segunda-feira, 24 de abril de 2023

Alberto Lacet

Alberto Lacet nasceu em Teixeira-Pb e vive atualmente em João Pessoa-Pb. É artista plástico e escritor. Como pintor fez diversas exposições no Brasil e no exterior, tendo sua obra consagrada. Começou a escrever jpa na maturidade mas já publicou um romance, um livro de contos e o livro de poemas Explicações do Fogo, de onde selecionamos os poemas abaixo.



DINÂMICA

Um homem pode cair de um outono
E dissolver-se na água de um rio
E ser depois repatriado num peixe
De estômago vazio

Bastará o mero outono cruzando indiferente
Para um rio soltar-se no ar como folha ao vento
Um peixe embainhar-se na pedra
Esta lapidar folha de faca
Veremos terra vomitando sopa de fogo e tripas
Também pode dissolver-se o vento no vazio




*****




3 LEÕES

 

1. O FORJADO

Um leão desce à cova
No iminente sol da pele
Lhe basta um pouco de noite.

Teria sido forjado
De metais confusos
Quando de uma bola de fogo
A terra ainda não passava

Do que hoje resta do inicial leão
Coração é peça mais antiga
O restante se fez à volta

Uma eternidade o depurou
Vindo a ter hoje cauda e juba:
A cauda é um tição
A juba, resplendor




2. O ASSOMBRADO

 

(Deixe-o ao sol):
Destino de leão morto
É estar insepulto

Pois do contrário
Animal covoso que é
O bicho se recompõe

rasga ventre da terra
Assusta vulcão
Viola sepulcro humano

 

 

3. O ENSOMBRADO


Se pira de sol fustiga sombra
Um jeito de ser definitivo
Ao leão, abriga-se
Na argila

Na cova, apenas coração conserva-se
Em fogo macio azul de álcool
Enquanto o restante
Leão esfria

Suportará a chama
A perigosa incontinência
De acender e apagar silencioso

Aqui e ali se lambe e se monitora:
Viver é gastar inexaurível
Combustão estelar




*****





A CONQUISTA


E assim, após longo cerco
Caiu a cidadela

Penetramos sob olhar
Cabisbaixo de ruínas

Um escombro
De quando em quando
Fumega e nos interroga

Um silêncio
Se nos depara

De toda exuberância que havia
Não restou senão um eco
E nem assim ecoa
na acrópole vazia
vem das artérias
Do nosso anterior stadium
Tumultuoso que trazíamos

Porém entre os destroços
Escutar:
Breve trinado de pássaro
Solitário rumor de água




*****




SOLIDÃO


Uma luz parva brotando de lá
Do nascente engolfado pela chuva
Surgirá o dia – sim
Desse parto frio e demorado

A manhã desfalecendo no colostro.




*****




ESTALEIRO


O que não diz no bar, na rua
Escoa na garganta do poema
Sussurrado em transe

Acode pelos labirintos do grito
Pelos estampidos da mente na voz
E pelo que se gastou, se fraturou
Na multidão do que não disse

Num espirrar de pétalas
Foram-se várias sílabas
Depois da chuva forte
Caindo, veio afogar
As sobras das palavras

O silêncio desce enfim ao estaleiro
Ali onde uma vez mais
Dado um tempo se realinham
Poema, palavra e sílaba

Johniere Alves Ribeiro

 Johniere Alves Ribeiro nasceu em Campina Grande-Pb onde reside. Formado em Letras pela UFCG, mestre e doutor em Literatura e Interculturalidades pela UEPB. É poeta e professor de Literatura e Produção Textual. Participa de diversas antologias e publicações na internet. Publicou "Fogueira de espelhos ou alquimia do cais" e "Página para versos".


