toque na porta, você não abriu
Resistiu
Assim como a morte, tudo sucumbiu...
Pensamentos que me levem
Companhia predileta
Hora aqui, hora ali...
Se perdem, se prendem...
Pensamentos do início ao fim
De um lado a outro
De dentro pra fora
Hora não, hora sim...
Nas linhas do destino
Vou tecendo a vida multicor
Contemplo o cinza do infinito esplendor
Que guardou o negro iluminado de estrelas
Num dia nublado e sem cor
Ah!... Se esse dia fosse azul do azul do céu
Daquele céu que meus olhos não ver sem tu
Se fosse turquesa de infindável beleza
Que só a natureza pudesse explicar
Estaria eu feliz, de um azul anil
Que a minha alma procurou morar
Nas linhas dessa vida teço meu caminho
Procuro um ninho que receba e guarde
Uma alma colorida de sonhos com o azul do mar
E se esse ninho fosse minha Fortaleza
Tingindo a tristeza de amor e certeza
Que em seu coração posso confiar?

 

 

 *****


Poema em meu despertar

 

Sem encontro marcado
Te encontrei
E na sutileza do encontro
Me encantei
Tua alma de alegria
Sorrir aos olhos meus
E no peito a fantasia
De me ver nos olhos teus
No pensamento a lembrança
Me ocupa o dia inteiro
No coração a esperança
De um amor verdadeiro
As horas passam correndo
Não sinto a noite passar
Uma energia me invade
Quando te vejo chegar
O vento sopra em meu ouvido
Te vejo como um poema
Luz no meu despertar
Dos tombos que a vida me deu
Jamais podia esperar
Da noite ao amanhecer
Por você me apaixonar
Estou faxinando a minha vida
Pra minha alma te abraçar
Abrirei as portas do meu coração
Pra um dia você entrar.

 


 *****

 


Acorda Maria

 

 

Acorda Maria
abre os olhos pra realidade
aprende o que é
amor de verdade
levanta a cabeça
sacode a poeira
aumenta essa voz
grita bem alto Maria
para o mundo inteiro ouvir
Chega de humilhação
Cuida do teu coração
Reage Maria
essa luta não é só tua
tantas mães, irmãs e tias
tantas mulheres na rua
pedem paz, vida, libertação
dessa vida de ilusão
de um amor pra toda vida
suportando a ferida
provocada por quem fala
de amor com uma arma na mão 
Não chora Maria
Engole o choro mulher
lave o rosto, lave a alma
ame mais a tua vida
ver que maravilha a vida é
acredite em si Maria
você pode ser tudo que quiser
amor de verdade
não maltrata uma mulher

Fala Maria
não cala a voz do teu coração
você merece amor de alma
não migalhas de atenção
sentimento raso não te serve
vida sem paixão é depressão
desperta e se liberta
que amor não é isso não

Força Maria
não desista de ser sua
não aceite menos
do que você merece
a vida é muito curta
vamos aproveitar
corte o mal pela raiz
amor de verdade nessa vida
É aquele que nos faz feliz.

 


 *****



O tempo ensina
 

O tempo ensina
Que o ser vale mais que o ter
Que o pouco pra muitos
É o suficiente pra poucos
Que a verdade pode doer
Mas a mentira mata
Que viver não é fácil
Mas a vida é bela
Que chorar não é fraqueza
Fraco é quem engole o choro
Que ser honesto não é ser otário
Otário é quem engana, ilude, trapaceia
O Tempo ensina
Que quem menos tem
É quem mais oferece
Que humildade não é pobreza
E riqueza não é dinheiro
Sabedoria não é escolaridade
Inteligência não é um diploma
O Tempo ensina
Que esse tempo acaba
A oportunidade passa
Um momento se perde
Que sofrimento transforma
Que ideia muda
Que escolhas definem
O Tempo ensina
Que importante é o agora
Que o futuro é um sonho
E o passado exemplo
De tudo que foi
Pra tudo que é
E ainda será
O Tempo ensina
Que ser livre
Não é ser libertino
Que amar
É o nosso destino
Pois a vida
É um tecido fino
Que o tempo
Assim como o vento
Pode enfim levar
O tempo ensina
Que podemos morrer
E depois renascer
Sem sair do lugar.


