quarta-feira, 15 de março de 2023

Águeda Magalhães

 

 

Águeda Magalhães nasceu em Arco Verde-PE e reside em João Pessoa - PB. Graduada em Letras pela UFPB, é professora de Literatura brasileira e Língua portuguesa. É autora dos livros a Alquimia do voo e A impermanência do ser. Tem poemas publicados em diversas revistas eletrônicas. Na Academia Literária Internacional de Poetas – ALIPE, ocupa a cadeira 209, cujo patrono é Milton Hatoum

 

 


 

 

 

Ensaio passos medrosos
da frágil equilibrista
tento não resvalar
na noite espessa
que agora deu para esquecer de
acender as estrelas.




***

 

 

 

Luz a meio-tom

              a Cecília Meireles

 

Impossível
Ver o vinho evaporando
na fina taça
e não sentir a saudade latente
de todos os goles que deixei escapar
acreditando que o manancial era eterno.
engano pueril
o líquido escoa...
a marca
teimosamente
vai declinando.
mais da metade
já se foi.

À semelhança dos poentes,
sou luz a meio-tom.
recolho-me
como o sol
que se entrega
exaurido
à noite irremissível

Fica o gosto amargo das renúncias...
A nostalgia das estrelas
que entoam despedidas.
Impossível retomar
o ontem que não vicejou
e hoje habita o abismo intransponível
do “ tarde demais.”
Choro pelo que deixei escorrer a céu aberto.
pela manhã
que deixei escapar
sem sorver a beleza de seus cânticos molhados de sol.

Hoje
tardia
quero beber,
lentamente,
cada fio ralo que escorre pelas bordas do cálice.
são lágrimas esparsas
:choram pelos meus desencontros,
pelos meus desencantos.
no percurso do agora
escoltam-me lembranças gastas
pistas de saudades que ressoam
vozes e infinitude.

frente à voracidade do tempo,
a Poesia
um dia se perguntou
: “ em que espelho deixei perdida
a minha face”?

ousaria responder:
o tempo, poeta, nada sabe de concessões
: fustiga o corpo

entorpece a alma.
talvez
vestígios de nossas faces
ficaram empoeirados
nos vitrais baços
dos dias perdidos
das feridas impostas e expostas...
talvez
sejamos rostos que se renderam aos ardis da tarde
desdenhando de todas as solicitudes da manhã.

As queixas mudas
Os risos sufocados
vão sulcando a pele
que antes era viço
brilho
formosura.
de repente
no espelho
o susto
: surgem esmaecidos
contornas nebulosos
do que um dia foi Beleza
e hoje é, apenas, Saudade.

 

 

***

 

 

Clausura

 

Através das vidraças
contemplo um pequeno recorte
da vida lá fora:
Velhos coqueiros
agitados pelo vento
balançam suas palmas
fazendo surgir
vez por outra
nuances de fúcsia
em nuvenzinhas frágeis
que se esgarçam
em mil fragmentos cor de rosa.
O céu e as muitas águas parecem que se tocam
na palidez do horizonte
de todas as angústias.
O silêncio branco
deita sobre o mar sem ondas,
triste espelho opaco,
a abrigar distantes uivos
fundos e sentidos
das águas profundas
que choram sombrios presságios.
O ar seco e cortante
desfolha os sorrisos das rosas de abril
embaça o viço
ceifa a beleza
preserva só os espinhos
a lacerar o mundo
que sangra
perplexo.

Frágil e impotente
recolho-me.
Enclausuro todas as minhas faces.
Mais que o cárcere de concreto,
as teias do medo infiltram-se
no vazio dos dias opacos
feitos de aflições e muita neblina.
portas cerradas
coração oprimido
braços que não abraçam
risos recolhidos
ausências...
Debruço-me em lembranças difusas
e tão recentes!
Divago...
Pesadelo ou realidade?
Que dia é hoje?
não importa
é dia de abismo.