Corpo II


No ecossistema
Dos lençóis
Trato da
Biodiversidade
Das nuances
Hermenêuticas
No opaco do teu corpo




*****




do fim das coisas


meu silêncio, mangue diurno
braços longos ao vento, Deus os fez,
sei agora, foi empalhado para o a/deus




*****




prédio versus jardineira


no
peito
da
noite
me 
enconstei
Mas estou sem apoio
desde que na jardineira de minha janela
pousou aquele prédio
                             solidão estancou-me




*****




prenda minha


ela
escreveu meu amor
em carta
e depois despachou
[à selo]
sem destinatário
                         ou
remetente
meu amor almapenou




*****




imagem


minhas mãos são acenos
em carne viva
adormecida
não sei de quê
são pássaros ]
em não [ escaplelados
por viver



Orlando Tejo

 Orlando Tejo (1935-2018) nasceu em Campina Grande-Pb. Poeta, advogado, ensaísta, jornalista, folclorista e professor. De sua autoria: Conceição 63; Impasse; Soneto dos dedos que falam, e Zé Limeira: O poeta do absurdo.




Soneto Dos dedos que falam


 

Que importa que foguetes cruzem marte

E bombas de hidrogênio acabem tudo,

Se aos meus dedos, teus dedos de veludo

Ensinam que o amor é também arte?

 

Não desejo mais nada além de amar-te

E em êxtase viver, absorto e mudo,

Sorvendo da ternura o conteúdo

Que antes te buscava em toda parte!

 

Esses dedos que afago entre meus dedos,

Que acaricio a desvendar segredos

De amor nestes momentos que nos prendem,

 

Têm qualquer coisa que escraviza e doma,

Porque teus dedos falam num idioma

Que só mesmo meus dedos compreendem!




*****

 

 

Conceição 63

 

Rua da conceição, sessenta e três

(a artéria tem o ar de um cais comprido)

aqui, anos sem fim tenho vivido

buscando a infância azul que se desfez.

 

Talvez seja isso um sonho, mas talvez

este meu velho abrigo tenha sido

da mesma argila minha construído,

porque é a mesma a nossa palidez!

 

Ele a mim se assemelha: é ermo e trist.

No jardim, no quintal, no chão, no teto

em tudo a mesma semelhança existe.

 

No tempo, entanto, aos céleres arrancos,

o seu telhado vai ficando preto

e os meus cabelos vão ficando brancos




*****

 

 

 

Impasse

 


Se ficar onde estou não faço nada,

Se sair por aí corro perigo,

Se me calo minhalma é sufocada,

Se disser o que sei faço inimigo...

 

Se pensar vou trair a madrugada

E se sonho demais vem o castigo,

Se quiser subo até o fim de escada,

Mas precisa brigar, e eu não brigo!

 

 

Se cantar atropelo o contracanto,

Se não canto maltrato o coração,

Se me faço sofrer me desencanto,

 

Se reprimo o ideal perco a razão,

Se perder a razão, resta-me o pranto

E meu pranto não faz uma canção.




*****




Conceição 63



Rua da conceição, sessenta e três
(a artéria tem o ar de um cais comprido)
aqui, anos sem fim tenho vivido
buscando a infância azul que se desfez.

Talvez seja isso um sonho, mas talvez
este meu velho abrigo tenha sido
da mesma argila minha construído,
porque é a mesma a nossa palidez

Ele a mim se assemelha: é ermo e triste.
no jardim, no quintal, no chão, no teto
em tudo a mesma semelhança existe.

No tempo, entanto, aos céleres arrancos,
o seu telhado vai ficando preto
e os meus cabelos vão ficando brancos.




*****



“NÃO AGUENTO MAIS”

 

Eu saí da Paraíba,

Minha terra tão brejeira,

Pra fazer publicidade

Na Veneza Brasileira

Onde a comunicação

É toda em língua estrangeira.


É uma ingrizia só

O jeito de se falar

O que a gente não compreende,

Passa o tempo a perguntar

E assim como é que eu vou

Poder me comunicar?


É bastante abrir-se a boca

O “inglês” fala no centro,

Nessa Torre de Babel

Eu morro e não me concentro

Até parece que estamos

De Nova Iorque pra dentro!


Lá naquele fim de mundo

Esse negócio tem vez

Porque quem vive por lá

O jeito é falar inglês,

Mas, se estamos no Brasil

Tem que falar Português!


Por que complicar a guerra

Em vez de se esclarecer?

E se “folder” é um folheto

Por que assim não dizer?

Pois quem me pedir um “folder”


Eu vou mandar se folder.

Roteiro é “story board”

Nesse vaivém estrangeiro,

Parece até palavrão

Que se evita o tempo inteiro

Porque seus filhos das putas,

A gente não diz roteiro?


