terça-feira, 28 de março de 2023

W. J. Solha

 Waldemar José Solha nasceu em Sorocaba-SP, mas reside na Paraíba desde 1962. Possui uma vasta obra em diversas linguagens: literatura, cinema, teatro e artes plásticas, principalmente. Produziu O salário da morte, o primeiro longa-metragem paraibano. Escreveu A Canga, A verdadeira história de Jesus, A história universal da angústia, Trigal com Corvos, entre outros.

 


 

Trecho inicial do poema A engenhosa tragédia de Dulcineia e Trancoso:

 

 

Aí,

do alto da Pedra,

o susto de arribaçãs,

e,

de quebra,

os helicópteros Sabre,

da FAB,

que irrompem com seus soldados,

muitos do lado de fora,

armados,

e assustam a multidão,

que lembra,

pela extensão,

o êxodo bíblico

e o cíclico,

tantas vezes fotografado,

por Sebastião Salgado.

Alta

e ancestral no meio do plaino,

a Pedra do Reino,

rocha dupla na vertical, no sertão pernambucano,

insufla no povo (mesmo quando se camufla em profano)

a estupenda lenda de que tem, dentro, no centro, a catedral

na qual,

el-rey D. Sebastião, de Portugal, o Afoito,

sumido (ou abduzido) na batalha de Alcácer Quibir,

de 1578,

está por vir,

messiânico,

pra levar a fundo a retirada dos males do mundo,

 

cada vez mais

satânico.

 

 

 

*****

 

 

 

EXCERTOS DE "TRIGAL COM CORVOS"


Pra que?

Um poema não arrasta 150 vagões de minérios pela estrada-de-ferro
um poema não ergue 400 passageiros e os leva pr’ outro lado do mundo
- e aqui vou fundo:
não produz – mesmo se prolixo - alimentos suficientes pr’os que fuçam meu lixo.
Serve apenas.... pra dizer que passado e futuro são provisórios como icebergs e dunas
um
quase sempre entre lendas
outro
descrito com runas.
Serve pra dizer que ao ver Terra e Lua fotografadas de Marte
minúsculas na treva intensa
veio-me a idéia de que tudo é nada
e orgulho... imenso
da foto realizada.
Serve pra dizer que as melhores cachoeiras de Foz do Iguaçu ficam no lado argentino
mas que o espetáculo só do lado brasileiro se goza
confirmando – ao que parece - que é mais divertido ser amante do que marido
- seja em verso
ou prosa.
Serve pra dizer que me fascinam as mudanças de canal que me ocorrem na mente quando penso em lua
rua
nua
e
crua.

Pronto:

talvez eu faça versos porque haja algo a dizer... vago... e belo... como as paisagens na névoa
na China.
O que pode ser
não sei.
A erosão
que cavou o Grand Canyon
produzindo aquela Manhattan de pedra no Arizona
ergueu catedrais góticas no Monument Valley com tanta inocência quanto Bosch - o genial debilóide – foi surrealista... séculos antes de Freud.

[...]


Conto
no entanto
com o Tempo
essa poderosa
inflexível
lenta
enigmática e
colossal conseqüência do avanço da máquina do mundo
travada em marcha única ( apesar das urgências e emergências ou ausência de expectativas de todo tipo que nos têm dado a ilusão de que ele às vezes urge
ou muge )
pelo que Van Gogh se matou em 1890 logo depois de pintar o atormentado “Trigal com Corvos”
sem saber que
se tivesse resistido mais três anos
assinaria “O Grito”

de Munch.


 

 

*****





EXCERTO DE "ESSE É O HOMEM"



Um alvíssaro pássaro atordoado de repente salta ao poema,

em estabanado grito e clarão

e a onda se arrebenta na explosão de espuma,

e em seguida se esfuma,
desmaia,
desliza,
lisa, 
na praia,
em que o céu,
que ela espelha,
se espalha,

e um movimento sinfônico de volutas corre por uma saia e uma blusa em várias permutas e se solta dos panos pros braços e mãos e se franze,

em rendilhada água,
no ar,
ao ser lançada da bacia – agora vazia – pro mar,

e a garça,

assustada,
se alça e se esfalfa em vultos alvos de asas, já acima das casas

e ultrapassa um balão que sai,

céu acima,
excesso e exceção da Terra, que em mais-leve-que-o-ar se sublima.