Atravesso a noite
atenta às estrelas
que latejam nostalgia
estranhamento...
Escuto as lágrimas do mundo
silenciosas e sentidas
eco pungente
de dores inexpugnáveis.
Insone
espero que a chegada da Aurora
reacenda
majestosamente
as luzes de um novo dia
e possa ressuscitar
todos os ontens
quando “ éramos felizes e não sabíamos”
.

 

 

 

***

 

 

 

Tarde fria

 

Dias de lentidão
noites de abismo
chove, suave e incessantemente
horas de chuva fina impregnadas de nostalgia.
abro a janela
um pedacinho do” lado de fora”me seduz.
os olhos abatidos anseiam
alcançar a outra margem.
a neblina do improvável
impede-me.
o nevoeiro denso e leitoso
embaça qualquer devaneio.
algumas gaivotas perdidas buscam,
confusas,vestígios do regresso esquecido.
no horizonte
entrelaçados
difícil saber onde termina o céu nublado e começa o mar plúmbeo.
fico imaginando,
na imensidão dessas águas frias,
a solidão dos barcos encalhados em praias distantes.
fugindo da cerração
o sol não ousa aparecer.
anuncia que hoje não tem espetáculo
: as cores violáceas do por do sol não aquecerão a palidez do firmamento.

Tarde fria.
recolho-me
o interior não é muito diferente da desolação externa.
exala silêncio
coração inquieto
salas surdas
móveis silenciosos
livros taciturnos.
não me animam as proezas de Aléxis Zorbás, ou os olhos dissimulados de Capitu...

Tarde fria.
queria fugir do casulo
sentir o vento desalojando as dores dos dias de luto
enrodilhando-se na alegria dos reencontros...
mas o medo me detém
:a travessia é difícil
o terreno minado...
aonde colocar os meus passos?
pés descalços
nada sei de cacos de vidro
ou dos minúsculos inimigos que devastam a epiderme de um mundo estarrecido, impotente.

Tarde fria
arremeto-me
vagueio pelo meu avesso.
em meio à fumaça volátil,
entre sombras retorcidas,
encontro roto e amarrotado
o vulto da esperança a entoar abraços.
um grito nu e silencioso atravessa-me:
a breve centelha será reacesa.
o mundo enfim retirará do seu rosto
a máscara que apagou todos os sorrisos
e os olhos
exauridos de tantas lágrimas
contemplarão aliviados
o reinício da saga
:mãos enlaçadas
abraços apertados
risos em uníssono...
mais uma vez ,
A Vida.




***





Redenção

Recostei-me

preguiçosamente

na luz da manhã.

Filetes de sol

aqueciam o não

que se antecipou

-vida inteira-

ao riso contido do sim.

 

Desvesti-me do medo

vesti-me ousadia:

Vendaval

varri fantasmas,

Voragem

desfolhei anseios.

 

No ar

pintei

a dança das folhas

exímias acrobatas

a exibirem

em frenéticos volteios

o último balé do outono

revoada de cores

que se dispersa

no abismo de todos os ventos.

 

Alimentei flores famintas

aves desgarradas.

Em catres empoeirados

encontrei

gritos silentes:

dormiam

entediados

dos dias sem cânticos;

queriam entoar tempestades.

Acordei-os

um a um.

Ouvi os ecos

de um imenso riso triste

a reverberar desencantos.

 

Desenfileirei

exércitos de palavras reprimidas

paralisadas

em filas indianas.

Quebrei a vitrine

libertei a pálida manequim

há tanto tempo

imóvel...

Enxuguei sua face branca

sulcada

por lágrimas de cera.

Acendi seus olhos vítreos,

com lâmpadas de anil

pintei sua boca de vermelho-carmim.

E ela sorriu!

 

Fiz- me nuvem.

Derramei-me chuva.

Torrencialmente

chovi:

molhei a terra árida

que esperava

apenas

o beijo molhado

das águas de Maio.

Eclodi verde

embrião da vida

a brotar

timidamente

dos entulhos do ontem.

