terça-feira, 21 de março de 2023

Zé Ramalho

José Ramalho Neto (Zé Ramalho) nasceu em Brejo do Cruz-Pb e reside no Rio de Janeiro.  Publicou os livros Apocalypse, A peleja de Zé do Caixão com o cantor Zé Ramalho e Carne de Pescoço. Compositor, cantor popular e estudioso do romanceiro nordestino. Gravou diversos álbuns e o mais conhecido é Avohay (1977).



*****

 

se fosse fácil, lodo mundo era.
se fosse muito, lodo mundo tinha.
se fosse raso, ninguém se afogava.
se fosse perto, lodo mundo vinha.

se fosse graça, todo mundo ria.
se fosse frio, ninguém se queimava
se fosse claro, todo mundo via.
se fosse limpo, ninguém se sujava.

se fosse farto, todos satisfeitos.
se fosse largo, tudo acomodava.
se fosse hoje, lodo mundo ontem.
se fosse tudo, nada aqui restava.

se fosse homem, junto com mulher
se cada bicho, fosse como vou.
se fosse tudo claro pensamento
nesse momento, nada se criou.





*****

 

 

 

 

BOMBA DE ESTRELAS
Dedicado a Jorge Mautner


nem toda nota é o tom,

nem toda luz é acesa,

nem todo belo é beleza,

nem toda pele é vison.

nem toda bala é bombom,

nem todo gato é do mato,

nem todo quieto é pacato,

nem todo mal é varrido.

nem todo preso é punido,

nem todo queijo é do rato.

 

nem toda estrada é caminho,

nem todo trilho é do trem,

nem todo longe é além,

nem toda ponta é espinho.

nem todo beijo é carinho,

nem todo talho é um corte,

nem toda estrela é do norte,

nem todo ruim é do mal.

nem todo ponto é o final,

nem todo fim é a morte.

 

nem todo rei é bondoso,

nem todo rico é feliz,

nem todo chão é pais,

nem todo sangue é honroso.

nem todo grande ê famoso,

nem todo sonho é visão,

nem todo pique é ação,

nem todo mundo é planeta.

nem toda pena é caneta,

nem todo certo é razão.

 

nem todo claro é clareza,

nem todo brilho é da luz,

nem todo cristo é o da cruz,

nem todo crime é defesa.

nem todo truque é proeza,

nem todo alto é altura,

nem todo quente é quentura,

nem todo prato é bandeja.

nem toda luta é peleja,

nem toda noite é escura.

 

nem todo coxo é perneta,

nem todo doido é demente,

nem todo grão é semente,

nem toda cara é careta.

nem toda mala é maleta,

nem todo verme é minhoca,

nem todo milho ê pipoca,

nem todo santo é catimba.

nem todo poço é cacimba,

nem toda fala é fofoca.

 

nem todo tiro é de bala,

nem toda cobra é serpente,

nem todo sol é poente,

nem toda boca é a que fala.

nem todo quarto é senzala,

nem toda conta é exata.

nem todo couro é chibata,

nem todo peso é medido.

nem todo grito é sentido,

nem todo verde é o da mata.

 

nem toda faca é punhal,

nem todo corte é ferida,

nem toda guerra é vencida,

nem todo vago é banal.

nem todo gênio é o tal,

nem todo velho é idoso,

nem todo dengo é manhoso,

nem toda conta é correia.

nem toda linha é uma reta,

nem todo fraco é medroso.

 

nem todo fogo é fumaça,

nem todo fumo é tabaco,

nem todo furo é buraco,

nem todo pátio é praça.

nem todo dia é de graça,

nem todo peixe é do rio,

nem todo são é sadio,

nem toda cabeça pensa.

nem todo crime compensa,

nem todo gelo é do frio.

 

nem toda horta é canteiro,

nem todo monte é colina,

nem toda viola afina,

nem todo galho é poleiro.

nem todo rock é santeiro,

nem todo homem é tanto,

nem todo véu é um manto,

nem todo olho é vazado.

nem todo terço é rezado,

nem todo choro é um pranto.

 

nem toda goma é chiclete,

nem todo baço é bacana,

nem toda gente se engana,

nem toda vamp é vedete.

nem toda mão se intromete,

nem todo caso é paixão,

nem todo leque é pavão,

nem toda cerca separa.

nem todo peso é a tara,

nem toda vara é condão.

 

nem todo pó é poeira,

nem todo ventoé soprado,

nem todo leite é coalhado,

nem todo filtro é peneira.

nem toda folha é parreira,

nem todo bicho é papão,

nem todo aperto é de mão,

nem toda raça é humana.

nem toda mente é insana,

nem todo ente é irmão.

 

nem todo grão é semente,

nem todo barco é vapor,

nem todo grito é pavor,

nem todo sol é nascente.

nem todo elo é corrente,

nem todo filho tem pai,

nem tudo que sobe cai,

nem todo verso tem rima.

nem toda matéria é prima,

nem tudo que entra sai.