Nuvens passam,

largas,
veículos-e-cargas,

são frotas de caravelas,

leves e belas,
ou galeões com trovões sem canhões fazendo escarcéu,
no oceânico céu



e Veneza é água e pedra,

Iago 
e mágoa,

mas poderia ser ...  Viterbo

e rimaria com Verbo,
que tem tanto do Logos quanto o Iago do evangelho - nesses jogos - tem do Ya´akob hebraico,
vertido como Jacó,
no Testamento Arcaico,

Daí  Sant´Iago,

que na salerosa Cæsaraugusta - que logo será Zaragoza - passará a se chamar
San... Tiago,

igual ao persa biring – cobre – que, após tanta degeneração – dez, onze – no que se dispersa,

acaba gerando – entre nós - bronze,
a mesma história
pobre
de pássaro,
que veio do latino passer,
pardal,
quando pássaro era – na verdade - avis,

chaves que mostram como somos como estradas e rios,

cheios de altos e baixos e jamais em reta - tendo até extravios – mas com meta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fontes: revista Mallarmargens e portal Antônio MIranda

 



 

 

 

segunda-feira, 27 de março de 2023

Eulajose Dias de Araújo

Eulajose Dias de Araújo (1932/1988) nasceu e viveu em João Pessoa-Pnb. Foi poeta e barbeiro de profissão. Publicou os livros “Arma poética”, “Dilúvio de palavras” e “Maresia dos poemas.



 

 

SONETO SETENTA E OITO


Um pássaro
e sua sombra
num vértice
de silêncio.

Na grandeza
de um vértice
apenas um pássaro
ou duas sombras:

(Real-irreal)
que se unem
longe o dia.

Por isso
q noite tem
forma univênita.

 

 

*****

 

 

RETRATO TRÊS

De encontro
a mim
vem
me retrato.

Rubro sangue
de infância
sinto derramar.

Uma pedra
esbarra
no caminho.

Entre mim
pedra infância
chove distância.

 

 

*****

 

 

CANTIGA GUARDA-CHUVA GUARDA-SOL


Um guarda-chuva aberto,
um mundo dentro da chuva,
um guarda-chuva fechado,
um nada dentro da chuva
pois estou todo molhado.

Um guarda-sol aberto,
um mundo dentro do sol,
um guarda-sol fechado,
Um nada dentro sol
pois estou todo queimado.



*****

 

 

BOI DE GRAVURA



Um boi corre
sem campina,
nem pasto,
nem campo.

Que boi é esse
que corre
sem campina,
nem pasto,
nem campo?

É um boi de gravura
feliz na estrutura
de desenho e boi

 

 

*****

 

 

“PALAVRASBOLAS”:

As palavras não são
bolas de futebol,
mas eu jogo com
as palavras como
se bolas elas fossem….
Futebolescas as palavras
se tornam bolas
para todos os acertos
de concordância ou sintaxe,
gramática jogando
com matemática quase.
Gol de pensamento
são as palavras no tempo,
ou no tempo de tempo,
ou no tempo de tempo,
são as palavras:
palavras bolas para boladas
jogando palavreadas

 

Arthur Guimarães

Arthur Guimarães é natural de Campina Grande-PB e reside em João Pessoa-PB desde a infância. Sociólogo e poeta, tem poemas publicados nas redes sociais e em coletâneas.

 


 

 

 

 

Revolucionário

 

Mesmo sugados
o suor e o sangue,
resisto,
revolucionário:

num beijo insano
de um amor
que não existe

ou na fagulha
de um desejo
incendiário.

 

 

***** 

 

 

 

Templo

 

Teu olhar, como um céu,
é mudo

beleza no silêncio
da rotina de um templo.