Estão todos precisando

Dos cuidados do Pinel

Será feia a nossa língua?

É chato nosso papel?

Por que esse tal de “out door”

Substituir painel?


É desrespeito à memória

De Camões que foi purista

Esse massacre ao vernáculo

Não aguenta o repentista

Pois chamam “lay out-man”

O homem que é desenhista!


Matuto da Paraíba,

Aqui juro que não fico,

Onde até se tem vergonha

De um idioma tão rico

Por que chamar de “free-lancer”

Um sujeito que faz bico?


Publicidade de rádio

Apelidaram de “spot”

E tem outras besteiradas

Que não cabem num pacote.

Acho que acabou o tempo

De acabar esse fricote!


Por exemplo: “body type”

“Midia”, ”top”, “merchandising”,

“Checking list”, “past up”

(Que se diga de passagem)

“Briffing”,“Top”, “Marketing”,

Tudo isso é viadagem!


Já é hora de parar

com esse festival grosso

Para que o nosso idioma

Saia do fundo do poço.

Pra isso eu faço esse “raff”,

Isto é, perdão, esboço!

 

José Leite Guerra

José Leite Guerra nasceu em João Pessoa-Pb, onde ainda vive. Escritor, poeta e cronista paraibano. Suas publicações literárias estão difundidas em diversas antologias, suplementos e revistas. Em 2014 participou do Congresso Brasileiro de Poesia em Bento Gonçalves RS. Constando alguns de seus poemas da antologia  “Poesia do Brasil”.


álbum de fotografias

álbum de fotografias
eterniza dias até que traças roem os traços de cada face lugares, poses invasão fatal destrutiva, inglória não mede distância pra destruir memórias em amados postais instantâneas histórias. *****
poema da busca

além da noite nublada
existe um sol à espera
além do quase nada
existe a vida inteira
além dos lábios cerrados
existe o sorriso guardado
para abrir-se em pétalas
com as cores do arco-íris
além da palavra torta
escrita em traços rudes
a lição de mais um dia
descrito entre lacunas
existe em verso ou prosa
felizes riscos de ternura
lavrados e à procura
de levar a mais ardorosa
mensagem a quem escuta
vozes em sons de sinos
despertando para a luta
trazendo festa aos meninos
ou a pessoas adultas
além do corpo e da alma
existem cicios de calma
e adocicadas frutas
além da triste penumbra
o palpitar de luz forte
a ferir alguma tumba
e fazê-la senda suporte
para caminhos retos
e palmilhares e tetos
abrigos para os imersos
em mares sem sul e norte
além de todos os dias
existem mil utopias
a serem descobertas
por horizontes cobertas
além de algum desalento
sopra um silvo de vento
que traz sinais de alerta
para o nascer de outras vias. *****
canoa morta

assusta-me a lufada do vento sibilante
idioma enfurecido de temporal
soa como trombone retumbante
no tímpano de anoitecer em sombras
coqueiros vergam seus mastros
cingidos em âncoras de raízes
dão-se por perdidos e rastros,
sobras e sombras em deslizes
gasta de mares e fortes ventos
repousa a canoa morta, desolada
no cemitério da praia sem alento
e para completar o fim do dia
lufadas cantam com forte acento
embaraçada e vaga sinfonia. *****
Sexta da Paixão


Hoje é dia de guarda
Os santos tristes
Aguardam o raiar
Do domingo de liberdade
Calados em seus nichos
Ficam petrificados e quietos
E se lhes move a penitência
Feita em estações e vias
Sacras, misereres para apagar
Pecados dos que ainda vivem
Se movendo neste corrupto
Mundo de humanos teimosos
O sangue jorra em templos
E hóstias se corporificam
Em salvadores meios
De ganhar a sã Fortaleza
No chão da igreja penumbrosa
Um homem chora de fome
Não tem o santo interesse
De seguir a procissão
Que segue em busca do pão
Dos anjos, o salvador alento
Para os sofridos de corpo e alma
Que a fé aponta verdadeiro
Ninguém o olha, nem quer saber
Que o desconhecido emite
Uma luz resguardada, oculta
Em seu perfil humano-divino. *****
um livro aberto

um livro aberto
descoberto
é continente
antes que lido
depois a lente
mais potente
cristal polido
um livro aberto
oferecido
a que devassem
suas entranhas
folhas floresta
onde as plantas
são palavras
tingido encanto
a quem se atreve
de invasor
ao que se escreve
ao que se diz
um livro aberto
em nobre sina
nunca se esquece
do que ensina
um livro aberto
é uma mina...

