quarta-feira, 5 de abril de 2023

Taí Tuwi'xawã

Taí Tuwi'xawã (Taísa Nunes) nasceu em Taperoá-Pb e mora no Conde-Pb. É graduanda e mestra em Ciências Socias, com pesquisa no campo da Antropologia. O título da sua pesquisa foi "Cada planta tem um caboclo, cada caboclo t uma planta" - Etnografia sobre as práticas de saúde do povo indígena Tabajara do Litoral Sul da Paraíba. É militante das causas indígenas  e coordenadora do grupo de Literatura Indígena-Pb. Publica seus textos nas redes sociais e participa da antologia "Horizonte Mirado na Lupa - cem poemas contemporâneos da Paraíba".



CICATRIZES, RASTROS, RACHADURAS, COLAPSOS.

Ontem uma cobra coral veio me visitar, trazendo mensagens nas listras pretas, pretas e brancas que escalam seu dorso. Ela veio povoar minha imaginação, seu sublime toque purificou minha epiderme. Em meio às incertezas, desabrochou a flor e está guiada pelo sopro da jibóia, apazigue o sentir, nessas linhas que me acompanham como ourou a semente. Anjos que lavam minhas cicatrizes com ervas cheirosas.




*****




CABÔKO TUPINAMBÁ MANDOU SONHAR


Do alto da serra onde estou, olho os horizontes da nossa indomável vila sertaneja...

Avisto de lá águias que rodopiam o céu e de lá, dançam no ar,  sob suas asas o dourado do sol se faz presente e colore a plumagem daquele saudoso pássaro que desafia os horizontes de quando as dores dissipam e abrem lugar para a doçura da poesia que brota dentro de nós.




*****




A nossa sorte é ter coragem.










Marcus Vinícius

 Marcus Vinícius de Andrade nasceu em Recife e residiu em João Pessoa onde foi um dos integrantes do Grupo Sanhauá. Fez seus estudos de música com os maestros Arlindo Teixeira, Pedro Santos e Gerardo Parente.




ORDEM UNIDA




I


já não há

não há já:

           haja

 

a ordem!

a de ontem, onde?

o deo endiabrado deu

         as ordens.

 

já não há

ah não já

não aja não

                       a ordem morde:

enquanto você

dorme

de medo

e

M 0 R R E...



II

 

enquanto você dorme

         - ou morre -

a dor me percorre:

         é limpa

         e corta

         é certa

 

         e torta
                   mas é
a dor que roda
que doura:
         os frutos e os
         trunfos
                   — os triunfos,
         os triunfátuos fogos
                   da ordem.

é a dormeordemorde
         só
   a mordeordemdorme.

d o r m e o r d e m o r d e n d o – m e!



III

mas a dor-dem
com que boca morde
         ou
dorme com que olhos?

oh: a dor me diz
      que a ordem é
      que a ordem faz
                    de mim
                    o que sempre quis:
quem me morde é minha boca
quem me dorme são meus olhos.

minha dor é minha ordem!



IV

ah, corrente
que me traz nos pés:
dano
         e dano
                    murchando!

no mais e mais
nada dó
            nem doerá:
            a ordem morde
                     ou dorfme.

mas é unida,
        e vencerá...




*****

 

 


POEMAS DO BOI SEM SINTAXE

 


ah, boi
         eu que não fui
hoje não
         sou: o que você foi
                                  boi!

na cancela da eletricidade
no clã  da terra e da idade
a cela e o toque do teclado
         nos cascos:
os restos do boi jogados e
         o falido boi
                    foi

                     marcado.

ferrado e morto meu boi:
         (ah, boi danado)
na cerca de papel encurralado
         abadonado...

somente um boi: poemorto
                          e sem sintaxe.


rês
relho...
— assim estão as coisas, boi
    sem os seus espelhos...

a esmo ensimesmado pensa
         no malho:
a arma, a amarra do chocalho
         prende
só as coisas de teu nome, boi
         e a tua arenga!

sic sunt res: o relho
baixa nos costados, crê
                   assim como é a rês

                                        o  r
                               ou o rê...