Os versos de aforismos
nas portas de tuas ancas,
profano.

Sacrilégio que ao poeta
É permitido proferir:

Vapor quente
de um gemido

Mudez amarga
de existir.

 

 

***** 

 

 

Cavalo

 

Cavalga sobre cancelas
o meu pensamento;
busca-me, afoito,
por entre campos longos
e baldios

E, em meio ao vazio,
ao encontrar-me, enfim,
percebe-se sozinho,
num labirinto sem fim.

 

 

***** 

 

 

Dois Toques

 

Do fundo à ponta
aponta a língua
sobre a zona

Pisca o grelo
ao beijo à tona

Seca a boca
inunda a cona.

 

 

***** 

 

 

Flerte

 

Sob as sombras
de um amor
flutuante

que trança
(corta!)
que dança
(traça!)

o desejo
dos lábios
no silêncio
se disfarça.

 

 

***** 

 


 

Sem Fevereiro

 
Meu carnaval
desblocou-se
e nas esquinas
do caminho,
hoje,
ando tão sozinho,
que qualquer
sorriso é alegoria.

Vanildo Brito

Vanildo Brito (1937/2008) nasceu em Monteiro-Pb e viveu em João Pessoa-Pb. Foi filósofo poeta e escritor. Foi professor de Filosofia da UFPB. Publicou diversos livros, entre eles destacamos A construção dos mitos, Memorial Poético, Duplo sinal das horas, Livro das Paisagens e Selecta Carmina – Poesia Seleta. Era poliglota. Além do Português, dominava o Inglês, o Francês, o Italiano, e um pouco de Alemão, Esperanto, e Interlíngua.


 

 

 

 

DÉCIMA-QUINTA


A vida tece destinos
quando te encontro;

A vid nasce de novo
quando te vejo;

A vida entoa seu canto
quando te toco.

A vida peneriza
porque te amo.

 

 

*****

 

 

O POEMA


Meu poema é semente
antecipada no tempo:
cardume de palavras
no mar do meu pensamento.

Abandonado ao vento,
jogado à vaga da sorte,
espera germinação,
espera talvez, a morte.

 

 

*****


A RAÇA-MÃE E SUAS GEOGRAFIAS

 

Já sepultas estão. Porto sem caís,

o Planeta contempla as suas luas

sulcando o sulco amargo dos canais.

 

A Raça-Mãe rumina o seu degredo.

Aquém no tempo, naves ancoradas —

Syrtis Major, Calixto, Ganimedes —

ó memória nas rotas orbitada!

 

Agora a Raça-Mãe ante os humanos:

o milenar e repetido encontro.

Há um gosto de tempo e olhos bebendo

o céu violeta, os gelos e as montanhas.

 

Como cinza estrelar na imensa tarde

a morte em Marte seus desertos arde.

 

 

 

*****

 

 

 

Metamorphoseon

        

A fábula desfeita se refaz
no encontro das memórias redivivas;
volta o verde das chuvas, volta o aroma
vegetal das espigas.

Por sobre o mar a lua ensanguentada
aderna lenta como nave bêbeda;
já se lhe pode ver a luz mastreada
entre a luz das estrelas.

Aquém a Terra obscura e imensurável
tecendo as teias do seu próprio passo;
nascem formas e vozes no silêncio
do luminoso espaço.

A fábula refeita se desfaz
nas pedras turvas desse cais salobre;
vai-se a lua de sangue, naufragada
sobre as líquidas flores.

Das praias dessas ilhas encantadas
eu não mais partirei em torno ao vento;
contemplo a luza da sempiterna Face
renovada no tempo.

 

 

*****

 

        

Aligerum mare

 

O nauta despe-se das âncoras, despede-se
do imóvel cais, a voz dos ventos pressagia.
Não teme as marés de sizígia
inflando os líquidos canais.  O leme
inventa-lhe os caminhos.

Pelagus patet, dixit. E se parte
para o espaço do grande mar aberto
alertas carata de remotas rotas.
No coração as velas da
lesta navegação. A nave plange
seus madeiros. Aquém as rocas
roídas de salsugem.