 

Nada mais importa

senão o meu próprio encontro...

Em longa e dolorosa procura

fiz-me resgate:

perdoei-me!

hoje

sou

Redenção.

terça-feira, 14 de março de 2023

Amneres

  • Amneres é poeta paraibana de João Pessoa e reside em Brasília. Publicou 12 livros, entre poemas e crônicas. O mais recente deles “Marí(n)timo – poesia de bordo’. É graduada em Letras e em Jornalismo pela UnB e Mestra em Turismo. Participou de diversos movimentos literários de Brasília, entre eles o  OiPoema e o VivaArte. "Pedro Penseiro", "Emquatro", "Rubi" , "Eva" e "Marrí(n)timo - poesia de bardo", são alguns dos seus títulos.



Animais Noturnos

 

Acordei com o barulho.
Móveis arrastados pela sala
rasgando o assoalho do escuro.
Vulto no espelho da memória
engolido pelas sombras do medo.
Acordei nesse lugar remoto,
como um deserto dentro do peito.
A solidão e suas garras
abrindo fendas, escaras.
A dor sangrando suas lavas,
encharcando os olhos do soturno.
Poemas são espinhos perfurando
a carne das palavras. Animais noturnos.

***

 

 

Medo



Um grito rouco na tarde,
um uivo dentro da noite,
um frio seco na carne,
o giz de sangue do açoite,
a torpe face da morte
na rigidez do cadáver,
a solidão do covarde
roendo as cordas da sorte
e a dor de que não se escape
e o amor quando parte ou morre.

 

 

***

 

Ciclo

Alguma coisa me invade,
alguma coisa me acorda,
alguma coisa em mim arde,
alguma coisa em mim sopra
e a chama incendeia a carne
e o tempo trota no peito
e a vida faz amizade
com a morte e tudo é perfeito,
pois tudo finda e renasce
e é core e é recomeço.

 

 

***

 

 

 

 

Tanatos

 

Corpo mutilado
carne seca
esqueleto
ossos estéreis
boquiabertos
onde tua alma
árida caveira
onde o recheio
de uma vida inteira?

Resto de homem
destinado ao pó
não te reconheço
embora roas
minhas idéias
reflitas
meu cansaço
espelhes
meu estupor
embora quebres
embora doas
embora estales
quando te envergo
nos rituais do amor.

Ainda menina
vi teus contornos
em úmidos
laboratórios
escolares
na morte anunciada
do meu avô
e no entanto
só te encarei
muito mais tarde
no rosto inerte
de um meu irmão
naquela tarde.

Hoje, assisto-te
como a um filme
de terror
em cenas de guerra
em olhos de fome
na ferocidade
do bicho homem
caveira já te sonho
caveira já te sou
em certas noites
insones.

Espio-te
nas entrelinhas
de minha face
penetro teu vulto
tua intimidade
reconheço-te
no que em mim
é pó
no que em mim
é carne
e até te cuido
e até te agrado
buscando-te o vigor
para que não quebres
antes do tempo
e que me abrigues
quando se achegue
a idade.

Hoje, livro-te do perigo
com o comedimento
da maturidade
até que venha a morte
e minha alma leve
de ti se aparte
e enfim, então,
já nos veremos
face a face
de um lado
meu espírito pleno
de outro
tua débil
durabilidade.

Assistirei às despedidas
dos meus irmãos
e ao teu enterro
ainda grudada
à minha carne
e te direi adeus
e subirei aos céus
pois que te conheço:
corpo mutilado
carne seca
esqueleto.

 

 

***

 

 

Sobre fé

Let it be,



a ferida há de estancar,
o peito há de resistir
e o sol ainda há de brilhar
e então hei de construir
a ponte onde atravessar
ao outro lado e seguir
a sina de mais amar
tanto mais vida existir.