Analice Chaves

Analice Chaves nasceu em Belém do Pará, mas vive em João Pessoa desde os 8 anos. É autora dos livros de poesia Setembrices e outros resquícios de revolução (A União, 2015) e Um poema é um horizonte entempestado (Penalux, 2022). Participou também da produção e direção de espetáculos multiatísticos em João Pessoa. Graduada em Letras pela UFPB, trabalha como professora e compartilha suas poesia através das redes sociais. Na cabeceira estão Ana Martins Marques, Matilde Campilho, Nicanor Parra, Emily Dickinson e outros.

 


 

THE CITY IS THE HOUSE

A cidade é a casa, eu sinto assim
e a tempestade, o cão doméstico que anda sempre atrás de mim
Não tenho pressa pois estou em casa
posso chorar porque estou em casa
posso errar os caminhos com calma
e tenho, espalhados pelos trajetos, meus cantos de costume:
Um cantinho para deitar na areia
um lugarzinho onde falar sozinha
um espacinho para ser poeta em paz



*****

 


[sem título]

 

Uma vez por ano chove em João Pessoa vinte e quatro horas seguidas
Os noticiários anunciam que a chuva de todo um inverno coube em um dia e por um dia inteiro moramos num firmamento entempestado e sofremos de medo dos trovões

Uma vez por ano é preciso mudar as rodas diárias porque desaba um oceano

Há um guarda de trânsito avisando aos motoristas que o resto do caminho não cabe em uma tarde e faz-se necessário abrir os olhos em uma outra parte da cidade: nova como em uma viagem

 

Exatamente assim é um poema:
Escolho esta palavra com muito cuidado
porque preciso que ela bloqueie uma avenida
preciso fazer com que os motoristas sejam carregados como parte da corrente
Escolho esta palavra como quem anuncia uma enchente
Como quem escolhe uma árvore centenária para desabar sobre via
Para que o primeiro coração que a encontre precise dar meia volta
estar perdido, mudar de rota
até que a minha palavra lhe pareça o lado pouco visitado da cidade
E abre-lhes os olhos como os de quem nasce
bem no meio de uma trovoada
de susto, surpresa, tremor e chacoalhada

E é para isso que existe a poesia:
para o que antes parecia ser nada

 

(publicado em Um Poema é um Horizonte Entempestado. Editora Penalux, 2022)

 

*****

 


SAUDADE

Cidade, tenho recentemente estado à beira de um colapso de saudades tuas
o que chega a ser até imprudente
pois és tudo o que assim me rodeia
Tenho, nos últimos tempos, me debulhado em saudades absurdas;
do que nunca foi, do que nunca deixou de ser
Saudade do dia de hoje, saudade do dia de ontem, de todos os dias da vida
Sinto saudade dos lugares onde estive, maiores e menores que ti
saudade de, sem fôlego, pelo sol ou pelo susto, subir ladeiras alheias
e chego a ter saudade de achar que lembro de ter visto algo antes
De ter cinco anos a menos, dez, quinte, vinte e cinco, quando eu nem estava
Tenho saudade da África e nunca cruzei nenhum oceano
Me sufoco de saudades de uma canção que não me lembro
Tenho saudades de um amor que acho não ter amado
De um amor que nunca foi meu
Tenho grandiosas e terríveis saudades do que poderia ter sido e não foi
Ouço uma canção e tenho saudade do segundo anterior
Tenho saudade do sol e é meio dia em ponto
De arder em febre, sangrar os joelhos
Sinto saudades de mim
E acho que assim enlouqueço
Sinto vontades de casa
Saudades desse instante segundo que agora passa
E poderia ter sido outro
Não deve haver um amor no mundo pelo qual eu não tenha sofrido saudades

