domingo, 23 de abril de 2023

Manuel Xudu

Manoel Lourenço da Silva, o Manoel Xudu (1932-1985). Conterrâneo de José Lins do Regpo, nasceu em São José de Pilar-Pb. Violeiro  profissional, viveu a maior parte da sua vida e faleceu em Salgado de São Felix-Pb. Considerado um dos grandes nomes da cantoria no Nordeste brasileiro.


O meu verso é como a foice
De um brejeiro cortar cana.
Sendo de cima pra baixo,
Tanto corta, como abana,
Sendo de baixo pra cima,
Voa do cabo e se dana.


*****

O homem que bem pensar
Não tira a vida de um grilo
A mata fica calada
O bosque fica intranquilo
E a lua chora com pena
Por não poder mais ouvi-lo

***

Eu admiro um caixão
Comprido como um navio
Em cima uma cruz de prata
No meio um defunto frio
E um cordão de São Francisco
Torcido como um pavio.


*****

Nessa vida de amargura
O camponês se flagela
Chega em casa à meia-noite
Tira a tampa da panela
Vê o poema da fome
Escrito no fundo dela.


*****

Uma novilha amojada
Ao se apartar do rebanho,
Quando volta, é com uma cria
Que é quase do seu tamanho;
Ela é quem lambe o bezerro,
Por não saber lhe dar banho.


*****

Carneiro do meu sertão,
Na hora em que a orelha esquenta,
Dá marrada em baraúna
Que a casca fica cinzenta
E sente um gosto de sangue
Chegar à ponta da venta.

*****

Uma galinha pequena
Faz coisa que eu me comovo:
Fica na ponta das asas,
Para beliscar o ovo,
Quando vê que vem, sem força,
O bico do pinto novo.

*****

Tem coisa na natureza
Que olho e fico surpreso:
Uma nuvem carregada,
Se sustentar com o peso,
De dentro de um bolo d’água,
Saltar um corisco aceso.


*****


O ligeiro mangangá
Passa, nos ares, zumbindo;
As abelhas do cortiço
Estão entrando e saindo,
Que, de perto, a gente pensa
Que o pau está se bulindo.


*****


A raposa arrepiada
Se aproxima do poleiro,
Espera que as galinhas
Pulem no meio do terreiro;
A que primeiro descer,
É a que morre primeiro.

*****

Eu tava na precisão
Quando me casei com Nita
Nada tinha pra lhe dar
Dei-lhe um vestido chita
Ela olhou sorrindo e disse
Oh! Que fazenda bonita!


*****


É uma bola de ouro
Pra todo humilde vaqueiro,
Que ganha do fazendeiro,
Um belo chapéu de couro.
Conduz aquele tesouro
À noite, para o colchão;
Para, na escuridão,
Não ser roído do rato.
Chapéu de couro, o retrato
Do vaqueiro do sertão.


*****


Vê-se o sertanejo moço
Com três meses de casado;
Antes de ir pro roçado,
Da mulher, beija o pescoço.
Ela lhe traz, no almoço,
Uma bandeja de angu,
A titela de um nhambu,
Depois lhe abraça e suspira.
O sertanejo admira
As manhãs do Pajeú.


*****


Mamãe que me dava papa
Me dava pão e consolo
Dava café, dava bolo
Leite fervido e garapa
Mas uma vez deu-me um tapa
E depois se arrependeu
Beijou aonde bateu
Desmanchou a inchação
“quem perdeu mãe tem razão
De chorar porque perdeu”.


*****


Dia 13 de março terça-feira
Ano mil novecentos trinta e dois
Pouco tempo depois que o sol se pôs
Mamãe dava gemidos na esteira
Numa casa de barro e de madeira
Muito humilde coberta de capim
Eu nasci pra viver sofrendo assim
Minha dor vem dos tempos de menino
Vivo triste por causa do destino
E a saudade correndo atrás de mim.


*****


Quando Deus, que é juiz pra todo jugo,
Molha as terras sedentas e vermelhas,
O corisco por cima abala as telhas,
Cai a água, me molho e me enxugo.
Vê-se um sapo escanchado num sabugo,
Como um cabra remando uma canoa…
Sai cortando as maretas da lagoa,
Chega os braços parecem um cata-vento.
Salta fogo das nuvens de momento,
Cai a chuva na terra, o trovão zoa.