*****




ECCLESIA  ECCLESIA


 1.   Pátio

a)
por onde se escoa um mar de pátio
pátio de mar, igreja, patamar
fundidos: barroco o leão
oco o barro do santo
— tosco o barro do mangue.

b)
cruz cruzada este cruzeiro
— frade reza e seu capuz —
uma igreja
(à espreita uma praia)
se espraia, traz a raiz
do que foi e do que fiz.

c)
fiz o que fiz: o poema
o troco da nota desta noite.
o nulo pulo ao não do mangue perto
igreja
onde pulula o arisco
         —  o risco certo.

5.  Missa

a)
o sino, o silêncio
o dão e o dim
repicam missa à messe:
moça acorda/corre
         mulher acorre
correm véus  (vôo)
                   e vida.
e lida — luta — luto
e tudo e tanto:
clerical e claustro
         a custo a missa.

b)
pão e vinho — vão e pinho
cristo na  cruz  acre  e  cru
cruzado   corpo,  corpocruz
                              — luz?
tilintam  os tlins, o tilintar:
                                  fim.




*****

 

 

OLHO E CANA / OLHO DE CANA


 o olho  (mão e objeto)
está  dentro  da  cana,
como se qualquer coisa
o engana.

o olho  vê
— sentido oblíquo
da cana cai no rama —
centro verde sem sustento: pau

o olho tem — dentro da cana —
tecido maior do verde
se plantado.
olho sim — braço em deslize
maior ainda que o próprio jogo:

Dado.

 

Emília Guerra

 Emília Leal Batista Guerra nasceu em Esperança-Pb e reside em João Pessoa. É pedagoga e psicopedagoga. Usa a poesia como ferramenta de sua prática em palestras e apresentações. Publicou os livros: ‘Face Refletida’, ‘Erres da Terra’ e ‘Tempo’. Em revisão “Poética Animal’ e ‘Dentro do tempo do meu viver’, além de vários inéditos. Escreve em tempo real os poemas publicados virtualmente, todos os dias. Participou de diversas coletâneas, sendo a mais recente lançada no Congresso de Poesia, em Bento Gonçalves (Rio Grande do Sul, Brasil).



Entrega


Ao que tudo se ganha
Nada se perde na barganha da entrega

Ouvido de mercador
Na oferta promocional

Achados e perdidos
Uma bandeja aos famintos

Gula de barriga cheia
Na oferta da entrega.




*****




Ciranda


Observar detalhes
Minúcias para ação de tal
O calor dos ânimos exaltados
O lance de investir na hora da virada

Ciranda é dança de mãos dadas
Giro e batida de pé no chão
O coletivo é decisivo
Na intenção da gente
E dos substantivos.




*****

 

        
Restos mortais


À deriva
Elementos
Sem vida

De onde vem
Para onde vão?

Se esvaem
Sem retornos
Restos mortais

Esqueletos vitaminando o solo
Componente deposto
De algum corpo que jaz.




*****

 


Trépidas definições


O tudo me eleva
Ao topo de trépidas definições
Ao lado do que me resta
A réstia de muitas festas
O cenário das estações.




*****

 

A emenda


Ao meio
Se parte todo
Que é inteiro

A emenda dos conceitos
Por parte toda
Tem possíveis ligações

Questões questionáveis
Opinião reputável
Respeito às definições

Palpáveis pedaços fracionados
Formando o tudo
Com pedaços emendados.

Thiago Lia Fook

 Thiago Lia Fook Meira Braga nasceu em Campina Grande-Pb e reside em João Pessoa onde é analista judiciário do TRE-Pb. Se considera, antes de tudo, um leitor, pensador e escritor em tempo integral. O poeta publicou "Poesia Natimorta e versos sobreviventes" e a antologia de contos "Antigamente era melhor".






das falsas aparências

a chuva
que ontem
caía

          fininha como ela só

era como Paulo, o Gordo

          quando com seu corpo pesado
          ergue os braços, irado
          e ri, indefinidamente...