Deste poema eu sinto saudade
Sinto saudade deste poema exato
Porque pensei que ele diria tudo




*****

 


POR AMOR AOS AMORES-FANTASMAS

Se a solidão fosse um lugar,
talvez não fosse uma ilha
e nenhuma mansão escura como
onde vive Miss Havisham
na verdade, seria qualquer oposto de escuro
porque tu estarias comigo



*****

 

 

MARÉ

Porque o toque da cidade é sempre o mesmo
eu mesma estou aqui e debaixo da maior lua do século ao mesmo tempo
aqui e no meio de um carnaval tão barulhento
aqui e no silêncio do passar das horas das praças vazias

Porque é o toque da cidade que me arrepia
até quando a maior das tempestades desacelera o trânsito
até quando perder-se e encontrar-se são faces do mesmo encanto
até quando, trôpega e adoentada, acho a saída

Quando o pedaço de asfalto sob meus pés é o ponto de partida
Tudo sinto, ao meu redor tudo ouço, ao meu redor
O luso-sotaque de algum turista nas bancas da praia
O uivo das corujas respondendo as motocicletas da madrugada
O sussurro dos bichos que habitam as restingas
E, na noite certa, até o chiar da luz da lua expondo a distância do horizonte por trás do mar

Tudo se repete e eu sou parte disso
Como ave migratória, bando de tartarugas
tambores de ala ursas
Volto sempre ao mesmo lugar



*****

 


A AUDIÇÃO DAS AVES DE RAPINA

 

Leonardo,
há na Amazônia uma espécie de águia que mede dois metros e caça pequenos mamíferos
vi uma vez uma reportagem sobre como carcaças são encontradas nos seus ninhos
são hárpias
As hárpias, quando muito cedo, sobrevoam a floresta a mostrar a seus filhotes que o mundo é lindo
elas reconhecem as canções que tocam os povos e as canções que sopram os ventos
Acreditas? Eu acredito
sobrevoaria dezenas de florestas se a mim coubesse…
Já notaste carcarás fazerem círculos por sobre a mata?
Já avistaste gaviões a flutuar por cima dos prédios?
Eles passeiam contra a luz na rota dos monomotores e são muito maiores do que pensam os homens
Há algo no teu nome de fera que me lembra um tomar fôlego
que se o voo de um pássaro místico sobrevoando a cidade fosse um vocábulo, talvez fosse o teu
que se os grandes felinos povoassem os céus das metrópoles assim levantariam os corpos do chão: como se pronuncia o teu nome
Ninguém nunca te disse isso
Também, as aves de rapina têm todas a audição tão apurada
que as hárpias amazônicas ouvem a respiração das presas que se escondem entre a folhagem
e os gaviões urbanos escutam as canções que me sugeres enquanto puxas o céu com uma linha pra o teu lado do globo
já ouviram todas elas antes, porque alguém que as tocou pela primeira vez se punha debaixo de uma janela
Quando me perguntas se eu gostaria de conhecer um compositor russo que me estilhaçaria o coração e eu respondo: claro, por que não?
ocupam os topos dos postes e as quinas das coberturas dos arranha céus
assim, toda vez que teu arco toca as cordas, reges a pulsação do peito de um pássaro forte
Eles todos te conhecem
Só consigo pensar que alguém capaz de domar o peito das feras teria um nome como o teu
É o teu nome, a floresta, um compositor russo, e a rota dos monomotores


POETAS DE TUTANO - outras paraíbas

CELEBRANDO LÍRIA PORTO


Líria Porto nasceu em Araguari-MG e reside em Araxá-MG. É professora e poeta. Publicou alguns livros de poemas, entre eles “Cadela Prateada”, “Garimpo” e “Asa de Passarinho”. Sua poesia é encontrada em jornais, revistas, sites e blogs.

Recentemente disse que “na próxima encadernação quer nascer paraibana.”

Hoje comemoramos a inclusão de cem poetas no blog Gota Serena. Nem perto da metade da metade neste “estado de poesia” que sempre surpreende.