*****

No sertão, todo dia, bem cedinho
Vê-se um galo descendo do poleiro,
Um cabrito berrando no chiqueiro,
No terreiro, fuçando, um bacorinho.
Um preá sai torcendo o seu focinho,
Como um cego tocando realejo;
Na cozinha, uma velha espreme o queijo,
Um bezerro berrando no curral.
O retrato do corpo natural
É a veste do homem sertanejo.


*****


Um ferreiro suado numa tenda,
Agarrado no cabo da marreta,
Consertando algum dente da carreta
Que quebrou e precisa duma emenda;
Um crioulo no pé duma moenda,
Já um pouco queimado de aguardente;
O bagaço espirrando pela frente
E uma bica de caldo derramando,
Um bueiro, mal feito, fumegando,
Representa o sertão de antigamente.


*****


O mar se orgulha por ser vigoroso,
Forte, gigantesco que nada lhe imita
Se ergue, se abaixa, se move, se agita,
Parece um dragão feroz e raivoso.
É verde, azulado, sereno, espumoso;
Se espalha na terra, quer subir pro ar,
Se sacode todo, querendo voar,
Retumba, ribomba, peneira, balança,
Nem sangra, nem seca, nem para, nem cansa,
São esses fenômenos da beira do mar.


*****


O próprio coqueiro se sente orgulhoso
Porque nasce e cresce na beira da praia
No tronco, a areia da cor de cambraia
O caule enrugado, nervudo e fibroso
Se o vento não sopra silencioso
Nem sequer a fronde se vê balançar
Porém, se o vento com força soprar
A fronde estremece, perde toda a calma
As folhas se agitam, tremem, batem palma
Pedindo silencio na beira do mar.


*****


Não há tempestades e nem furacões,
Chuvada de pedra no bosque esquisito
Quedas de coriscos e meteorito
Tiros de granadas, obuses, canhões,
Juntando os ribombos de muitos trovões
Que tem pipocado na massa do ar
Cascata rugindo, serra a desabar,
Estrondo, ribombos, rumores de guerra,
Nuvens mareantes, tremores de terra
Que imitem a zoada na beira do mar.




Fonte: Jornal da Besta Fubana

sexta-feira, 21 de abril de 2023

Tassyla Queiroga

Tassyla Queiroga nasceu em João Pessoa-Pb e foi criada no sertão. Viajante inquieta. Dividida entre Literatura e Direito, com poemas publicados nas Revistas Garupa, Gueto, Diversos Afins e Ruído Manifesto. O primeiro livro de poemas se chama Sargaço, e foi publicado em 2019 pela Edições Macondo. 





toda solidão é um domingo de tarde
sem vontade de recomeço
uma xícara vazia
um dia de insônia
que dança madrugada adentro
a lama depois da chuva
ou a criança quieta
no quintal atrás de casa
onde a árvore tem galhos secos
e nenhum pássaro repousa.

 

*****

 

minha última casa
era uma carta
sobre distâncias
escrita nas linhas retas do planalto
um caderno com páginas em branco
e o mapa com rota de fuga
colado na última folha
como os pombos-correios
que levam mensagens
para a Idade Média
o primeiro vídeo de Matilde Campilho
era um passeio de bicicleta
no verão de Copacabana
o último disco de Leonard Cohen
era um bilhete de despedida
e os rabiscos de Basquiat eram
um pedido de socorro
aos prédios de Manhattan.

 


*****

 

você sempre disse que importante é o ritmo
ir sem pressa pela cidade estreita
onde nos perdemos
esperar menos o que não vai ser alcançado
e se houver o dia de reviver assuntos
conclusões não virão de novo
você disse
– don´t think twice
e eu – isso é balela de Bob Dylan
mas assisto você dormir em silêncio
o precipício imóvel entre as pálpebras
por onde caio
afasto as mãos
pra apagar incêndios em nosso íntimo
com um sopro
você sempre soube que importante é o ritmo
e o perigo da combustão é o impulso
basta um fósforo na direção certa
a maneira com que o fogo
destrói rápido as promessas feitas.