 

***

 

 

 

Talden Farias

 Talden Farias é poeta paraibano, graduado em Direito pela UEPB, mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB, doutor em Recursos Naturais pela UFCG e doutor em Direito pela UERJ (com distinção e louvor), tendo feito estágio de doutoramento sanduíche pela Universidade de Paris 1/Pantheón-Sorbonne (bolsa CAPES-COFECUB). Advogado e professor de Direito Ambiental da UFPE. Publicou o livro de poemas “Cemitério de Deuses”

 


 

 

o louco



não foi
dra. Nise
quem disse
que de gênio
e pouco
todo mundo
tem
um louco?

 

***

 

 

dra. Nise

 

a arte
cura
amar-te
cura

(não é à toa
que a palavra loucura
também abriga
                          a cura)

 

***

 

 

sintaxe

 

amar
e separar-se

dois verbos
a mesma sintaxe

 

 

***

 

 

rimbaud

 

nunca quis
escrever poema
algum

apenas pedi
socorro

- ou redijo


 

ou morro.

 

 

***

 

 

o que não tem nome



quando ouço
e vejo
           o mar

de algum modo
alcanço

o verbo amar

 

 

***

 

 

índio


por trás daquela mulher
belíssima
que dança e brilha
no salão
com o seu colar de diamantes

há sempre a sombra
de um índio
que já não pode dançar mais

 

***

 

 

floresta I

(para dom e bruno)

 

levaram os homens
que defendiam
os índios
que estavam
na floresta

depois
levaram os índios
que estavam
na floresta

e depois
levaram a floresta

(...)

mas o que
sobrará depois?

 


***

 


floresta II
(para dom e bruno)

 

levaram os homens
que defendiam
os índios
que estavam
na floresta

depois
levaram os índios
que defendiam
a floresta

e depois
levaram a floresta
que defendia os homens
que levaram os homens
que defendiam
os índios
que estavam
na floresta





* fonte: Correio das Artes

Nísia Nóbrega

Nísia Nóbrega nasceu em Mamanguape-Pb em 1928 e faleceu em 2000. Escreveu diversos livros de poemas, entre eles “Nox braços leves do vento”, “Rosa distante”, “Completamente amor”, “Ramo da saudade”, “Isla-sin-raices”, “Na flor da correnteza”, entre outros. Rabalhou na rádio MEC com um programa de entrevistas, foi poeta e professora.





 

 


 

     POEMA DE AREIA E VENTO

          Por onde, Mamanguape?
          O medo ia e vinha
          com cheiro de caldo de cana,
          no vento encanado
          das ruas de Areia.
          Areia é só ventania:
          vento trazendo lembrança
          de gente buscando ouro,
          de gente tangendo bois.
          Areia de hoje rima vento e convento,
          faz-se caminho do amanhã,
          cresce no estudo,
          religiosamente renascente.
          Areia de ontem,
          por onde?

         

          NO CLAUSTRO DE AREIA

          No amanhecer,
          descobri o jardim,
          dentro do claustro,
          fechado ao vento
          e aberto ao sol.
          Suas flores cheiravam a incenso.
          Pareciam-se com as velhas freirinhas alemãs
                                                 que o cuidavam,
          quase cegas, quase surdas,
          mas erguidas e brancas,
          lírios vigilantes,
          de pureza intacta.

 

          POEMA DA MANGA-ROSA

          Mamangua-penso, e ao risco escapo.
          Volto no tempo...
          Macia pele de manga-rosa,
          mão descascava.
          Sumo escorrendo,
          da boca ansiosa,
          manchava a manga
          da blusa nova,
          tão cor-se-rosa,
          tão manga-rosa,
          tão perfumada...
          Manchada? Não.
          Aquela blusa ficou foi doce,
          e mais macia,
          sem engomados,
          só manga e róseo
          tempo escorrendo,
          despetanlado.

 

          ONDE FOI RIO

          Onde foi rio, era chão,
          duro, lavado, sem brio.
          Nenhuma flora para espera,
          rachando ao sol,
          chão de estio.
          Onde foi rio, corri,
          lágrima e sal de esperança.
          Espera e anseio perdi
          de me rever em criança.
          E já não cri, já não cri.
          Por onde os grilos da infância?
          Quem de buscar não se cansa?