A cada cem paraibanos incluídos no blog, celebraremos poetas dos países de Lìngua Portuguesa (nossa pátria).

SÓ POETAS DE TUTANO!

Bem-vinda ao Gota Serena, querida Líria Porto!

 


 

 

a vida não é justa
- é plissada franzida
godê – e é curta

 


*****

 


rebanho


há almas
que marcam nosso corpo
com ferro e fogo

há corpos
que fincam em nossa alma
a eternidade




*****

 

das cicatrizes seculares


um dia pequeno partiste eu fiquei
restou-se-me a culpa estrago sem jeito
saí pelas ruas de olhos sem ver
prendessem-me matassem-me
arrancassem-me os seios

(chorei como a chuva do mês de dezembro)

virei enxurrada poça d’água represa
secou-se-me o leite a vida ruiu
um raio partiu minha alma o espelho
morri reencarnei e ainda padeço
são mil estilhaços com teus olhos dentro

 

 


*****


 

bardo

 

tal qual um menino
procura brinquedos
lá vai o poeta
a tinta as letras 

tal qual passarinho
no uso das asas
lá vai o poeta
o voo as palavras 

tal qual a canoa
por cima do rio
lá vai o poeta
o remo a rima

tal qual marinheiro
no rumo do mar
lá vai o poeta
a bússola a poesia 

tal qual lavra_dor
na lida da terra
lá vai o poeta

:

lavai o sangue





*****




uno

 

eu não sou eu sou nosotros
formamos um coletivo
lutamos todos por todos
por semelhantes motivos

tua fome é minha fome
teus medos meus calafrios
somos homens somos bichos
nasceu de ti é meu filho

(couro pele pena escama
precisamos proteger-nos
dos terríveis predadores
de todo e qualquer perigo)  





*****



açúcar e muito afeto

 

e por falar em canela
panelas e coisas tais
põe uns cravos
ovos batidos
as casquinhas de um limão
leite açúcar derretido
bem fervido fumegante
deixa lá em fogo brando
quero ver se alguém resiste
à ambrósia dos céus
receita inigualável
doçuras de minha mãe

 

 

Natália Luna

Natália Luna (João Pessoa-PB, 1990). Formada em Filosofia pela Unicamp e autora do livro de poesia Íntimo Exílio pela ed. Urutau (2019). Está na produção de seu segundo livro, Rumina. Já publicou poemas pela Revista Textou, Mapa Brava e participa da Antologia “Um Brasil ainda em chamas”, pela ed. Contracapa, 2022.




AFRODISÍACO

 

Quem dirá, enfim, de nosso elixir, de nosso maracujá,
quando na cama:
a tarja branca, ao lado, para trás, na cabeceira.

Quem dirá de nós, que fomos quando seguimos,
na repartição feito o azedume, aquele, que para mim
foi claro, como um porre, um drink, no sofá:

Quem dirá? De mim, de ti, do enxame?
– Mas logo esses, juntos?
A partição dos nós, ou melhor seria dizer

A nós no vela, ao nos levar, em merecidas amarras
quando descemos à língua por bem amar?

Rosa Púrpura do Cairo, não caia, feito gigante,
nesses novelos, sem essa.
Talvez fosse assim que dirias;
eu, apressando o passo, desarticulada, sem jeito:

Na alvenaria me pretendia, feito sujeito.
– A imagem que você criou de mim não me corteja.




*****


ERA UMA VEZ

Era uma vez um aludir, um iludir e um explanar
Era uma vez um fim de tarde
Era uma vez um ir e vir a qualquer parte

Estar à deriva
Estar de passant
Estar de solilóquio
E partir quando se metia num invólucro
Nada muito concreto palpável sólido

Era uma vez
De muitas vezes e nuncares
A liberdade foi a sobra
E que não nos reste mais que isto
No prato de contar migalhas
Para o desejo que era só amplidão

Era uma vez
Menino na ponta dos dedos, faceiro menino na beira do âmago
Era uma vez
Menina no rodopio da saia até sangrar
o joelho mal se apercebendo do véu da manhã

Cheios de pérolas e anos
Cerca de sobra
Sentido por um fio
E silêncio por contar,
depois de encerrar um ciclo.