 


*****

 


última dose antes da conta
insights só me ocorrem bêbada
concluímos que a tristeza existe
em nós porque somos lúcidos
viramos shot de tequila
e você dormiu no meu corpo
me devolveu chaves antigas
te arrastei pra todo canto
boêmios e roots no jardim de maitreya
tomamos as plantas entre erros e caleidoscópios
e eu já tinha lido tantas vezes teus olhos
que deitamos no cerrado, em silêncio.
aos trinta anos vi uma estrela cadente
e não pedi nada, parada no estacionamento
entre o carro e a fuga
as chaves estavam no teu bolso
minhas mãos geladas queriam carona
e você apareceu de braços abertos
parecia deus criando pecados,
cresci ao teu lado entre o susto e o sono
e tomamos chá em silêncio
a fumaça embaça teus óculos sérios
mas por que razão estaríamos tristes?
nós, que tivemos esperança nos russos
diminuímos os relicários
e chegamos doze léguas à frente dos cínicos.
fotografo teu rosto ao acaso
e o foco da sorte é o arco
que cruza tua boca

n

o

 

c

a

n

t

o
no canto esquerdo do sorriso tímido.




*****



azul

 

toda solidão é um domingo de tarde
sem vontade de recomeço
uma xícara vazia
em noite de insônia
que dança madrugada adentro
a lama depois da chuva
ou a criança quieta
no quintal atrás de casa
onde a árvore tem galhos secos
e nenhum pássaro repousa.

quinta-feira, 20 de abril de 2023

Raquel Medeiros

Raquel Medeiros paraibana residente em Olinda. Segundo ela própria, talvez seja poeta. Em 2021 datilografou, costurou e lançou sua primeira publicação independente, máquina, entre rede, cachorras e jiboias.







lavanda


eu sei, sei que foi-se. foda-se.
não posso consertar o vaso do tempo, te pagar
um tratamento naquele filme do gondry.
já tomou cachaça ouvindo uma daquelas músicas
bem cafonas, de filme dos anos 80?
vem um trator que passa por cima de frente e
não contente, também passa de ré.
a cachaça e a música cafona. o trator.
a pessoa canta se partindo


I wanna know what love is
I want you to show me


não tem sentido. nada tem.
outra noite sonhei a gente numa praia
tu passando uns galhos de lavanda nas minhas costas
minha nudez de um pouco mais de um metro e meio de altura
horrorizava as senhoras que cobriam os olhos
das crianças recém caídas de montes de vênus
mais preocupadas com as ondas e suas piscinas
de um pouco mais de um metro de diâmetro

 

planta lavanda no meu peito
eu te pedia
e acordei.




*****



maria flamba
na cachaça melhora
e piora
como em qualquer
substância que tente
remediar.




*****




o poder de algumas palavras

 

toda vez que eles trazem a palavra

estupro

uma mulher se contorce de dor

uma mulher implora que parem

uma mulher sufoca em silêncio

uma mulher grita de pavor

uma mulher soluça de medo

uma mulher cai fraca sobre as próprias pernas

uma mulher se lava com tanta força que fere

uma mulher se fere com tanta força que sangra

uma mulher não dorme

uma mulher não acorda

uma mulher agoniza

uma mulher morre

 

toda vez que eles ofertam a palavra

paz

nada acontece pois

não praticam.




*****




os ancestrais na montanha
pela certeza do lugar que ocupam
nos pés, um aviso
as pedras pressionadas
em volta do fogo
se roçam se estranham
se partem
na água se bebe e mergulha
se afoga do alto
se abisma
no coração da terra
sopra a dança que se anuncia
movimento ascendente
em cada uma das folhas das minhas
costelas
será que o tronco aguenta
aquela ventania no olho
do cavalo que levanta as patas dianteiras
nas firmes raízes do ventre do mundo?
os ancestrais na lua cheia
uivam onde a alma escuta
o umbigo é um vale
todo bicho é um ímã.




*****



 

mas quem se importa com poesia
no preço que a gasolina está
pra que serve alguma rima ou remo
se maria mal consegue
se equilibrar
na terra instável do ônibus sacode
vai e volta e nem sabe como voltar e ir
no outro dia o mesmo café preto
no oco do peito cansado da cabeça cheia
quem realmente se importa, maria?
de que adianta a poesia?
acabou o gás.

Renálide de Carvalho

Renálide de Carvalho nasceu em Jacaraú-Pb.  É  Professora de Língua Portuguesa do Instituto Federal do Piauí, Campus são Raimundo Nonato e coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas. Atua, escreve, movimenta-se na luta e na arte, escreve porque é escrava do verbo e a escrita lhe traz cura, liberta-a da mediocridade e a faz esperançar. Em sua poesia cabe a política, o amor, a natureza e os sentimentos do mundo.