José Nêumanne Pinto

José Nêumanne Pinto nasceu em Uiraúna-Pb. Jornalista, é editorialista do Estado de S. Paulo e comentarista da Rádio Jovem Pan e do Jornal da Gazeta, da TV Gazeta. Ganhou o Prêmio Esso de Informação Econômica em 1976 com o Perfil do operário brasileiro hoje. Com 12 livros publicados, dois de poesia, recebeu o prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras em 2005 com O silêncio do delator, romance publicado em 2005. 







Magnificat
Para minha Madonnella de Campina Grande

Quando estou dormindo e meu amor me abraça por trás,
Sinto que Deus cala e observa a harmonia de sua obra
E o diabo cede a um cansaço de milênios para cochilar.
As ondas do mar suspendem seu salto na areia
E as estrelas ficam perfeitamente visíveis no céu,
Ainda que o sol atravesse a vidraça do quarto
Para beijar nossos lençóis, nossas fronhas e nossos cabelos.
Então, meu amor coça a ponta do nariz nas minhas costas.
Percebo que não há lavas nos vulcões em erupção
E os anjos tocam em sua fanfarra um ritmo de axé.
Vem um cheiro de pão quente da Padaria das Neves
E o fluxo dos rios altera as rotas dos viajantes.
Embarco numa viagem de férias por um instante
Quando a mãozinha de meu amor pousa na minha
Sobre o peito cansado de guerra e, enfim, em paz.
Meu amor ressona no meu ouvido suavemente
E me pergunto, atrevido, em quantas manhãs mais
Me sentirei feito um bobo de sua Corte Real.
Ao beijar seus lábios de caju assim logo cedo,
Mordo a maçã do Eden, bebo um gole de coco
E estico os músculos como se nada mais houvesse a fazer
A não ser dançar uma valsa de Strauss
Em algum terreiro baldio do sertão de minha infância.




*****


Seis quartetos em si
(Este poema vai para João Gilberto, Gilberto Gil e Carlos Vogt)

A poesia é decerto uma loucura
(Álvares de Azevedo)

O poeta é um traidor…
(apud Fernando Pessoa)

A poesia
é o lugar comum,
onde o poeta
ri de si mesmo.

A poesia
é um pilar incomum,
onde o poeta
cisma consigo mesmo.

A poesia
é um berço sem grades,
de onde o poeta
sai para si mesmo.

A poesia
é um buraco negro,
onde o poeta
trai a si mesmo.

A poesia
é um salto sem rede,
onde o poeta
cai sobre si mesmo.

A poesia
é um caixão sem tampa,
onde o poeta
encerra os seus mesmos.




*****


Os peixes de Éfeso
Para Ivan Junqueira (in memoriam), poeta dos rios

Quando Heráclito pescava em Éfeso,
o velho rio, sempre renovado,
lhe levava novos peixes,
seres esguios, bichos macios,
purificados à mesa pelo sal,
tornados proteína para o corpo,
tônico para a mente
e refrigério para a alma.
O rio sumia sem esperar o breu
e renascia antes de refletir o sol:
apenas corria para a frente,
deslizando para nada,
como uma serpente sem ninho
pra onde nunca voltar.
O pão posto à mesa desmanchado,
o tubérculo do triunfo apodrecido
e a dor da perda descomposta,
como antes a fome à mesa posta.
O rio de Heráclito flui em Éfeso,
assim como a cidade e seu nome.

Somos,
como ele foi,
os peixes dele:
sol na água,
sal da terra,
dor de fogo,
cor de céu.




*****


Do pódio ao pó
A vida é uma frase interrompida
(Victor Hugo)

O ginasta se projeta no ar
e se prostra ao solo;
o tenista empunha a raquete
e rebate a bola pra fora;
o ponteiro corta com força
e, bloqueado, faz o ponto contra;
o zagueiro desvia a pelota
e a vê morrer na própria rede;
o nadador bate a mão na borda
e sente o mundo a seus pés.