 

 

 

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( fragmento )

  (...)

Minha lira se chama Amaltéía

Meu cavalo se chama Mato-Grosso

Minha cama de vidro é um colosso

Meu planeta foi berço de Medeia

Minha asa foi feita na Coreia

Me trouxeram no bico de um condor

Carro forte, blindado e sem valor

Atrevido poeta e penitente

Olho fundo queimado de sol quente

E contraído de ferro e de calor

 

Não pretendo deixar dedos falarem

Nem fazer de você perda inútil

Nem vesti-la de sedas de um tom fútil

Nem querê-la dormente de bobagem

Meu tecido forjado de coragem

Nos teares ferventes de Satã

Destronado do trono desse cia

Meu juízo atirou-se na procura

Desviou-se dos beijos da loucura

Aquecendo o bocejo do acua

 

A visão do meu olho cristalino

Captando cometas estrelados

Nebulosas e astros anelados

Através do cabelo de um menino

Seu sorriso tem ares de divino

Porque males nenhum pode sofrer

São crianças que vão sobreviver

Ao poder que reinou embrutecido

Pelo mundo ficou só o rugido

Dos motores que o homem quis fazer

 












Fonte: antoniomiranda.com.br

 

Hildeberto Barbosa Filho

 Hildeberto Barbosa Filho nasceu em Aroeiras-Pb e reside em João Pessoa-Pb. É poeta, ensaísta, professor da UFPB, doutor em Literatura e crítico literário.

Membro da Academia Paraibana de Letras - APL, autor de diversos livros, entre eles, Nem morrer é remédio (poesia reunida).

 



 

POÉTICA II

 

O poema
também se faz
daquele verso
ausente,
aquele que seria
o ouro da poesia.

Aquele que vem subitamente
e nos habita à luz

da solidão.





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NEGATIVO

 

Não me vejo
nem no espelho
nem na fotografia.

E quando me vejo,
vejo-me incompleto.

Aquele que lá está
sou eu e não sou eu
precário reflexo.




*****

 

 

LEGADO

 

À noite se segue o dia
como as águas abrigam
calor e silêncio.

Resta ao homem
a pluma da linguagem,
ásperos navios de fogo
que iluminam os vazios.

 



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METÁFORA

 

Num antigo verso
falava das “pupilas da manhã”.

Hoje inverto a metáfora:
nas tuas pupilas, Pâmela, nadam
todas as manhãs.

 



*****



VERÃO

 

É verão
e tento proteger o sol
dentro de mim.

O que me aquece,
nessa tristeza de verão,
é o frio de aço
das duras calçadas
da alma.

É verão
e as pessoas nem estão
mais alegres.

(Tudo é claro, quente, triste!)

O sol explode
dentro de mim
enquanto me despeço

das outras estações.





*****

  

 

Princesa

(para Aldo Lopes e Otávio Sitônio Pinto)

 

São solitárias as nuvens
sobre a serra de Princesa,
cidade distante e sem fronteiras
como o mapa de meu coração.
A voragem dos ventos invade
a calmaria das praças, das almas,
e o silêncio da noite é golpeado
por antigas adagas invisíveis.
Como dói o deserto do meu coração!
Como dói o anônimo triunfo
de viver esse mundo longínquo
só por um instante no meu desespero.

 

 

Magna Vanuza

 Magna Vanuza Araújo nasceu em Boqueirão(Pb), onde ainda vive. É professora e poeta, graduada em Pedagogia pela UEPB, coautora de livros como Retrato Poético, participa das coletâneas Novos poetas do Cariri paraibano e resistência poética. Sua poesia pode ser encontrada também em revistas e sites de literatura.

 

 


 

 

 

Engolindo sapos


Tenho andado
Perdida
Em caminhos fartos

Tenho andado esquecida
As margens do asfalto
Tenho andado sofrida
Em consequência dos fatos
Tenho andado calada
Engolindo sapos



*****



 

"Humanaidade"

 

Há muito estamos em surto.
Vivendo cada dia um por si e ninguém por ninguém.
Há muito estamos em surto, curtindo nossa vibe, fumando nosso caos.
Há muito estamos à beira do precipício, tomando nosso sorvete e descongelando as geleiras.
Há muito tempo estamos assinando nossas carteiras e pedindo permissão.
Há muito estamos em surto, assistindo televisão
Acreditando que nada nos aflige, que somos infalíveis, donos da razão.
Há muito consumimos mais do que precisamos.
Vomitamos tudo no oceano e depois compramos peixe do quintal do nosso esgoto.
Há tempos estamos com problemas de extinção, coração e valorização.
Sozinhos,
Nas vias, portos, estações.
Há tempos que não abraçamos e não apertamos verdadeiramente as mãos.
Há tempos que ouvimos socorros das ruas, mares, das florestas, rios...
Há tempos atravessamos enchentes, apagamos e acendemos fogueiras
moldamos de lama o que emana da nossa geração.
Há tempo, muito tempo que o socorro não vem
Que as UTIs estão cheias,
os bancos de sangue vazios
E as veias jorrando
De sangue
De pestes
Há muito, muito tempo, subimos e não achamos ar
Fugimos do nosso lugar
Tentamos escapar
Esquecemos o que é lar.
Há tempo que é pedido uma pausa
Há tempos que não aceitamos enxergar a causa.
Há tempos que estamos no fio da navalha.
Há tempos que tudo, quase tudo é falha.