 

Poema Do MAr


Do mar- mais ou menos-
Sabe-se o espaço.
Onde quebra a onda na praia
E volta ao mar.
Onde a maré enche
E torna a secar.
Do amar - no entanto-
O espaço é mistério.
A qualquer instante
Pode haver revertério.
Qualquer gota d'água
Pode romper o liame
E - de dentro-
irromper um Tsunami.
Do mar
Quase tudo é bonito
Do amar
Há de haver infinito.




*****

 


Seja breve
E bem leve
o nosso encontro.
E que depois dele
não haja mais que um ponto.




*****

 

Meu coração
Tem labirintos
A perder de vista
E tem olhos que só piscam
Quando os seus avista.




*****

 


Porque poesia vicia mais que craque
mais que morfina
vicia mais que cocaína
quando bate n'alma
e faz um disparate
quando quase a carne vem se tornar arte.
          a poesia abate.




*****

 

 

Palmares de Novo


Contra as mentiras
contadas pelos nossos opressores
trazemos a verdade da nossa ancestralidade.

Agora, não mais
açoitarão nossos corpos e memórias.
Se tentarem, não sairão impunes!

Outras vozes velozes
virão veementes
jorrar as águas da nossa vitória,
da nossa alegria,
do nosso amor ,
a nossa arte,
ciência,
cultura e religião.

E nossos reis e rainhas renascerão
numa Palmares
repleta de liberdade.

 

Neto Henrique

 Antônio Henrique de Gois Neto nasceu em Alagoinha-Pb uonde ainda vive. Formado em História pela UEPB campus III de Guarabira onde descobriu o amor pela poesia. Publicou o livro “O Homem Ridículo entre flores” em 2020. É professor de História e poeta, por vezes se aventurando em outras artes como a pintura e fotografia. 


2021

Este momento
É... a treva
Caindo no verde dia
De quem... ousou
Sonhar

Este... ano
É a pressa
De seguir em... frente
Na pista de bombas
Trafe...gando
Em trilha... reta
No... trilho... torto
Tentando passar

Esperança é o que nos resta
O que nos falta é
...ar...




*****

 

 

DICOTOMIA


Como queria que me odiassem os anjos
Ao menos assim eu existiria
Estaria em seus sonhos e por vezes veria cair
Raios furiosos aos meus pés
Afim de me castigar

Como eu amaria ser amado pelos demônios
Ao menos assim eu me testaria
Estaria à beira do precipício ensaiando o salto
Para logo em seguida desistir do pulo
Sabendo que lá em baixo se arranham de desgosto
Por não ter a mim muito mais perto

Mas o que queria mesmo era ser visto por ela
Que me ignora em tudo que faço
E todos os meus anjos
E todos os meus demônios são só por ela
Que Deus me proteja da ira dela!
Que Deus me proteja do seu amor!




*****

 

 

POEMA INACABADO

 

Tenho poemas inacabados

De amores inacabados

Que nunca consegui terminar

Pois estes amores inacabados

Assim com os poemas inacabados

Terminaram antes de começar

 

E ficaram assim mesmo, "inacabados"

Amontoados em lugares arruinados

Poemas impregnados de




*****

 

 

A MULHER PERFEITA

Idealizo você
Igual a um profanador de tumbas
Colhendo nos necrotérios e catacumbas
Partes de corpos femininos
Para te fazer

Idealizo você
Com a pretensão de um cientista louco
Em largas noites costurando teu corpo
A procura de criar
O mais perfeito ser

Te idealizo
Passo a passo
Risco a risco
Unindo teus astros
Alma
Corpo
Personalidade...

Mas na maldita hora de te dar a vida
Sempre constato a mesma ferida
-Eis apenas fruto de minha insanidade!




*****

 


FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA


De todas as filosofias e fórmulas mágicas
Receitas fantásticas para encontrar a paz
Pensamentos transcendentais e poéticos
A música calma dos ecléticos orientais...

De toda a alegria das drogas ilícitas ou não
A moradia dos sonhos, serenidade que comove
Ou tudo, tudo que por sobre a terra se move
E pode te tocar ao fundo o ferido coração...

De todas as formas de libertação que acalma
A que mais purifica a alma é uma, escute-a e comova-se
Pois sinceramente te digo - oh, meu caro amigo!
Nada no mundo supera a beleza de um “foda-se!”


Envie poemas, minibio e foto para o e-mail lausiqueira@yahoo.com

Francc Neto

  Minha jornada como poeta começou na adolescência,  publicando poemas em revistas e jornais.  Ao longo dos anos, minha poesia foi reconheci...