O pódio premia o suor
e o pó é o troféu da derrota.
A existência é uma corrida de obstáculos
sem fita de chegada;
uma partida sem resultado;
uma Olimpíada sem medalha:
todos erram,
todos perdem a vida,
todos são iguais
perante o amor
e a morte.




*****




Às cinco da tarde

Entre o touro e a areia
Dormem injustos
O sono dos justos.

Entre o touro e a plateia
Correm os pobres
Os riscos dos podres.

Entre o toureiro e a praça
Firmam um pacto
Os patos e os tontos.

Entre o toureiro e a areia
Tocam os sinos
O dobre dos santos.

Entre o touro e a praça
Dançam os sãos
A dança dos doidos.

Entre o toureiro e a plateia
Ungem-se antigos
Com o óleo das plantas.

Entre o toureiro e a areia
Pecam os moços
Pecados primevos.

Entre a capa e a espada
Conspiram possessos
Na treva do paço.

Entre o touro e o toureiro
Aspiram mordaças
Os padres no fosso.

Entre a capa e o cachaço
Murmuram desídias
As pedras no poço.

Entre a espada e o cachaço
Rumina o touro
Seu curso de cão.

Entre a capa e a areia
Habita o toureiro
A casual solidão.

Entre a espada e a areia
Move o toureiro
Sua gana de pão.

Entre a capa e a plateia
Mata o toureiro
Sua fome de irmão.

Entre a praça e o touro
Morre a fome
Letal da ilusão.

Entre a praça e o toureiro
Vive a massa
Seu dia de pão.

Entre a praça e a areia
Evapora-se a água
Cheirando a sabão.

Entre a espada e a platéia
Um anjo caído
Brinda a devastação.

Entre a tarde e o touro,
A noite caída
Desata a paixão.





Fonte: Jornal Rascunho

domingo, 23 de abril de 2023

Angelo Rafael

Angelo Rafael Bezerra de Farias nasceu em Campina GRande-Pb, onde ainda vive. Estudou Artes Plásticas na UFPB de onde migrou para a Itália com uma bolsa de estudos da Organização dos Estados Americsanos e da Cooperação Italiana ao Desenvolvimento para especializar-se em Design de Moda. Publicou Os homens do Couro e A casa das bocas pintadas d encarnado. Atualmente dirige o Museu Assis Chateaubriand da universidade Estadual da Paraíba.




EU SEMPRE ANDEI A PÉ


O QUE DIZER
Da beleza efêmera
Que o teu criador
Te presenteou?

É tão fugidia,
Tão rápida,
Como distante cometa,
Ou como as prímulas de primavera.
Que florescem de madrugada
E perecem ao entardecer.

O corpo,
Envoltório de algo eterno
Que não se vê.
Cadê?
O pé cadê?

Esquecemos da alma
E do seu tempo
De adoração.

Centésimos de segundos
Perdidos,
Jogados fora,
Ao léu, ao céu.

Diante dos espelhos
Que refletem
A nossa 
Mendicância pelo belo;
A negação,
De nossos impulsos.

A criação?

O que somos ao criar
Diante do fiemamento?
De uma nebulosa,
Nuvem gasosa
Que longe está?

Diante da abóbada estrelada,
Do rio perene,
Dos cabelos de Tia Irene,
Do córrego que evapora no ar?

Ou do sol que se espedaça
Em raios,
Vermelhas facas
Cortantes no oeste,
Entrantes,
Na gaia celeste
Das profundezas do mar?

Somos nada não Seu Zé!
Pra quê chinelo?
Eu sempre andei a pé!

Pés no chão!
Do chão bolhas e espinhos,
Acolhi nos meus caminhos,
A sina, a hora e a fé!




*****




A ARMADURA DE COURO


PARTO EM GALOPE RASO
Montando Furacão.

Passo porteira,
Galopo,
Esporo,
grita o relho.

Entro na teia fantasmagórica de galhos secos
Mas vivos,
Garras de assombração.
que me atentam
Para derrubar-me
De medo, mas
Medo não tem
Quem nessas paragens nasceu
E da raiz do umbuzeiro bebeu
A água da vida
Salvação!

Venho do vermelho,
Do branco,
E de fartos peitors negros.
Venho forte, arredio,
Desconfio!
De esmola, desafio!