*****




esfinge

eu sempre esperei
que as tardes de sábado
rasgassem o véu
do mistério
e os ventos que chegam
de trópicos baixos
soprassem verdades
no ouvido

joelhos curvei
            venerei
os ralos do oeste
e os braços ergui
            estendi
as pontas dos dedos
fingindo tocar
as portas do Éden

um dia escutei
uma voz
           prometia
encher as lacunas
mas quando virei
o meu rosto
           o que vi
foi só do meu corpo uma sombra

então decidi aceitar
que a Terra dá voltas calada
e que só se colhe do ar
coriza ou dor na garganta

porém continuei a adorar
as tardes de sábado
   aqui da varanda
até que um dia
           dormia? pirava?
o vento soprou-me no ouvido
palavras em língua estrangeira
   seguiu o seu curso com pressa
   e dentro da minha cabeça
largou a sentença
                       o enigma
que gira em concêntricos círculos
prometendo
           vou devorar-te
           não me decifras




*****




filosofia

eram três os cachorros vadios
que iam e vinham
                       birutas
latiam sem causa
os rebeldes
    sem casa
metiam o focinho na rua

cadela
           não tinham à vista
ou mesmo por trás de algum muro cruzeta

comida
           catavam no lixo
que as casas cagavam azul nas esquinas

abrigo
           faziam de conta
no seio das sombras de matos baldios

as portas se abriam
cresciam antenas nos bichos

as rodas giravam
vibravam tendões nos cambitos

as solas sumiam
se viam as patas dormindo

feirantes, carteiros, garis, medidores
e intrusos de todos os gêneros
pagavam as taxas em carnes e ossos

ciclistas, turistas, casais, corredores
e desavisados da espécie
botavam as pernas e os bofes na esteira

assim se passaram semanas e meses
e os cães coroados
    dois pares de cetro
    cravados nas bocas
reinavam sem cortes, jornais ou conselhos

primeiro quem fez foi o moço do 30
    sentou-se sem medo no fio da calçada
            serviu a ração de primeira em tigelas
            dispôs em cumbucas de inox tantas águas
            que não demorou a colher três mordidas

depois quem tentou foi a velha do 80
            sortiu uma cesta com as frutas mais finas
            ornou as treliças com os laços mais lindos
            por cima enxaguantes e brancas bolinhas
            mas não conseguiu mais que a raiva gosmenta

então os vizinhos uniram suas forças
e armados de pedras, machados, porretes
partiram pro tudo ou nada com as feras

as feras rosnaram, sacaram os dentes
partiram pro ataque
                       os flancos expostos
levaram furadas no dorso e no ventre
tombaram arfantes
                       e em poucos instantes
ficaram mais duros que as sujas sarjetas

mulheres e homens, crianças e velhos
ufaram, urraram, untaram os peitos
marcharam na rua em triunfo romano
serviram os cães para abutres distantes
dançaram, beberam, fizeram fogueiras

após uma noite de sono pesado
                        despertaram
e como se nada tivesse ocorrido
seguiram o curso das coisas humanas




*****



soneto ébrio

eu trago na caixola um carro velho
que volta e meia pega só no tranco
e roda quando muito trinta metros
só pra tomar tenência no mecânico

não sei se já é tempo de vendê-lo
e ver se dou com um de mais tutano
ou se parece mas não é defeito
a marcha não querer sair do canto

alguém me disse que isso é uma fase
que chega como a lua em pleno dia
e passa igual ao sol às seis da tarde

só sei que o carro bebe muita pinga
e quando bem chutado fala frases
que vão além do timbre da buzina




*****




soneto do amor descoberto

eu sempre soube que seria bom
amar tal como amaram muitos mitos
descer ao quinto dos infernos e os
vencer mais forte pois de lá voltando

tornar melhor o vil caráter ao
somente ouvir da voz sutis suspiros
fazer dos rudes traços troços lindos
com só um casto beijo lhes tocando

o que eu não soube e só vim descobrir
depois que o amor se apresentou a mim
e desgostoso foi-se embora irado

é que eu não sei amar tal como um mito
e sendo em carne e osso feito minto
se faço amor em vez de frango assado

Lourdes Ramalho

Maria de Lourdes Ramalho (1925-2019) nsceu em Jardim do Seridó e viveu em Campina Grande. Possui uma vasta obra dramatúrgica entre elas destacamos "As velhas". Publicou o livro de poemas Flor de Cactus".