*****



LIGAÇÃO A COBRAR


Nós não precisamos nos esquecer

De que a comunicação é falha

De que a voz gagueja sem ar

De que o sopro é um assovio

De que o titubear é um sentimento

De que já temos lombar para reclamar

De que o cavalo impulsiona a montaria

De que o amor é um bolero sem gaivotas num filme pertinente

De que os vizinhos observam tudo onde não cabe ciência,

inclusive se o bar estiver fechado

De que o engasgar é a interrupção de uma mulher que foi silenciada,

antes que nos déssemos por conta

De que a sala é maior só quando cabem dois

De que o sofá pode ser no chão e não vir à prestação,

assim como o colchão e os papéis pardos

De que o mar é revolto quando ancora na orla

De que a infância nos percorre os dedos em lágrimas

e forma poças d’água na palma da mão quando não deságuam,

conduzindo o movimento lento

De que a beleza do bê-a-bá não se encerra em sua caligrafia.


 

 

Moama Marques

 Moama Marques nasceu em Pombal-Pb e reside em João Pessoa-Pb. É professora de Literatura e Língua Portuguesa na UFPB. "Bem-vindos os bárbaros é o seu primeiro livro de poemas. Colabora com revistas e portais de literatura.




A CAIXA DE FÓSFOROS


A história do corpo
(do nosso corpo)
começa com a caça
ao fogo

A história do fogo
(a que conhecemos)
se faz de pequenos
incêndios




*****



ESFINGE


O fio que faz do enigma
novelo
é o mesmo
que faz
a curiosidade do gato?




*****




SANGRIA

A memória do meu pai tem cheiro da chuva
chegando no sertão.

Não demora, e tudo é infância.

A alegria, um rio
navegável
ao meio-
fio




*****




BLACKBIRD


Um passarinho
pousou
na minha sorte

Todo dia
ele me assovia
uma canção de bem viver




*****





MÁTRIA


Tudo que nela plantava
vingava
espécies raras de flores
vermelhos frutos
de uma cor indócil
entre a páprica doce
perfumando a carne crua
e a textura da pele
tostada pelo urucum


Carlos Alberto Jales

 Carlos Alberto Jales Costa nasceue em Natal-RN e reside em João Pessoa-Pb. Formado em Filosofia e Direito, lecionou em várias instituições de ensino superior, entre as quais a Universidade Federal da Paraíba e a Universidade Católica de Pernambuco. Já publicou diversos livros nas áreas de educação e poesia. Vindimas da Solidão (poesia) e o mais recente.




O POEMA ETERNIZA O INSTANTE

O poema eterniza o instante: luzes na madrugada, canto órfico dos pássaros, vozes dispersas que não se encontram. O poema eterniza o instante: e se recolhe a velhos mosteiros à espera de rituais de silêncio.



*****



AGORA QUE NÃO ESCUTO MAIS AS VOZES DE OUTRORA


Agora que não escuto mais
as vozes de outrora me
mostrando caminhos.

Agora que lilases
murcham so olhar
paciente dos jardineiros

Agora que os relâmpagos
não iluminam mais minha
lucidez

Agora que as tardes dispersas
ficam surdas à música dos
realejos.

Agora que do cio do chão
não brotam mais palavras
e lágrimas.

Agora que as ancas do tempo
nos apontam dias de ira.

Agora que os homens se perdem
entre rochas e vegetais, um barco
clandestino me espera e me leva
entre promessas e ventanias aos
arredores de um mar subjugado.



*****



EM TUDO O HOMEM PROCURA


Em tudo o homem procura:
a devoção,
a oração
a ilusão

Em tudo o homem vislumbra:
os ermos
os termos
os cerros

Em tudo o homem deseja:
as armas
as almas
as falas

Em tudo o homem descobre:
o posto
o rosto
o desgosto.