Lento, o silêncio doura
o dorso alígero da tarde.
O sol, fruto maduro, arde
seu rastro na pele do tempo.
A viagem revela o seu rosto
curtido pelo sol da febre marinheira.
E as ilhas se revelam no navego
da quilha, sobre o azul do fundo pélago.

Mui brancas, as gaivotas gritam
seu canto gaio

 

 

John Gojeth

 João Victor Guilherme de Oliveira, também conhecido como John Gojeth, nasceu em João Pessoa - Paraíba. É músico, poeta, pintor e escritor. Com álbuns lançados de forma independente e o livro "Contos Para Se Ler Antes de Ter Uma Boa Noite de Sono" lançado pela editora Clube dos autores, John Gojeth busca consolidar sua carreira artística e profissional de forma que seu trabalho contribua positivamente com o avanço da sociedade. Cursa História na UFPB.






Tudo É Difícil

Respirar dez vezes, após uma situação de estresse, é essencial.
A vida é uma porra!
Bem grande, grande pra caramba.

Tudo é difícil;
Às vezes é fácil, mas geralmente é bem difícil.
E quando não temos muito tempo,
É preciso improvisar
Para que nada, nada dê errado.

O mais importante é seguir em frente.
Dar passos para trás quando necessário,
Mas nunca deixar de seguir em frente. 

E isso não é um poema motivacional ou de autoajuda, não!
Isso é um conselho,
Pelo menos para quem deseja viver de modo pleno
E sem dever nada a ninguém.

Eu repito: Tudo é difícil.
Às vezes é fácil, mas geralmente é bem difícil.




*****



Uma Perda de Tempo Sem Razão

 

 Já é segunda,
Terça, quarta, quinta;
Amanhã é sexta!
O que eu fiz?
Qual importância teve o meu percurso?

Daqui a pouco é fevereiro.
Olha: Já é natal!
O que eu fiz?
Quem eu ajudei?

Eu ajudei?

Ontem no busão, uma senhora me falou:
“Meu filho, a vida é única!
Não perca tempo procurando um porquê”.

Em seguida a idosa enfartou
E mais tarde, no mesmo dia,
Assisti à uma reportagem,
Dizendo que Dona Lúcia
Era professora de filosofia
E havia se perdido
Enquanto procurava uma razão para viver.



*****



Senhorita Vida

 

Todos nós temos pelo menos uma certeza na vida: A Morte.
Quem sabe um dia ela não vira mais uma incerteza qualquer,
Eu espero...
Ou não.

E se existe vida pós morte?
E se vale a pena passar pelo sofrimento que é viver
Para que no final alcancemos a verdadeira paz: O Descanso Infinito.

Queria que Deus e respondesse quando eu clamasse:
“Pai! Por que sofremos tanto?
O mundo é tão injusto e cruel,
Qual é a lógica de tudo isso?
Por que, pai?”.

Talvez a senhorita vida não tenha exatamente um sentido
E ainda vou além,
Talvez seja uma grande perca de tempo
Ficar procurando algum sentido para todas as coisas.

Quem sabe, a ignorância sobre determinados assuntos
Façam com que nossas experiências sejam mais complexas.

Ou quem sabe, tudo isso não passa de uma forma de buscar um consolo
Por não saber o real significado
Da Senhorita Vida.




*****



Lubrificador Anal

 

Lucas era um menino plenamente brasileiro.
Nasceu na favela e cresceu com a mãe,
O pai foi comprar cigarro
Quando a mulher estava em seu segundo mês de gravidez
E quando tava voltando da cigarreira
Foi espancado por ser preto.

A família obviamente nunca mais teve notícias do homem,
Levando a entender que resolveu fugir da paternidade.

Lucas era um jovem gay de cabelo crespo
E certo dia resolveu brincar carnaval.
Acontece que por fumar maconha com seus amigos
Foi pego pelos mesmos policias que mataram seu pai.