Meu olhar busca os rabos
Das reses soltas
Fugidas.
Desgarradas e loucas,
Perdidas e embrenhadas,
Nos rasos e nos lejedos,
Atoladas em imaginários barreiros.
Espinhaços, espigões
E caatingas.

Chapéu me protege,
Barbichacho arrochado
Quase sangrando o queixo.

Rio! Gargalho!
Seguro as rédeas
Aperto as pernas cobertas
Com macio e forte
Couro morto que vive,
Para cobrir outro
Humano.
Meu gibão riscado,
Esfolado pelos espinhos,
Conta a história de meus irmãos
Sem monogranas,
Outros caminhos.

Meu guarda peito me cinge
Em cruz Ave Maria!
Me livre dos males,
De todos,
Das almas penadas,
Das doenças, das cobras
Envenenadas!
Das aves gigantes que espreitam
As carniças humanas
Que não valem nada!

Corto o dedão mostrando xô-boi
Lá se foi a unha.
Infecção!
Romã.
Emplastro de banha.
Cura
Tem nada não!

Canto o búzio,
Do chofre de Trovão,
O mais brabo guerreiro
Que durou até então.
Toco a boiada
Ajunto.
Longes companheiros
Chegam.
É tarde e o sol
Se espreguiça de vermelho.

Aboio! Lamento
Não, acalanto,
Alegria em forma de canto.

Tange todos, fecha porteira.
Empaliçada me cobre a nudez
Cansada!
Banho de cuia,
Água fria.
Na mesa posta
Coalhada, queijo,
Carne-seca e batata
Doce, uma arrelia.
Rede tecida no tranco
Forte como eu,
Me embala.
Zezinho canta,
Viola estala.
Sonho gato do mato
Maracajá,
Jaguatirica.
Só estou, sem mulher,
Só mãe,
E Luzia,
Lá dentro
No quarto,
Entoando benditos,
Puxando o terço,
No oratório dos Trajanos
Deixado após morte
De Maria madrinha.

De um lado sela
De Trovão,
Do outro
Minha armadura
Dourada, cansada respira
Repousa como eu,
Guerreira, vencida,
Pelo cansaço
Pela sina
Feliz,
Doce, 
E menina.




*****



ZABÉ DA LOCA


ENCONTREI PEDRA DE ANIL
Nos olhos de Zabé.

Queria ser silvo mavioso dos pífanos,
Ecoando nas pedras
Casa de moarada , de sonhos.

Será doce alegria parir
Na loca de raposa, mocó, preá?

Teto escuro, pintado,
Por ancestral pajé, índio, caboclo
Sentado?

Fogo eterno, tirna, de panela
De barro.
Sangue de galinha,
Cal.

Desenho de bicho,
Sol,
Lua e estrela.

Eternizaram-se plantas, folhas,
Flores.
Flor de algodão,
Cor de terra.
Telha, folha frágil, verde folha.
Travesseiro de alecrim,
Cama macia de esposa.
Lagartixa, besouro azul
Lastro do caminho,
Do caracol dos teus olhos,
Casa aos olhos do bicho,
Caramujo pra minha íris.

Ah, Zabé!
Queria ser feliz e doce como tu.

Com teus vestidos de cor e botão,
Chinelo de couro de bode
Arrastando granito pedra bonita,
Pano na cabeça,
Adorno dce ponto cheio,
No xale encardido de barreiro.

As flores, as folhas e os ventos,
Borboletas, zig-zig voando
Com vontade de comer,
Trovões e horizonte barreando,
Arco-íris para a tua cabeça.

Diacema de sete estrelas,
Sete sinas,
Sete filhos.
Cada ponta sete vezes sete,
São os perdões divinos,
Cantados nas novenas,
Ladainhas,
Treze de maio,
Dezenove de março.
Costuro tudo
Lembranças, devaneios,
Nostalgias não vividas.
Colcha de retalhos
Pedaços de tua história.
Dou-te  como mimo
Minha vontade de ser
Como tu, na tua casa
De terra, que graça,
Que riso o não ter!






 



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Francc Neto

  Minha jornada como poeta começou na adolescência,  publicando poemas em revistas e jornais.  Ao longo dos anos, minha poesia foi reconheci...