NO ALTO DA BORBOREMA

          Campina Grade — passagem
Ida e volta de tropeiro...
A tropa, em passo ligeiro
no vai-e-vem da viagem

         Vem trazendo na bagagem
um sentimento crendeiro,
Medieval, romanceiro
de antiga e saudosa imagem...

         Um mundo sobrevivente
de arcaico rabequeiro,
que no cantar violeiro
ainda hoje se faz presente.

         Campina da cantoria,
da louvação transbordante,
da poética marcante
Que a tradição irradia...

         Campina Grande, bonita
Campina cosmopolita
de festas, de carnavais
Os que chegam, de passagem
desfazem sua bagagem
não te deixam nunca mais.




*****




 

[seleção de poemas...]

3 — Apres.

 

Fui professor da menina,
ensinei do A pra trás,
intelejumenta e ladina
parecia o satanás,
dançava com as pernas finas
um passo adiante, outro atrás!

 

 

 

6 – Jud.

 

Namorei com dois tenentes,
com três capitães me atraso,
com seis major — fui em frente,
com nove cabos me arraso,
me abandonaram e eu somente
fiquei com um soldado raso...

 

20 – Apres.

 

Uns, ganiam, se mordendo
— "ela é minha e eu sou dela"!
— "Se tas quente eu tou fervendo"
— "Meu coração por ti gela!"
— "Caso contigo, correndo,
não importa véu nem capela"!

 

40 – Jud.

Pode pinto ser doutor,
e galinha deputada,
cachorro comendador,
pata choca advogada,
satanás seu meu senhor
—Não volta a Serra Pelada!

 

 

 

Juca Pontes

Juca Pontes nasceu em Campina Grande-Pb e vive em João Pessoa. É poeta, editor e jornalista. Publicou Lançado o corpo, Ranhuras do corpo e Ciclo Vegetal, entre outros. Idealizou um projeto editorial em quadrinhos sobre as vidas de personalidades paraibanas como  Augusto dos Anjos e Ariano Suassuna.





A praça


Feito 
o rio

que o mar
abraça

(re)acende
a paixão

nos quatro
cantos

da praça




*****




Lisboa



Repousa
o azul

no verde
mar

de 
Cascais.




*****




Paisagem


Escorre
pela janela

o silêncio
da folhagem

encantadas
garças

se
vestem

de paisagem.




*****




Açude velho


Lágrima
de saudade

derrama
a cidade

no espelho
profundo

onde guardo
meu mundo.



Saulo Mendonça

Saulo Mendonça nasceu em Alagoa Grande-Pb e reside em João Pessoa. É poeta, jornalista, cronista e publicitário. Publiou mais de vinte livros de crônicas,poesia, haicai e ficção. Seus trabalhos foram publicados em jornais e revistas regionais e nacionais. Foi traduzido em diversos idiomas, entre eles japonês, alemão e romeno.


um gato dorme
sobre a balança:
Sono pesado.




*****




Fogão de lenha
carne seca, pão assado
e a brancura de Júlia.




*****




Pássaros se recolhem
Bois sentados
mastigam a tarde morta.




*****




poema
do lápis esferográfico


De longe
seu sorriso beijou-me o rosto
meu rosto transfigurado
por esse cotidiano sem jeito...


Abriu a bolsa e me olhou
e sem dizer: um presente!
e sem palavra consequente
deu-me um lápis
um lápis comum
que escrevia em tinta
vulgarmente conhecida
mas bem azul
muito azul do céu.




*****




explicação


Contemplei o invisível
e te achei
passseando
na minha visão enfeitiçada
te olhei
te entendi
beijei a tua eternidade
gostei
e chegaste comovida
vindo amanhecer
na minha inteira
complexidade.


Envie poemas, minibio e foto para o e-mail lausiqueira@yahoo.com

Francc Neto

  Minha jornada como poeta começou na adolescência,  publicando poemas em revistas e jornais.  Ao longo dos anos, minha poesia foi reconheci...