No camburão, a caminho da delegacia,
Eles pararam em um sex shop.
O policial entrou na loja,
E depois de um tempo,
Voltou ao carro onde estava o jovem Lucas.

“Vamos dar um passeio”
Disse aquele que deveria proteger o povo,
Enquanto entregava
Um Lubrificador anal
Na mão de seu companheiro.



*****



Parar e Observar

 

 Observar;

Algo que poucas pessoas conseguem.
Geralmente elas apenas agem de acordo com o que lhes convém
Gerando o gozo de suas necessidades mais externas...
Ou internas!

Uns dizem que não precisam, por já possuírem o conhecimento pleno,
Essa maioria, claro, são adolescentes
(Essa não é a idade que a gente já sabe tudo?).

 Observar;

Uns dizem que não conseguem por serem cegos,
Mas nem sempre se observa o caráter pelos olhos
(Nem pelos ouvidos, nem pelo nariz, nem pela a foda). 

Observar, apenas...

Apenas observar é o que as vezes precisamos
Para que possamos ser verdadeiramente libertos. 

Tudo bem que as vezes precisamos agir.
É fato! 

Mas só teremos noção de quando agir
Se a gente primeiro:
Parar e observar.

 

quinta-feira, 23 de março de 2023

Acilino Madeira

  

Acilino Alberto Madeira Neto nasceu São Felix do Piauí-PI e reside em João Pessoa (Pb). É poeta, letrista, compositor em membro da UBE-Pb. É filósofo, economista e auditor fiscal do Estado da Paraíba. Publicou Nos Confins da Missão com onze contos e uma mininovela,  Monarquia de Sedução, com dois ensaios antropológicos sobre Zé Lins x Gilberto Freyre e Augusto dos Anjos, acompanhados de uma seleta de poemas para a cidade de João Pessoa. Em 2019, publicou o livro de poemas “A Ilusória Geometria da Insanidade”.

 


 

Um Ponto Fora da Curva



Aceno de mau augúrio
Pedra na comida fria
Cálculo renal
A dor que não passa
Incômodo da cegueira intensa

E o tempo fora de prumo
Espaço picotado por minutos neuróticos
Noves fora nada
Mar de randomia em ebulição
Nem plano e nem reta
Sem sequência estatística

*****



Sobras de Yorubá

 

 

Dengos de bem querer
Cantigas desatinadas
Rebentos de melodia
Na paz inteira do dia
Palavras dilaceradas

Ai sobras de Yorubá
Minha flor de ternura
Bogarim

Deixai a inocência viva
Perambular na sacada
Que vela o mundo por mim


*****


Intimidade das Estações



Um dia a flor que lamentava a perda do encanto
Secara em vida e seiva
Antes da estreia de um outono
Que se ouvira falar
Sei do inverno quando me sinto triste
Na frieza da alma úmida
Em veste que não protege
Bogarins despetalados
Antes do verão esnobe e pabo
A primavera pôs-se a consolar
A mesma flor sedenta de resgate
Com promessas de cores firmes
E cheiros renovados.
Tudo imaginação
Em minha aldeia
Não vigam as quatro estações
Só a utopia e a felicidade
Estampada no rosto de Alice
Ou talvez de Nicinha
Em tempos de carnavais


*****



Psicologia da Ausência



As vozes do lar da infância
Grave som matinal paterno
Nas trilhas do passado
Um sentido de pertencimento
No acolhimento da casa
Enfeitada e estrangeira
Pesares sublimados
Pela doce calma
Domingo segundo
Agosto de meu pai sempre


*****



Diáspora dos Amantes



A rua que tu andas tem bogarins danados
De cor e salteado sabem que vai rolar
Jardins ofertam flores pétalas multicolores
Figuras que se formam no chão do pensamento

As luas do Atlântico enlouquecem muito mais
O vento na varanda mucama e capataz
Praia em Cabo Verde com porto de encomendas
Ferrada a carne morta na distância dos casais