Em tudo o homem multiplica:
o nexo
o sexo
o amplexo.

Em tudo o homem constrói;
a utopia
a travessia
a agonia.

Em tudo o homem:
procura
vislumbra
deseja
descobre
multiplica
constrói.

Mas só encontra,
nos campos
da memória
a carne fraturada e
a solidão dos dias.



*****



 

TEMPO

 

Na vaga memória
do tempo, a noite
flutua. 

Escuto passos, mas
não distingo os sons. 

Imagino cansados
Viajantes chegando,
mas não sei de onde,

nem que caminhos
seguem com seus
crestados pés.

 Os mortos, discretos
como sempre, inventam
canções que ferem
o sigilo das águas. 

Na vaga memória do
tempo, a insônia
caminha com a solidão,
traçando o latejar
dos dias.



quarta-feira, 29 de março de 2023

Zé da Luz

Severino de Andrade Silva (1904-1965) nasceu em Itabaiana-PB e ficou conhecido como poeta Zé da Luz. Foi um alfaiate de profissão e poeta popular brasileiro. Faleceu no Rio de Janeiro.





A CACIMBA

Tá vendo aquela cacimba
Lá na bêra do riacho,
Im riba da ribancêra,
Qui fica, assim, pru dibaxo
De um pé de tamarinêra?

Pois, um magote de môça
Quage toda menhanzinha,
Foima, assim, aquela tuia,
Na bêra da cacimbinha
Tomando banho de cuia!

Eu não sei pru quê razão,
As águas dessa nacente,
As águas qui alí se vê,
Tem um gosto deferente
Das cacimba de bêbê…

As águas da cacimbinha
Tem um gôsto mais mió.
Nem sargada, nem insôça…
Tem um gostim do suó
Dos suvaco déssas môça…

Quando eu vejo essa cacimba,
Qui inspio a minha cara
E a cara torno a inspiá,
Naquelas águas quilara,
Pego logo a desejá…

…Desejo, pra que negá?
Desejo ser um caçote,
Cum dois óio desse tamanho!
Pra vê, aquele magóte
De môça tumando banho!

 

 

*****

 

BRASI CABOCO

O qui é Brasí Caboco?
É um Brasi diferente
do Brasí das capitá.
É um Brasi brasilêro,
sem mistura de instrangero,
um Brasi nacioná!

É o Brasi qui não veste
liforme de gazimira,
camisa de peito duro,
com butuadura de ouro…
Brasi caboco só veste,
camisa grossa de lista,
carça de brim da “polista”
gibão e chapéu de coro!

Brasi caboco num come
assentado nos banquete,
misturado cum os home
de casaca e anelão…
Brasi caboco só come
o bode seco, o feijão,
e as veiz uma panelada,
um pirão de carne verde,
nos dias da inleição
quando vai servi de iscada
prus home de posição.

Brasi caboco num sabe
falá ingrês nem francês,
munto meno o português
qui os outros fala imprestado…
Brasi caboco num inscreve;
munto má assina o nome
pra votar pru mode os home
Sê gunverno e diputado
Mas porém. Brasi caboco,
é um Brasi brasileiro,
sem mistura de instrangero
Um Brasi nacioná!

É o Brasi sertanejo
dos coco, das imbolada,
dos samba, dos vialejo,
zabumba e caracaxá!
É o Brasi das vaquejada,
do aboio dos vaquero,
do arranco das boiada
nos fechado ou tabulero!
É o Brasi das caboca
qui tem os óio feiticero,
qui tem a boca incarnada,
como fruta de cardoro
quando ela nasce alejada!

É o Brasi das promessa
nas noite de São João!
dos carro de boi cantano
pela boca dos cocão.

É o Brasi das caboca
qui cum sabença gunverna,
vinte e cinco pá-de-birro
cum a munfada entre as perna!
Brasi das briga de galo!
do jogo de “sôco-tôco”!
É o Brasi dos caboco
amansadô de cavalo!