*****




Script


Subo sozinha
o palco
Em cena
Desperto
Para o
espetáculo
Sem plateia

Tomada
Destexto

 

 ***** 

 

Do passar do tempo


Com o tempo
A gente vai ficando
Cheia de manias
De nove horas
E ave maria

 

 

Sérgio de Castro Pinto

 Sérgio de Castro Pinto nasceu em João Pessoa(PB), onde ainda vive. É poeta, advogado, jornalista e professor da UFPB. No mestrado e doutorado, estudou Manuel Bandeira e Mário Quintana, respectivamente. Publicou O Cerco da Memória, Gestos Lúcidos, Zoo Imaginário, Ilha na Ostra, entre outros.

 

 


 

atos falhos


sequer os ensaio.

mas meus atos
falhos
encenam-se assim:

eles já no palco
e eu ainda
        no camarim.




*****




seu Isidoro


seu Isidoro era eletricista
e a sua barba hirsuta
                                   hirta

era um rolo de fios
                    desencapados

soltando faíscas
seu Isidoro era uma pilha
um surto um curto
um longo circuito

atritando-se com a vida




*****

 

 

as cigarras

 

 

são guitarras trágicas.

plugam-se/se/se/se
nas árvores
em dós sustenidos.

kipling recitam a plenos pulmões.

gargarejam
vidros
moídos.

o cristal dos verões.

 

 

***** 

 

 

lapidar

 

em cada verso
que escrevo,
eu me parto.

a folha é lousa.

poemas, epitáfios.

 

 

***** 

 


 

recado a pound

  

pound, eu não sou
nenhuma antena.

eu sou a pane
e a interferência
dos meus fantasmas

no tubo de imagens dos poemas.

 

 

***** 

 

 

antagonismo: máquina

de fotografia/revólver

 

 a máquina
é o revólver ao inverso:
os objetos-bala não saem,
eles entram, se internam.

da máquina
(se acionado o gatilho),
os objetos-bala a engravidam
de um festival colorido.

do revólver
(se acionado o gatilho),
apenas existe uma cor:
a mesma cor de um grito.

 

***** 

 

 

o homem conduzindo a
máquina de fotografia

 

 na máquina
a paisagem é intestina
(o fora está dentro),
não pode mostrar-se ainda.

a máquina
guarda o que havia fora
e o homem a conduzindo
conduz duas memórias:

uma a da máquina (mais dentro)
e a outra a do homem (mais fora).

segunda-feira, 20 de março de 2023

Cyelle Carmem

Cyelle Carmen nasceu em João Pessoa onde ainda vive. É poeta, graduada em Letras e mestre em Literatura e Cultura pela UFPB. Possui especialização em Psicopedagogia pelo Centro Integrado de Tecnologia e Pesquisa - CINTEP. É autora dos livros Luzes de Labirinto, (Uni)verso e No tempo da delicadeza. Foi uma das fundadoras do Núcleo Literário Caixa Baixa da Paraíba. Os poemas desta página estão no livro "As árvores não morrem de pé".

 




BRISA

Fui gota
Tempestade de vento.
Baldeei para longe os navios.
Não há água para naufrágio.
Virei mar que só brisa.



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ESTAÇÃO


Tudo está parado
e dentro de mim
os trilhos escondem-se do trem
as estações fogem da espera.


*****


EXORCISMO


Ainda tento o exorcismo.
A sombra da sua passagem ficou.
Leve rastro de marcas profundas.

Ainda tento o exorcismo.
Ouço ruídos no andar de cima.

Não quero padre,
mandiga ou ritual
Candomblé ou purificação.
Quero o próprio demônio
Da sua dor habitando esta casa.





*****


SOBREVIVÊNCIA

Esgoto todo sufoco
Cada suspiro tem mais ar
Que a tempestade.




*****



MEMÓRIAS ARTESANAIS


Não pertenço ao tempo.
Meu rastro são sinais de memórias.
O vento toca leve as pontas dos dedos
leva algo sem saudade
sem aviso de volta.
Artesanatos de beijos sem gosto
tecem novas cenas,
mas eu
não pertenço ao tempo.
Minhas memórias são artesanais.
Alimento o infindável.

Envie poemas, minibio e foto para o e-mail lausiqueira@yahoo.com

Francc Neto

  Minha jornada como poeta começou na adolescência,  publicando poemas em revistas e jornais.  Ao longo dos anos, minha poesia foi reconheci...