Na dúvida das manhãs não sei onde me encontro
Eu rogo aos santos a festa de um dia te encontrar
Para sonhar azul gaivota solta
Infanta e bela no céu da nossa conquista

A árvore do esquecimento
Lonjuras de além-mar
Nas brenhas da diáspora
Vergonha de mil cais

 


*****

 

 

Furtadas Intenções



Seus olhos desconfiados
Parecem-me tão lindos
Como se a desconfiança deles
Deixasse-me neutro em dias previsíveis

Seu jeito vestido de meiguice
Furta-me delicadamente as intenções
Banhadas de ternura
Contida em meu ser

Que massa
Seus olhos desconfiados


*****

Balangandãs & Bandeiras
(para Antônio Amaral)



Ei cardeais ofegantes da alegria
Detentores de dengo e de segredo
Vadios moleques, malungos e desterros
Querubim mulato e aleijadinho
Desvirou meu carnaval

Sambou e cantou no tom
Falou do meu Cafuçu
Balangandãs e bandeiras
Louvando a musa crioula
Nicinha me acuda na glória
Brincantes no “mei da feira”

Meu Deus do céu Teresina
Não volto mais pra Lisboa
Ficarei aqui pretinha
Bem perto das labaredas
Ardendo o quengo da bossa
Curtindo na camarinha

Meu martelo não dá conta
Da malandragem que mora
No centro do pavimento
Pelouro não mais se aguenta
Soberba seduza e chora
E o mar vai molhar na aurora
Das bordas temporais infindas

Banana na cumeeira
Sinais do tempo na barra
Da saia da vida é bela
Na tela de meu cinema

Carlos Moreira

 Carlos Moreira é poeta paraibano de João Pessoa e reside em Porto Velho(RO). Publicou diversos livros de poemas, entre eles Tetralogia do nada, Cardume e Corpo aberto.






nasci em joão: pessoa: da pessoa
que joão plantou em maria: da flor
de maria: nunca encontrei joão
mas o vejo mais a cada hora no espelho
dágua quando raia o dia: nos olhos
da noite quando a noite luz: ainda
estamos aqui: distantes no tempo
e nas águas: tão perto dos olhos
tão vivos nos fios dos filhos e filhas
que seguem tecendo suas redes
de luz: há de me pescar um dia
qualquer hora dessas nesse relógio
que a si mesmo devorou: há de me saber
que seu nome nem o meu importam:
só lances de dados contra o silêncio:
joões marias pessoas que tentam ser
enquanto o tempo segue apenas sendo


 

 


*****



primeira lição para estripar um homem:
estripa-se o seu nome em praça suja
sua língua na lama sua sombra na sombra
em cada passo um golpe de medo 
e no segredo que nunca houve
as larvas de milhões de segredos

 

segunda lição para estripar um homem:
para saber sua altura usar a régua do porco
a régua do rato a métrica do nojo
a balança do fogo: cada quilo valerá
menos que o outro e cada centímetro
um corpo a menos: a menos que o corpo
se jogue da ponte ou do porto
e poupe o inútil trabalho da vila
de matar um homem morto

 

terceira lição para estripar um homem:
não se estripa um homem só:
estripam-se os avós e netos
amigos silêncios e objetos
que cercam o homem a ser estripado
e tudo deverá caber no mesmo saco
um mundo inteiro reduzido 
ao suposto fato de que tudo
retornará ao nada de que foi originado

 

quarta lição para estripar um homem:
estripa-se a palavra do homem
o dito o não dito o interdito
naquilo que sendo fala também cala
o que o torna homem: sua palavra
de homem que agora estripada
vale nada ou menos o que a pele
diria à faca: bem-vinda, senhora
sinta-se em casa

 

quinta lição para estripar um homem:
após estripado lança-se tudo
no fosso do fundo do calabouço
entre outros tantos estripados
carcaças de sonhos pedaços de loucos
para que até o fim dos tempos
de nenhum corredor possa brotar
o vivo reflexo de seus olhos