 

 

segunda-feira, 13 de março de 2023

Maria Valéria Rezende

 Maria Valéria Rezende nasceu em Santos-SP e reside em João Pessoa. Recebeu diversas premiações importantes, como os prêmios Jabuti e Casa de Las Américas. Tem uma vasta bibliografia e entre seus livros publicados destacamos O voo da guara vermelha, Outros Cantos, Carta à rainha louca, Vasto Mundo, Modo de apanhar pássaros à mão, Quarenta dias, entre outros.



 

 

 

Nasce toda verde,
vermelha renasce a folha,
logo será ouro.

* * * * *

Preso em saco plástico
último frêmito de asas —
morre a borboleta.

* * * * *

De ponta-cabeça
céu vira mar, mar é céu —
e o céu tem marola

* * * * *

A casa vazia
sem cheiro nem som, revive;
chegou a criança!

* * * * *

Ouço um chilrear —
há uma criança e há pássaros —
de quem esse canto?

* * * * *

 

Meu avô quebrava pedras

a golpes de picareta

de sol a sol

eu lhe trazia a quartinha de água fresca

e lhe tocava as costas

as costas de meu avô eram pedra

 

a pele de meu avô

de sol a sol

tinha cor de sola e terra

o braço de meu avô

alongado em pau e ferro 

rompia a pedra

 

meu avô bebia da quartinha

a água doce e fresca

e deixava-me na testa 

um beijo de areia e sal

 

meu avô brandia a picareta

e cantava 

com ecos de caverna

com timbres de estalactites

 

foi-se meu avô de pedra e sola

vento terra areia mar e sal

meu avô de pau e ferro 

cumpriu-se de volta ao chão

ficamos nós

eu, os tijolos, cimento,

e a ventania no andaime

 

 

Augusto dos Anjos

 Augusto dos Anjos foi um professor e poeta paraibano nascido em 1884, em Sapé-Pb e faleceu em Leopoldina-MG, em 1914. Publicou um único livro (Eu). Apesar de ter suas raízes no parnasianismo e no simbolismo, não se filiou a nenhuma escola literária e é considerado um dos maiores poetas de Língua Portuguesa. Sua poesia está traduzida em diversos idiomas.



 

 

 Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

 

 

 

Soneto

Canta teu riso esplêndido sonata,
E há, no teu riso de anjos encantados,
Como que um doce tilintar de prata
E a vibração de mil cristais quebrados.

Bendito o riso assim que se desata
- Citara suave dos apaixonados,
Sonorizando os sonhos já passados,
Cantando sempre em trínula volata!

Aurora ideal dos dias meus risonhos,
Quando, úmido de beijos em ressábios
Teu riso esponta, despertando sonhos...

Ah! Num delíquio de ventura louca,
Vai-se minh'alma toda nos teus beijos,
Ri-se o meu coração na tua boca!

 

 

Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

 

 

Vandalismo

Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos …

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!

 

 

 

 

Idealismo

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!
O amor da Humanidade é uma mentira.
É. E é por isso que na minha lira
De amores fúteis poucas vezes falo.

O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
É o amor do sibarita e da hetaíra,
De Messalina e de Sardanapalo?!

Pois é mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
— Alavanca desviada do seu fulcro —

E haja só amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!

 

 

 

 

Eterna Mágoa

O homem por sobre quem caiu a praga

Da tristeza do Mundo, o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!
Não crê em nada, pois, nada há que traga
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste.
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.
Sabe que sofre, mas o que não sabe
É que essa mágoa infinda assim, não cabe
Na sua vida, é que essa mágoa infinda

Transpõe a vida do seu corpo inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!

 

Envie poemas, minibio e foto para o e-mail lausiqueira@yahoo.com

Francc Neto

  Minha jornada como poeta começou na adolescência,  publicando poemas em revistas e jornais.  Ao longo dos anos, minha poesia foi reconheci...