É o Brasi dos cantadô,
desses caboco afamado,
qui nos verso improvisado,
sirrindo, cantáro o amô;
cantando choraro as mágua:
Brasi de Pelino Guedes,
de Inácio da Catingueira,
de Umbelino do Texera
e Romano de Mãe-d’água!

É o Brasi das caboca,
qui de noite se dibruça,
machucando o peito virge
no batente das jinela…
Vendo, os caboco pachola
qui geme, chora e soluça
nas cordas de uma viola,
ruendo paxão pru ela!

É esse o Brasi caboco.
Um Brasi bem brasilero,
sem mistura de instrangêro
Um Brasi nacioná!
Brasi, qui foi, eu tô certo
argum dia discuberto,
pru Pêdo Arves Cabrá.



*****

 

As Flô de Puxianã

 

Três muié ou três irmã,
três cachôrra da mulesta,
eu vi num dia de festa,
no lugar Puxinanã.

A mais véia, a mais ribusta
era mermo uma tentação!
mimosa flô do sertão
que o povo chamava Ogusta.

A segunda, a Guléimina,
tinha uns ói qui ô! mardição!
Matava quarqué critão
os oiá déssa minina.

Os ói dela paricia
duas istrêla tremendo,
se apagando e se acendendo
em noite de ventania.

A tercêra, era Maroca.
Cum um cóipo muito má feito.
Mas porém, tinha nos peito
dois cuscús de mandioca.

 

 

Marcos dos Anjos

Marcos Pereira dos Anjos nasceu em João Pessoa. Com “Alguns Gestos”, lançado em 1963, deu início ao Grupo Sanhauá, cuja maior preocupação foi tirar o escritor provinciano do ineditismo e que estava relegado. A seguir, editou “Canto Cão”, de Anco Márcio; “O Ataque”, de Antônio Serafim; “Linha de Limite” de Emmanuel Ponce de Leon Jr e, além de outros livros, a revista “Couro”, todos essencialmente artesanais e mimeografados, características ao Grupo Sanhauá.

 

 


 

ALGUNS GESTOS
(1962-1963)

 

Do
surgir-se
sentir-se
sumir-se

a b e r t u r a

o amor é barco
onde aportam distâncias


surge da verticalidade
     — este gesto

seu caminho é o barco
     — este momento
sua distância repousará
     — este silêncio


as cores
o tempo
o homem

— por que não inventamos
   um outro dia?


no amor
o homem é gesto
que silencia

— é acidental sua crueldade

o homem
só distâncias
só silêncio de se ir

— a ilusão de se estar


logo há de surgir
uma manhã de silêncio
para a edificação do homem


ao sentir-se
aspira o esquecer-se
e côncavo o pensar

— não há nada de essencial
    no existir


suas mãos fluem
        — murmúrios

— evocam-se silêncios
repetem-se-lhe os gestos
     caminha o ser

final

na limitação
flutua
a serenidade do ser

— o aniquilar-se

 

 

*****

 

 

OUTROS GESTOS DE EXISTIR-SE

 

o braço
nunca pesa
na terra
que se planta


- o braço espera
   toda vez que gera

busca o braço
onde
o rude pranto
reza

outros braços
onde silêncios
chuvas-sêmen
à terra cantam

 

um braço
se ergue

- o braço
   fixo-horizonte
   à boca alimento

 

o homem no pranto
o homem no canto
o homem no amor

 

o homem na terra
- a terra do homem
  o homem no homem
- escravo do homem

 

a terra é o homem
- sua liberdade
- seu pranto
- seu canto
- seu amor

 

se fosse esse rio
se fosse essa rua
se fosse essa casa

 

é simplesmente um homem
que é também viaduto

em si  fluem cidades
condensam-se postes
reflete-lhe os bondes
espia-lhe os anúncios

nu risonho
é simplesmente um homem
sozinho na ponte


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Francc Neto

  Minha jornada como poeta começou na adolescência,  publicando poemas em revistas e jornais.  Ao longo dos anos, minha poesia foi reconheci...