 

sexta lição para estripar um homem:
a vila inteira deverá lavar a praça
as ruas as casas as igrejas as estradas
e a própria vila deverá mergulhar
e manchar o rio com o vermelho
que escorrer de suas roupas pálidas
e queimá-las numa fogueira imensa
e caminharem nus e em silêncio
cada um em direção à cova de sua casa

 

última lição para estripar um homem:
verificar com exato cuidado
se a baleia não quer vomitá-lo
se não possui uma flauta de pedra
ou uma antiga lira afiada
que faça arrepiar a terra:
neste caso foi inútil estripá-lo:
multiplicado milpartido libertado
ele rompe a corrente do tempo
e atinge maior o outro lado:
inútil o sono da vila enquanto
canta o estripado

 

 

 

 

*****

 

 

 

jack e eu nos damos razoavelmente bem:
o suficiente para não nos matarmos:
difíceis são as noites porque jack reza muito
e seu arrependimento aparentemente sincero 
inunda o chão: é preciso levantar
no meio da noite e molhar os pés 
nos pedidos de perdão de jack: há muitas vidas
em sua vida na vida de sua navalha de aço
no gume de seu bisturi sedento: 
jack reza e geme e se arrepende
com aparente sinceridade: penso se algum dia
ele secará se ele transbordará até
a última gota se tudo de repente sairá dele
por simples cansaço desidratação da culpa
ou perdão de algum deus impaciente
que diga: chega jack: deixe os outros
dormirem em paz deixe de inundar o chão
na madrugada deixe os mortos em paz 
não os faça flutuar na barca furada
do teu pedido de perdão: a canoa do perdão
também naufraga no cotidiano: talvez então
jack se cale e nos deixe dormir em paz
sem a umidade debaixo da cama
e não como fetos que acordam cobertos
de musgo e sangue e água: mas no fundo
duvido que essa noite chegará: são muito sujas
as duas mãos de jack seu abdômen de inseto
seu olhar que pouco pisca: eu e ele
nos damos razoavelmente bem: mas não
o suficiente para que minha navalha
não durma embaixo do meu travesseiro 
a um toque da minha mão esquerda

 

 

 

*****




o enterrado vivo está vivo: o sol
não percebeu sua falta: a noite chega
sem aviso e deita noite sobre a noite 
do enterrado vivo: é noite sempre
onde o enterrado vivo está: é sempre
noite quando o enterrado vivo é:
mesmo que cave em todas direções
estará vivo e enterrado: um tabuleiro de xadrez
nas paredes e o calendário inútil: para quem
enviar sinais de fumaça código morse cartas cifradas?
gastar seu aramaico com os vermes para quê?
enterrado vivo com seus livros para quê? 
enterrado vivo: maldito enterrado vivo: 
cravo na lapela flores ao redor a sombra acesa
de uma aliança: tudo vivo e enterrado
com o enterrado vivo: ele ainda é livre
para cantar: a música reverbera nas paredes
e no terceiro acorde já é outra música:
as palavras ricocheteando nos cantos: 
fonemas bêbados se abraçando no ar
em busca de uma língua: os vermes 
permanecem fora à espreita da morte
do enterrado vivo: reclamam da demora: 
seus pulmões reciclam o ar? seus olhos
escondiam luz em que retina falsa?
os dias passam e os vermes esperam: 
chove e os vermes esperam: é triste
a vida dos vermes: esperar a morte incerta
do enterrado vivo: o enterrado vivo vive:
vai libertando aos poucos a memória aprisionada:
a luz atravessando o quarto: a gargalhada
inundada de maresia: as portas se abrindo
e ela entrando vestida de sol: cães acompanhando
a volta para casa e logo desaparecendo:
bolinhos quentes de chuva brilhando entre
açúcar e canela: a voz livre ecoando no teatro:
o cheiro de uma mulher que se perdeu na multidão:
tudo vivo no enterrado vivo: nem alucinação
nem febre: só a pressão do ar nos tímpanos
que às vezes atravessa o hipotálamo: a palavra
hipotálamo e de repente o riso detonado
pelo falso cognato: qual o diâmetro
do hipotálamo de um hipopótamo? libélulas
têm hipotálamo? elas conseguem ver seu reflexo
enquanto colhem gotas? lesmas podem sofrer
de labirintite? ouriços da polinésia que vivem
cento e cinquenta anos têm memória da infância? 
o enterrado vivo ri: e ao saber que ri gargalha:
do lado de fora os vermes o escutam gargalhar
e se eriçam: devem ser gritos espasmos haustos 
de sufocamento ou um possível enforcamento
com a gravata lilás: depois o silêncio: os que estão
mais próximos avançam um pouco seus úmidos
passos de verme: mas não: o chão ainda vibra
ainda há calor na terra: amargurados
deitam-se em círculo e esperam: maldito
enterrado vivo: capaz que mesmo morto continue:
como saber a hora de cavar salivar devorar?
haverá corpo ou num último blefe o desgraçado
provoque combustão espontânea? mumificação?
talvez se confunda com as flores? talvez
salte direto para o estado mineral: pedra
carvão cobalto urânio radioativo: triste
e incerta a vida dos vermes: no fundo
mais profundo o enterrado vivo aflora:
nem fogo-fátuo nem fluorescência de pétalas:
de alguma forma o enterrado vivo aflora
e dança: dança por dentro no centro onde
tudo começa: e sem pressa respira e dorme
e acorda: ontem sonhou que era uma trufa negra:
os cães da antiga madrugada devem estar a caminho

 

 

 

Fonte: Biblioteca Pública do Paraná e Facebook

 

 

Luana Pordeus

Luana Pordeus nasceu em João Pessoa(Pb) onde ainda vive. É advogada, pós-graduada em Direito Civil e Direito Processual Civil. O encanto da poesia começou com a música e estendeu-se pela literatura de um modo geral> Seus primeiros poemas são publicados nas redes sociais. Integra a antologia Horizonte mirado na lupa – cem poemas contemporâneos da Paraíba.





FUGI



para o Monte
sem espada
sem samurais

arrastei cerejeiras

orientei-me.




*****





  INFINITO



Tão generoso
que teve o cuidado de existir
sem ponto final

 

 

 

 

*****



Senti um suave puxão
Mais outro
Aliviei o peso
E então parei
Lança incessante
Arremete nossos rostos
Aquece e acelera
Volta a girar
Braços largados
Dois enluvados
Pendurados de novo
Arrasados de cansaço
Não havia saída
Daquela lenta dança
Travei-o na cintura
E agonizamos de paixão





*****

 

 

Toca
Um pequeno sino
Timo
No meio do corpo fechado
Pau a pique
Moradia dedicada
Doces, flores, óleo
À frente do ícone divino
Celeste energia
Oferta de si mesmo
Elo entre o sopro e a deidade
Oferenda protegida: Alma.

 

 

 

*****

 

 

 

Estações

vem o sol
vem o frio
folhas caem
um botão
e eu
a mesma correspondência:
te abraçar com a carne
molhada.




*****

 

 

Lodo


inútil vaso de flor
suficientemente limpo

vazio.




*****



Mensageiros


Chegando

por mil

nervos aferentes

Passando

DA PELE

              DO OLHO

                            DO OUVIDO

                                         DA LÍNGUA

PARA O CÉREBRO

Um caos esperando sentido.

 

 

 

 

*****

 

 

 

Capítulo de sexta...

Desceu a Rua de Matacavalos
sendo transportado
pelo grau louco do amor

A mente desesperada,
mente
delírios de um narrador

Sem um amigo
sem um ouvido
maltratado em romance

Entrou num bar
viu o diabrete sorrindo
com a graça dum defunto

Enfim, a suma
das sumas: não era água benta,
não tinha o dom e
estava de ressaca.

Envie poemas, minibio e foto para o e-mail lausiqueira@yahoo.com

Francc Neto

  Minha jornada como poeta começou na adolescência,  publicando poemas em revistas e jornais.  Ao longo dos anos, minha poesia foi reconheci...